Tramita na 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, desde junho, ação judicial da Adusp contra a USP com a finalidade de fazer encerrar a prática de assédio moral institucional contra o corpo docente, que caracteriza, historicamente, a atuação da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT). Há mais de duas décadas a Adusp denuncia e combate os abusos cometidos pela CERT, que cessaram por alguns anos, mas foram retomados e intensificados durante a gestão M.A. Zago-V. Agopyan (2014-2017).

A inicial pede que a USP seja condenada a “fazer cessar o estado atual ilegal de assédio praticado pela USP, por meio da CERT, de modo que esta cesse em definitivo atuação que contraria as avaliações do período de experimentação dos docentes realizadas pela respectiva Unidade, e ainda, considere a situação especial de suspensão da avaliação da docente no período da licença maternidade em todas as instâncias de avaliação da USP, em especial a CERT”.

A Adusp pede ainda antecipação da tutela (liminar), “principalmente para que a CERT deixe de assediar os docentes na prática atual, obstando a sua prática de oalterar os regimes de trabalho (que repise-se, realizada por meio de pareceres arbitrários, subjetivos e abusivos), nos casos em que contraria a avaliação positiva da própria Unidade, que já realiza a avaliação institucional e que mais se aproxima do docente, a fim de fazer cessar desde já o dano recorrente causado aos professores”.

Ao pedir que a USP interrompa a prática de assédio coletivo ao corpo docente, a inicial lembra que a CERT “ é órgão nomeado e subordinado à Reitoria, e não um órgão colegiado da Universidade, se encontra diretamente sujeito, portanto, às ordens e orientações de política institucional de cada gestão reitoral”. Todo(a) integrante dessa comissão, a começar por seu ou sua presidente(a), é escolhido(a) e nomeado(a) exclusivamente pelo reitor ou reitora. Por outro lado, na quase totalidade das vezes, a Reitoria respalda as ações arbitrárias e abusivas da CERT, ou resiste a alterá-la.

A ação aponta também as mudanças ocorridas na legislação interna que regulamenta a atividade da comissão — Regimento Interno da CERT (Resolução 3.531/1989) e normas posteriores. A Resolução USP 3.533/1989 regulamentou os regimes de trabalho docente, e por conseguinte, os critérios de atuação da CERT, até ser revogada pela Resolução USP 7.271/2016 (Estatuto do Docente), que passou a regulamentar as relações dos docentes admitidos na USP antes e depois de 22 de janeiro de 2017. De acordo com o Estatuto do Docente, o processo de avaliação do período de experimentação de três anos dos docentes ingressantes na USP após 22 de janeiro de 2017 passou a ser de competência, em última instância, da Comissão Permanente de Avaliação (CPA).

“Cumpre dizer que, com a mudança de norma regulamentadora e a revogação da Resolução 3.533/89, aos docentes admitidos anteriormente à vigência do Estatuto do Docente não lhes foi dada a faculdade de migrar para a nova regra, os quais foram obrigados a permanecer, por força do artigo 1º das Disposições Transitórias, submetido às regras vigentes na data em que originalmente ingressaram na Universidade, ou seja, à Resolução 3.533/89 (revogada), cuja avaliação para fins de permanência no regime após ‘experimentação no regime de 6 anos’ dependia de relatórios bienais a serem submetidos à avaliação da CERT”, esclarece a ação da Adusp.

“Importante esse preâmbulo para revelar uma das maiores discriminações atualmente da atuação da USP sobre o corpo docente da Universidade: a forma de avaliação do estágio probatório. Pela Resolução 3.533/89, a CERT era responsável pela avaliação do ‘regime de experimentação no regime de trabalho’, onde o docente tinha que permanecer 6 a 8 anos, prorrogáveis por mais 2 anos, em experimentação no regime de trabalho para sua aprovação, o que, na prática, comumente, deixava o docente mais de dez anos em experimentação no regime, ficando por todos esses anos em situação de precariedade no ambiente de trabalho”.

Na mais recente regulamentação, prossegue a inicial, “o docente tem que cumprir o estágio probatório constitucional dos três anos no regime, a serem avaliados pela CPA, o que permite a absurda discrepância da situação de que docentes há mais tempo na USP, ingressantes antes de 2017, até hoje permaneçam por mais tempo em ‘experimentação no regime’ do que os novos ingressantes, admitidos após 2017”, adverte. “As diferenças de tratamento são extraídas da própria página da CERT”.

Tudo isso agravado pelo fato de que a CERT, “na sua competência de opinar acerca do regime de trabalho, segundo estabelece o Estatuto da USP, age como um poder avaliatório do desempenho docente”, pois na prática aprova, ou não, os relatórios bienais de desempenho acadêmico. A ação judicial demonstra, por meio de documentos anexados à inicial, que a atuação da comissão “vem sendo denunciada pelos docentes e por esta entidade há muitos e muitos anos”, sendo incontestável o papel institucional que ela exerce, “não somente na fiscalização do regime de trabalho, mas em especial como instrumento da Reitoria para imposição de determinada política, por meio de mecanismos de avaliação de desempenho fundado em critérios arbitrários, pessoais, não transparentes, não isonômicos, desarrazoados, sem fundamento em normas internas, enfim, sem qualquer amparo nos princípios constitucionais que devem reger a Administração Pública”.

Nesse diapasão, continua a inicial, a CERT se revela “como executora de política institucional discriminatória e de desqualificação moral dos indivíduos, como veremos”. Assim, considerando que a avaliação de desempenho realizada pela CERT “é feita apenas por treze membros nomeados pelo reitor, há evidência que não se trata de uma avaliação realizada por docentes da mesma área de conhecimento dos avaliados, processo esse que é realizado junto aos respectivos Departamentos e Unidade antes de encaminhado à CERT, mas sim de uma avaliação baseada em critérios de política institucional, não estabelecidos em nenhuma regulamentação interna”.

Dessa forma, enfatiza, “com base em critérios de avaliação não regulamentados em nenhuma norma da universidade”, e de modo não isonômico, os docentes ingressantes antes de 2017 “podem ser surpreendidos por uma avaliação negativa, desqualificadora e desabonadora da competência do docente e da sua unidade”, e, o que é ainda mais grave, podem ter seu regime de trabalho alterado unilateralmente pela CERT, “a despeito de avaliações favoráveis realizadas nos respectivos departamentos e unidades”.

A alteração involuntária de regime de trabalho provoca perdas pecuniárias substanciais, porque quem deixa de atuar em Regime de Dedicação Integral à Pesquisa e à Docência (RDIDP, 40 horas semanais) e passa a atuar em Regime de Turno Completo (RTC, 24 horas semanais) receberá um salário 40% menor. Quem é desligado do RDIDP e passa a atuar em Regime de Turno Parcial (RTP, 12 horas semanais) sofre uma perda salarial da ordem de 80%. Dessa forma, o(a) docente sofre punição por meio do rebaixamento salarial, “como forma intencional de difusão de uma política do medo”, diz a Adusp na ação em curso na 7ª Vara da Fazenda Pública.

“Outra forma grave de agir da comissão é sua prática de atuação em relação às professoras da USP, eis que desconsidera por completo os períodos de licença maternidade para avaliação das docentes no mesmo período de tempo”. Caso exemplar desse tipo de conduta da CERT foi o da professora Cynthia de Oliveira Lage Ferreira, do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC) de São Carlos. Desligada do RDIDP e compulsoriamente enquadrada no RTC em outubro de 2019, Cynthia só retornou ao RDIDP em julho de 2022, após muitos protestos da Adusp e um abaixo-assinado da categoria.

Por fim, a ação judicial destaca que a atuação da CERT é um fator negativo de saúde, seja por conta do poder autoritário delegado a essa comissão, seja pela exposição pública desqualificadora da competência do docente junto a colegas e colaboradores (apesar de ter tido sua avaliação aprovada pelas instâncias competentes regulamentares), bem como pela longa duração do regime de experimentação (seis anos ou mais) e pela perspectiva de mudança unilateral do regime de trabalho, com imenso impacto na remuneração docente.

“Não raro esse verdadeiro assédio sofrido pelos docentes provoca distúrbios psíquicos ou transtornos de saúde no ambiente de trabalho decorrentes da atuação da CERT sobre a vida deles, e em alguns casos já houve, até mesmo, tentativas de suicídio, ou ainda, pedidos de exoneração e, não raro, pedidos de aposentadoria precoce”.

EXPRESSO ADUSP


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