Aula Pública do Fórum das Seis anima Praça da Sé e Paulo Arantes explana sobre privatização da USP

Esta é a versão original da matéria, há uma versão reduzida publicada no Informativo nº 384

A Aula Pública “Direito à Educação e à Saúde”, realizada na Praça da Sé, em São Paulo, em 18/6, contou com a presença de convidados e de representantes das entidades que compõem o Fórum das Seis, além de estudantes, professores e funcionários das três universidades estaduais paulistas, inclusive delegações dos campi da Unesp de Guaratinguetá, Bauru e Franca. Uma forte chuva, ocorrida pouco depois das 14 horas, causou a momentânea dispersão dos manifestantes, que voltaram ao local assim que parou de chover.

Daniel Garcia

Inicialmente o deputado Carlos Giannazi (PSOL) saudou a mobilização: “Esse movimento deve ser abraçado por toda a sociedade, principalmente pelas pessoas que defendem o atendimento da demanda do ensino superior pelas universidades públicas e mais investimento nessa área”,  disse. “Nós estamos acompanhando esse movimento de vocês não só aqui, nas manifestações e nas paralisações, mas sobretudo do ponto de vista da Assembleia Legislativa, acompanhando a execução orçamentária”. Giannazi lembrou que a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015 deverá ser aprovada até 30/6 e que é importante a presença de todos no processo de discussão e votação, para dar apoio às emendas que contemplam as propostas do Fórum das Seis de aumento dos recursos para a educação em São Paulo.

Logo após, o Coral Cênico “Cidadãos Cantantes Parceiros do Pacto da Terapia Ocupacional da USP” entoou algumas canções de Benjor, que animaram o público. Em seguida o professor Marcos Magalhães (IME), apresentador da Aula Pública, deu início aos trabalhos, passando a chamar representantes das entidades para que se manifestassem.

“Nós estamos aqui para dizer ao povo do Estado de São Paulo que estamos atentos, que vamos resistir, que não vamos permitir que o governador, com a cumplicidade dos reitores das três universidades públicas, faça com o ensino superior público paulista aquilo que conseguiu fazer com o ensino fundamental e médio, que hoje é terra arrasada”, afirmou oprofessor João da Costa Chaves Júnior, da Associação de Docentes da Unesp (Adunesp). “É preciso que o povo entenda que estamos aqui para defender um tesouro do Estado de São Paulo, que são as três universidades públicas paulistas, e que essa luta vai até quando conseguirmos nossa vitória!”.

fotos: Daniel Garcia
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João Carlos de Oliveira, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Unesp (Sintunesp), também falou da tentativa de desmantelar o ensino superior público: “Estamos aqui mais uma vez para denunciar o abuso, o absurdo, que comete o governo do Estado de São Paulo, o governador Geraldo Alckmin, para desmontar a estrutura da universidade pública, gratuita e de qualidade”.

“Os estudantes da USP estão em greve nesse momento em apoio à luta dos professores e dos funcionários dessa Universidade, contra o arrocho salarial de 0%, contra os cortes que estão acontecendo na nossa universidade agora, mas achamos importante pautar que esses cortes afetam o cotidiano da vida do estudante”, declarou Felipe Bisulli em nome do Diretório Central dos Estudantes-Livre “Alexandre Vanucchi Leme”, da USP. “As nossas bolsas não estão caindo [os valores não estão sendo repassados aos bolsistas], não estamos tendo trabalho de campo, que faz parte da nossa graduação, nossos laboratórios estão sem manutenção, não tem contratação de professores e as nossas salas de aula estão superlotadas”, explicou. Portanto, acrescentou,os alunos da USP, além do apoio a funcionários e docentes, “estão em greve por suas pautas, em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade”.

Metroviários

Também se manifestaram na Aula Pública representantes da central sindical CSP-Conlutas, do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e do Fórum Paulista da Educação Infantil (FPEI). “Os reitores se negam nesse momento a negociar, como parte de uma política geral do governo [estadual]. O argumento é de que não tem dinheiro. A pergunta que fica é sobre os mecanismos de sonegação internos à universidade e desvio de dinheiro para outros fins e para outras coisas”, expressou Dirceu Travesso, em nome da CSP-Conlutas./p>

Ele citou o escândalo do cartel formado para venda de equipamentos metroferroviários ao governo estadual e disse que, segundo cálculos do Ministério Público Estadual, empresas como Alstom, Siemmens e Bombardier devem R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos. “O que nós estamos vendo aqui é a mesma política que está sendo implementada em todos os lugares: para os trabalhadores, para os direitos sociais, para a educação pública, para a saúde pública não tem dinheiro, mas para os empresários tem!”.

 

fotos: Daniel Garcia
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O presidente do Sindicato dos Metroviários, Altino Prazeres, propôs a criação de mais universidades públicas em São Paulo, “para atender a toda a população”. O sindicalista, graduado em Matemática pela USP, criticou Alckmin pelo comportamento intransigente deste frente às reivindicações do funcionalismo público: “O debate mais uma vez é com o governador do Estado. Ele mostra para quem governa: os ricos e os empresários”. Segundo Prazeres, a propaganda contra a universidade pública é muito forte na mídia. “Defender a USP, a Unicamp e a Unesp é defender toda a população de São Paulo”, afirmou.

 

Ivan Ferreira Santos de Carvalho, representante do FPEI e estudante da Faculdade de Educação da USP, manifestou apoio à greve.“Nossa causa é mais do que legítima! Isso aqui está acontecendo por que a gente sabe que é assim que começa a privatização, você precariza, você sucateia o que é público, para depois falar que não tem condição de manter!”.

Marcílio Ventura, do STU, explicou que as categorias das três universidades públicas estaduais estavam ali para reivindicar que o reitor volte à mesa de negociação: “Não podemos deixar que a universidade chegue ao mesmo patamar da escola de primeiro e segundo grau”, disse, fazendo referência ao sucateamento da rede pública estadual. Ele defendeu ainda a contratação de funcionários para acabar com a terceirização nas universidades.

Magno de Carvalho, representante do Sintusp, destacou a importância do apoio à luta dos metroviários e à reversão das demissões de 42 profissionais, ordenadas por Alckmin. Ele anunciou também que, ao final da Aula Pública, seria realizada uma manifestação no interior da Estação Sé do Metrô, em favor da reintegração dos metroviários.

Daniel, representante da Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (Anel), defendeu mais verbas para as universidades públicas estaduais, criação de cotas (“a universidade deve ser aberta a negros e negras”) e abertura das contas. Ele também criticou o governador e exigiu que o reitor da USP reabra as negociações.

“Professores apassivados”

As condições climáticas imprevistas determinaram o encerramento antecipado da Aula Pública, levando a coordenação a mudar a programação. Assim, o professor aposentado Paulo Arantes (FFLCH) foi designado para falar em nome de todos os convidados.

Arantes ministrou uma curta e incisiva aula sobre o processo de privatização das universidades públicas, abordando-o não por seus aspectos relacionados à economia e às questões de financiamento, mas pelo ângulo da avaliação a que os docentes se submetem. Preliminarmente, porém, ele se referiu ao direito à educação, que hoje, a seu ver, representa apenas o acesso a um serviço ou produto: “A ideia de educação como emancipação, como autogoverno, como autonomia, como maioridade, como capacidade de reflexão, intervenção pública e política, desapareceu. Porque desapareceu atrás dela a mobilização social que a empurrou trinta anos atrás”.

Ele comentou, a propósito, que os professores municipais de São Paulo, na sua recente greve, repudiaram o conceito de “direito de aprendizagem”, que tem como máxima “aprender a aprender”. Ora, observou, aprendizagem nesse contexto significa “aprender a se virar”, buscar emprego etc. Assim, a primeira mudança de linguagem seria esta degradação da noção de direito surgida na década de 1980.

A segunda mudança nesse vocabulário geral dos direitos seria “outro fantasma, o fantasma da privatização como abolição de direitos”, na visão do professor. Então, para falar desse tema, optou por discorrer sobre algo que não é tão evidente: “É muito fácil bater nas fundações de apoio, porque — é óbvio — é simplesmente um negócio”. Mais difícil, afirmou, é entender “a nossa participação em todo esse processo de privatização do ensino superior público no Brasil e em particular no Estado de São Paulo”.

E como se deu tal participação? “A cada volta do parafuso da história recente, nós nos deixamos levar, nos deixamos conduzir, deixamos que a universidade, que foi uma instituição, se transforme numa organização, da qual nós fazemos parte”, prosseguiu. “Particularmente a Universidade de São Paulo, que é a mais oligárquica, a mais elitizada, se transformou há muito tempo numa organização de cujas engrenagens nós professores fazemos parte voluntariamente, queiramos ou não”.

Pois bem: “Nós deixamos que a universidade se transformasse numa espécie de simulacro de fábrica, com professores docilizados, disciplinados e apassivados. E apassivados por um mecanismo muito complexo de governo, que afeta a todo mundo, tanto na universidade como no mundo do trabalho, que chama-se avaliação. Não é à toa que os professores da rede municipal se voltaram contra o sistema de ‘aprender a aprender’… é aprender a ser avaliado! Avaliado por seu desempenho. Essa avaliação nós a implementamos, nós participamos e nos autogovernamos para essa avaliação”.

Arantes mencionou, para ilustrar seus argumentos, que o jornal O Estado de S. Paulo publicou naquele dia matéria na qual os três reitores “se vangloriam da organização empresarial e gestionária da universidade, não há nenhum problema, todas as regras são cumpridas”. Para que essas regras sejam cumpridas, disse o professor, “é necessária a colaboração dos pesquisadores, dos professores, e sobretudo dos estudantes, inclusive os estudantes de pós-graduação, que são os que mais sofrem em cumprir metas de produtividade”.

A avaliação, continuou, é uma imitação do sistema de preços do mercado. “Como é impossível avaliar o desempenho de 80 mil pessoas individualmente, fazem um sistema de índices, que são [como] o sistema de preços relativos, não remetem a nenhuma realidade. E nós trabalhamos para alimentar esse sistema de índices, com o ranqueamento de nossa posição, dos nossos departamentos, dos nossos estudos e da nossa universidade. Isso é justamente o que nós podemos entender como privatização. A universidade está sob violência autoinfligida. Ela se comporta como se fosse um sistema de empresários, que produzem uma mercadoria que não existe. A universidade não produz nenhuma mercadoria, é uma mercadoria falsa, e portanto é uma construção política fictícia”.

Ainda segundo o professor: “Nós nos matamos, adoecemos, enlouquecemos, somos arrochados, para produzir uma coisa que é absolutamente fictícia. Voluntariamente: nós trabalhamos para nos autoavaliar. Diante dessa devastação social, psíquica, intelectual e política, falar em mensalidade, falar em fundação de apoio”, ou mesmo de alguma complementação orçamentária, “é conversa miúda”.

Há movimentos sociais da maior importância, finalizou, “que tem convênios com as universidades, que obrigam seus militantes a ter [currículo] Lattes”. Chegamos ao fundo do poço, lamentou: “Temos que repensar completamente o nosso destino”.

 

 

EXPRESSO ADUSP


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