“Fascismo vence quando se enraíza no coração do povo”, adverte Rita von Hunty
Rita no auditório da FDRP: cativando a juventude

“Interações sutis e desconfortáveis, muitas vezes automáticas e não verbais, que funcionam como rebaixamentos”. Assim Chester Middlebrook Pierce (1927-2016), que foi professor de educação e psiquiatria na Universidade de Harvard, definiu o que entende como “microagressões”, no artigo científico “Uma experiência em racismo: comerciais de TV”, publicado em 1978. Um suposto elogio no decorrer de um diálogo interpessoal, por exemplo: “Nossa, como você está magra”, pode embutir uma agressão relacionada a um preconceito.

A tipologia inaugurada por Pierce foi enriquecida por Derald Wing Sue, professor da Universidade de Columbia, que dividiu as microagressões em três categorias: “microassaltos”, agressões ostensivas e deliberadas, “conscientes e similares ao racismo, sexismo etc.”; “microinsultos”, que são “sutis, insidiosos e disfarçados”; e “microinvalidações”, que consistem em “ataques às identidades individuais e à autoestima”, normalmente inconscientes e “baseados em uma cultura de estereótipos”.

Norte-americanos, ambos os pesquisadores certamente apoiaram-se em alguma medida, nas pesquisas e escritos que produziram, nas suas próprias experiências pessoais de lidar com atitudes discriminatórias e preconceituosas: Pierce era negro, e Sue nasceu numa família de origem chinesa.

Os autores foram trazidos por Rita von Hunty, que tratou do tema em aula presencial na noite de 23/3, assistida com entusiasmo por cerca de 600 pessoas (na sua grande maioria jovens estudantes) no auditório da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP). Persona criada por Guilherme Terreri Lima Pereira, ator e docente que possui graduação em Artes Cênicas (UniRio) e Letras e Literatura Inglesa (USP), a drag queen Rita foi longamente aplaudida ao chegar ao palco, por várias vezes ao longo da aula e ao final, quando confraternizou com dezenas de jovens e posou para fotografias.

Mas atenção: bem antes de apresentar as contribuições de Pierce e Sue, Rita fez questão de definir uma série de pressupostos conceituais, trilhando um percurso inspirado nos chamados estudos culturais, assim como na pedagogia crítica do educador e pensador brasileiro Paulo Freire e no materialismo histórico de Karl Marx, sem dispensar referências colhidas nas obras de Michel Foucault, Darcy Ribeiro, Freud e Lacan.

Logo no início, enquanto fazia sua autodescrição, brincou diversas vezes com a plateia sobre seu papel de agitadora política e cultural: “Estou vestida de professora de Leituras Etnográficas III. Quem já fez Leituras Etnográficas III sabe: este é o uniforme. E não sei, menina, como veio parar aqui uma bandana da ‘luta pelo aborto seguro como direito de todas as mulheres do Brasil’. Não faço ideia. Acho que é coisa dos comunistas da Adusp”.

E ainda: “Eu sou professora de Língua e de Literatura Inglesa, mas quando a gente fala isso é truque para o DOPS não pegar a gente”, ironizou, fazendo alusão ao sinistro Departamento Estadual de Ordem Política e Social, órgão da Polícia Civil criado nos anos 1930 e muito ativo como centro de torturas e de perseguição à militância de esquerda e ao movimento operário durante a Ditadura Militar (1964-1985), ao final da qual foi desativado.

“Porque eu falo: ‘Ah, sou professora de Língua e Literatura, vamos ver Virgínia Woolf’. Não é. É luta social na Inglaterra no início do século 20, é como o sufrágio aparece”, explica. “E aí a gente chama isso de estudos culturais, que o DOPS também não sabe o que é e ninguém me prende”. Ao conduzir a aula de modo lúdico e bem humorado, Rita provocou muitas risadas ao mesmo tempo em que encadeava novos conceitos e questões complexas.

Por meio dos estudos culturais, “disciplina de Humanidades”, ela se dispôs a explicar um conceito da Psicologia Social — as microagressões. A partir de algumas considerações iniciais, abordou a questão da cultura: “A gente dos estudos culturais está ‘encafifada’ em entender o que é a cultura. A cultura vem do latim colere e significa ‘cultivo’. A cultura é tudo aquilo que é cultivado pelos seres humanos, e quando a gente se debruça sobre a cultura está sempre tendo acesso a um sistema de significados e valores de um povo”, explicou, dando início a uma série de problematizações.

Exemplificou: “Cultura brasileira (destacou). Não existe, meu anjo. Porque o Brasil é um continente. Você está falando do Acre ou de Minas Gerais? Você está falando do século 19 ou do século 16? Você está falando do centro ou da periferia? Você está falando dos homens, das mulheres, ou das pessoas que foram violentadas porque não se encaixavam em nenhuma das categorias?”. Além do que, preveniu, há que se ter cuidados ao definir a cultura em análise: “É cultura emergente? É cultura residual? É cultura hegemônica?”.

Rita procurou destacar, ainda, a questão da linguagem e dos significados embutidos nas palavras e expressões existentes na língua portuguesa, algumas delas carregadas de preconceitos. “Se a gente olhar o português, fica o tempo todo percebendo os significados e valores que estão cristalizados. ‘Judiar’, por que a palavra judeu está lá dentro? ‘Denegrir’, por que a palavra negro está lá dentro? ‘Forte como um touro’, que significa? ‘Cantar de galo’, que significa? Essa língua está tentando me informar alguma coisa”, pontuou. “Então ao olhar para a cultura, ao olhar para a língua, estou vendo a cristalização dos significados e dos valores de um povo, em um [determinado] tempo”.

Para Paulo Freire, “leitura do mundo deve preceder a leitura da palavra”

Selfie após a aula: centenas de estudantes

Apontando para os telões abertos sobre o palco e indicando o título da aula, “Microagressões”, como exemplo, invocou a pedagogia crítica. “Nosso primeiro dever como estudantes, cidadãos, cidadãs, é olhar para as palavras e lembrar de Paulo Freire”. Após referir-se ao prestígio mundial do educador, agraciado com o título de doutor honoris causa por diversas universidades estrangeiras, tendo lecionado nos EUA, Suiça, Chile e outros países, observou que Freire declarou, numa entrevista, que não queria ser lembrado por essas razões: “Eu gostaria de ser lembrado como um homem que amou profundamente o mundo”, disse ele. “Ele não queria ser lembrado na base da ‘carteirada’ universitária”, interpretou Rita.

“A gente o considera um dos autores fundamentais de uma nova vertente pedagógica, a pedagogia crítica. A pedagogia crítica, freiriana, está assentada em alguns pressupostos, que a obra do Freire vai mostrar”. Em rápida menção a Pedagogia da Autonomia, uma das últimas obras do educador, assinalou: “O projeto pedagógico é ensinar o aluno a aprender, e não ensinar o aluno. O projeto pedagógico é produzir a emancipação dos sujeitos. O projeto pedagógico é que professor e estudante possam se horizontalizar em projetos de pesquisa”.

Nesta altura, indagou quem era estudante, funcionário(a) técnico-administrativo(a) ou docente. Depois que muita gente se identificou como pertencente a alguma dessas categorias, fustigou: “Então a gente tem funcionários, discentes e docentes. Fu-di-dos”, soletrou. A gargalhada foi geral. “Então hoje me dirijo aos fudidos. E essa é a importância do Sindicato, meus amores”. Nova gargalhada, desta vez seguida de fortes aplausos.

Retornou então a Paulo Freire, para dizer que um de seus textos fundamentais advoga que a “leitura do mundo” preceda a leitura da palavra. “Que significa? Se eu chegar aqui para vocês e disser: ‘Oi galera, hoje a gente vai bater um papo sobre microagressões. Microagressões é um termo da Psicologia Social que aparece pela primeira vez por causa de um psiquiatra, professor de Medicina em Harvard, em mil novecentos e setenta e’…, isso aqui não é aula, pelo menos não da pedagogia à qual estou filiado”, advertiu.

“Quando Freire pede que a leitura do mundo venha antes da leitura da palavra, é para a gente poder fazer o seguinte: ‘Microagressão’. Você vai olhar para mim e vai falar: micro para quem, cara pálida? Quem define? Quem escolhe se eu estou sendo pouco agredida ou muito? Qual é a linha decisória? Quem julga? Quem me diz ‘Não, foi só uma piada. Você [é] que é sensível demais’?”.

Prosseguiu com outros exemplos de locuções típicas de despiste: “‘Nossa, o mundo está chato, não posso falar nada’. ‘Ah, foi só meu jeito de expressar’. ‘Não, eu não quis dizer isso’. ‘Ah, você que não entendeu’. Se esta é a microagressão, qual é a macro? E quem vai ter o poder de nomear? Para falar sobre poder de nomear, e para começar a fazer a leitura de mundo antes da leitura da palavra, vamos chamar o Foucault”.

Depois de registrar que o filósofo francês está morto, ressaltou: “Mas segue vivo, deixou semente, viu? Assim como Marielle [Franco] está presente…”. A menção à vereadora carioca do PSOL, assassinada há cinco anos sem que até hoje a Polícia tenha identificado os mandantes do crime, foi recebida com aplausos. Rita, então, voltou a Foucault para citar Vigiar e Punir, obra da década de 1970, que discute disciplina, vigilância, poder e sociedade.

“Desde esse livro, Foucault está organizando uma reflexão que hoje é fundamental para discutir microagressão”, esclareceu Rita. “Qual é esse conceito? O do saber-poder. Poder-saber. Quando Foucault usa essas palavras, ele as usa com hífen, porque ele está cunhando um conceito filosófico. Quando Foucault está cunhando esse termo, poder-saber, saber-poder, ele está falando sobre algo interconstitutivo das nossas sociedades. De controle”. Quando falamos do saber-poder, ou do poder-saber, acrescentou, não falamos “de uma estrutura, de uma habilidade, de uma capacidade, mas de um funcionamento”. Ou seja, “sobre como operam as coisas na nossa sociedade”.

Rita leu a citação do filósofo francês, “essa gay careca que está aqui”, transcrita no telão ao lado de um retrato seu: “O poder-saber não é uma instituição, nem é uma estrutura, tampouco uma certa força com a qual somos dotados, mas os nomes que se atribuem a uma situação estratégica complexa, em uma determinada sociedade”. O poder, na visão de Foucault, são os estabelecimentos, as instituições, as escolas, os hospitais, as prisões. Que constituem, ou instituem, os sujeitos: o preso, o aluno, o padre.

“Essas instituições incitam, provocam, produzem formas de conhecimento: a educação, o tratamento, a punição, e essas formas de tratamento vão atualizar, modificar, redistribuir ou estabilizar as categorias de poder. Uma esfera de poder cria um discurso de poder”, explicou. “Poder é como essa sociedade vai funcionar: quem pode e quem não pode, quem deve e quem não deve, quem está permitido e quem está proibido. Uma esfera de poder, a religião, vai criar um discurso de poder: o pecado. O que é pecado? O que essa galera, atrás desse muro, decidir que é. ‘Ah, eu posso escolher?’. Não, meu anjo”.

Abordou então o papel da legislação. “O que é um crime? É um discurso. ‘Não, Rita, espera. O crime é aquilo que está contra a lei’. Mas quem criou a lei? Foi você que criou a lei? É um bando de gente branca, multimilionária, sentada atrás de um muro, que decide a lei. E a lei serve para quê?”, questionou. Deu como exemplo o caso de Thor Batista, filho do então bilionário Eike Batista, que em 2012, na estrada Rio-Petrópolis, “dirigindo um carro sem documento, acima do limite de velocidade e sob o efeito de entorpecentes”, atropelou e matou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos, “um homem preto, pobre e periférico”. Condenado em primeira instância, Thor recorreu e foi absolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2015.

“O filho do magnata carioca foi preso?”, questionou Rita retoricamente, para enfatizar: “O que é o crime? Um discurso de poder”. A partir dessa constatação, relativizou a própria questão central da aula. “Então o que eu preciso que você esteja de mão dada comigo é o seguinte: ‘Viemos falar de microagress…’ Ah, não viemos não. A gente veio falar de opressão, de estrutura de poder, de história, veio falar de quem tem o direito de se constituir como sujeito e quem nunca terá; [de] quem pode formar família e quem nunca será reconhecido como família; [de] quem pode mudar o próprio corpo e quem se mudar o próprio corpo vai ser assassinado. Ah! Seu útero pertence ao Estado, seu testículo não”.

Somente em 1990 a OMS deixou de considerar homossexualidade “doença”

Depois, passou à medicina. “O que é a doença? Um discurso de poder. ‘Não, resfriado, diarreia não é um discurso’. Pensa um segundinho com a dona Rita: 17 de maio de 1990, é ontem no relógio da história. Por que peguei essa data? Porque é a data na qual a Organização Mundial da Saúde (OMS) vai retirar da sua lista de doenças uma doença tenebrosa. Qual é o nome da doença? Homossexualismo, com o sufixo ismo de doença: raquitismo, nanismo, bruxismo, autismo… (Espera, autismo é doença? Não é um jeito de estar no mundo? Quem pôs esse sufixo na palavra?)”. Definir homossexualismo como doença, analisou, resulta na produção de um novo sujeito, “um sujeito doente”, bem como na internação, na medicalização, na terapia, na cura, na conversão.

Além das esferas da religião, da legislação e da medicina, há a esfera da cultura, que define o que é “abjeto”, separando o que tem valor e o que deve ser descartado. Separar o normal do anormal, do fora da lei, é uma forma de exercer o poder. “Cracolândia: essas pessoas são pessoas? Têm direito à vida, à saúde, a política pública, ou vão ser manejadas como dejetos e detritos? Mas estou colocando na tela a história dos LGBT, a história das pessoas pretas, a história das pessoas indígenas, a história das pessoas com deficiência, a história dos enjeitados, a história das mulheres”, disse Rita.

Para ilustrar como se dá tal operação na esfera da cultura, citou um quadro do antigo programa humorístico “Zorra Total”, da TV Globo. Neste quadro, de viés marcadamente homofóbico, o personagem “Maurição”, vivido pelo ator Jorge Doria, vive em permanente sobressalto com seu filho gay, “Alfredinho”, personificado pelo ator Lúcio Mauro Filho. O programa era exibido no sábado à noite, “na TV de maior alcance, de maior audiência”, impactando assim uma parcela expressiva da classe trabalhadora.

Em ocasiões festivas nos círculos de pessoas ricas e bem postas na vida dos quais fazia parte, o “homem branco cis hetero patriarcal de classe média alta” Maurição procurava convencer seus amigos de que Alfredinho fazia sucesso com as “menininhas”, até que o filho chegava, fazendo trejeitos e trajando vestes femininas (“echarpes, paetês, shantung”). “Ele chegava e envergonhava o pai. O que é a vergonha?”, perguntou Rita, e a plateia se encarregou de responder: “Um discurso de poder”.

O clímax do quadro (“o punch line, a hora da comédia”) se dava quando o pai olhava para a câmera e dizia: “Onde foi que eu errei?”. Assim, quem assistia à TV no horário nobre escutava, todo sábado, “que a minha orientação sexual significava que meus pais haviam falhado como cuidadores, como pais”, apontou Rita, frisando que a cultura tem o poder de designar o que é abjeto, condenável, e o que não é e merece ser valorizado.

“O Brasil é o quinto país do mundo em feminicídios”, prosseguiu. “Mulheres sendo assassinadas porque são mulheres. Na maior parte dos casos dentro de casa, por seu companheiro ou ex-companheiro. Qual é a principal causa de assassinato das mulheres trans? Feminicídio. O agressor não está preocupado se essa mulher é cis ou trans”.

Ao final, posando com representantes da Adusp

“Raça, gênero, classe, sexualidade, localidade geográfica são aspectos materiais

Neste ponto da aula, Rita abordou o materialismo histórico e as contribuições de Karl Marx. “Quando estou falando ‘discurso’, não é um amontoado de palavras. Quando estou falando ‘pedagogia da autonomia’, não é um jeito de ensinar e aprender. Tudo isso é material. Segundo o último censo do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], a maior fatia da população brasileira, alguma coisa entre 30% e 33%, está composta de mulheres pretas. Entra no Senado, entra no Congresso. Entra na Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto. Entra na Faculdade de Direito. E aí eu te pergunto, cadê? E aí você vai falar: ‘é porque Deus…’, ‘é porque as ideias’… Não, é porque teve 350 anos de escravidão nesse país, foi o último da América a abolir. Sem política de reparação histórica não muda, é ma-te-ri-al”.

Em seguida, ponderou: “Só que a gente veio discutir microagressão. Porque eu estou dando materialismo histórico e dialético? Porque quem pode ser agredido, quem é agredido, a ofensa [tudo isso] está construído em cima da história, em cima do processo material. Não existe heterofobia. Não existe brancofobia. Não existe ricofobia. Não existe cristãofobia. Por quê? Porque esse é o dominante. Materialmente ele está respaldado. Porque é ele que escreve a lei, porque é ele que organiza a medicina. Então essa questão é material e é histórica”.

Rita compartilhou três pontos “a partir do seu Carlinhos” (Marx), a saber:

1) “Sempre que se deparar com uma agressão, uma desvalorização, a gente vai pensar: o que transforma esse grupo em subalterno? Quais são as questões que fazem essas vidas valerem menos? Como elas viraram minoria? No Brasil, a maior parte da população é mulher e preta: é uma maioria minorizada”.

2) “Quais são os processos históricos que respondem essas questões? Historicamente o que aconteceu para isso dar assim?”

3) “Raça, gênero, classe, etnia, sexualidade, localidade geográfica são aspectos materiais. Eles constituem a materialidade dos nossos corpos. Eles vão prescrever quais vidas são matáveis e quais vidas são vivíveis. Quais famílias são formáveis e quais famílias são perseguíveis”.

Em síntese: “Existe um processo histórico e material que faz com que algumas vidas sejam vivíveis e outras vidas sejam matáveis. E toda vez que a periferia consegue se pronunciar, a sociedade avança. Toda vez que a gente consegue que mais um corpo seja incluído no rol da humanidade, a humanidade avança. Agora o debate é sobre as pessoas trans”, disse. “Então proíbe elas [sic] de usarem a linguagem delas, proíbe de modificarem seus corpos, proíbe de terem acesso à política pública, proíbe, proíbe, proíbe, porque elas não são seres humanos. Elas são pecados, doenças e crimes”. Voltando a citar a tardia decisão da OMS de suprimir o homossexualismo da relação oficial de doenças da entidade, informou que a transexualidade só foi retirada desse rol quase três décadas depois, em 2019. Até então, as pessoas trans eram consideradas doentes mentais.

Ao fazer referência à psicanálise, e a textos como Mal-estar na Civilização, de Freud, Rita destacou que “o social deixa marcas no sujeito”. Quando se faz a escuta dos sujeitos, está se escutando também a sociedade na qual eles vivem, a subjetividade de um povo num determinado tempo. “O que significa que o pobre do país esteja dando voz para o discurso de ‘bandido bom é bandido morto’? Quando isso acontece, o fascismo venceu. Quando o fascismo se enraiza no coração do povo, o povo se fascistiza, eles venceram. Quando a gente está reproduzindo o discurso que nos mata, reproduzindo o discurso que separa quais corpos vão viver e quais corpos não vão (‘você não é mulher!’, ‘você não é homem!’), o fascismo venceu”, deplorou. “Ainda que aquele indivíduo vá ser morto por aquele discurso, ele está defendendo aquele discurso. Esse é o poder da ideologia”.

Por outro lado, alertou, levando em conta que “o meio social nos constitui, ele é parte do quem nós somos”, ninguém está isento de influências negativas das ideologias reacionárias que discriminam a diversidade: “Lutar contra o racismo é matar o racista que vive em você. Lutar contra a LGBTfobia é matar o transfóbico que mora em você. Lutar contra o machismo é matar o machista que vive em você. Ninguém é uma alma iluminada para apontar a direção. A direção é apontada pela luta de uma classe organizada”.

O evento protagonizado por Rita, definido por ela não como espetáculo, mas sim como expressão de um projeto de educação emancipatória, foi organizado por Adusp, Sintusp e DCE-Livre, em parceria com o Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), o Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP e o Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes (Gracias), integrando o calendário da campanha 8M 2023 na USP – USP sem assédio! 8M para todas as mulheres.

EXPRESSO ADUSP


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