Previdência complementar não oferece garantia ao beneficiário

“A garantia que um regime de capitalização nos fornece é nula”. “O mecanismo do fundo de pensão é uma chantagem com a classe trabalhadora”. “O fundo de pensão é ruim quando vai mal, e é ruim quando vai bem”. As frases agudas, que seguem na contramão do senso comum, são do professor José Miguel Bendrao Saldanha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos expositores no debate sobre a Previdência e os fundos de pensão promovido pela Adusp em 21/11, no auditório Jacy Monteiro, do Instituto de Matemática e Estatística (IME).

Daniel Garcia
Professores Ciro e José Miguel no debate de 21/11

A exposição de José Miguel começou com um retrospecto da história recente da Previdência no Brasil, tendo como ponto de partida a Constituição Federal (CF) de 1988. Ele procurou desmistificar alguns lugares-comuns do debate. Por meio da exibição de um holerite hipotético, mostrou que o trabalho responde pelo custeio da máquina previdenciária, cedendo contribuições aos aposentados e ao Estado, além de garantir o lucro do patrão. “Quem sustenta tudo é o trabalhador ativo, o trabalhador coletivo (a classe), no sentido que empregava Marx. Ninguém sustenta a si próprio no futuro”, disse o professor da UFRJ.

O regime de repartição do Regime Geral da Previdência Social (RGPS, que reúne os trabalhadores do setor privado), que repousa no “pacto entre gerações”, foi mantido pela CF/1988. O pacto pressupõe que, no presente, os traba­lha­do­res da ativa sustentem, além das próprias famílias e crianças, as famílias dos trabalhadores aposentados; no futuro, quando se aposentarem, esses trabalhadores de hoje serão sustentados pelos futuros trabalhadores (as crianças de hoje).

A CF/1988 estipulava como condições para a aposentadoria por idade o mínimo de 65 anos (homens) e 60 anos (mulheres); por tempo de trabalho, 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres); e o valor do benefício era determinado pela média dos últimos 36 salários de contribuição.

A partir da Emenda 20, apresentada pelo governo FHC em 1998, o regime de repartição passou a sofrer mudanças conceituais. O tempo de trabalho foi substituído pelo “tempo de contribuição” mínimo de 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres), prejudicando boa parte dos trabalhadores, e o cálculo do benefício foi remetido para lei ordinária.

“Fator malévolo”

Abriu-se a porta para nova mudança em 1999, por meio da Lei 9.876: a introdução do fator previdenciário, que José Miguel chama de “fórmula malévola”, por consistir em um redutor de benefícios que se baseia na expectativa de sobrevida (ES) do segurado. O benefício passou a ser calculado pela média dos 80% melhores salários, multiplicada pelo fator previdenciário.

Assim, um trabalhador em vias de aposentadoria com idade de 60 anos, por exemplo, com tempo de contribuição de 35 anos, fazendo jus à média de R$ 2.000 (relativa aos 80% melhores salários), mas com ES de 21,4 anos, sofrerá a incidência de fator previdenciário de 0,867 e, portanto, seu benefício será de apenas R$ 1.734.

Quanto maior a ES, mais tempo se precisa trabalhar, caso se queira receber um benefício um pouco maior, o que leva o trabalhador ou trabalhadora a adiar sucessivas vezes a aposentadoria. “A expectativa ótima dele vai ser trabalhar até um ano antes de morrer”, ironizou o professor da UFRJ.

José Miguel rebateu o discurso, que classificou como neoliberal, de ataque à Previdência pública a pretexto da existência de “problemas” no regime de repartição, tais como o déficit crescente (atribuído à transição demográfica) e a suposta inexistência de um fundo de investimentos para o desenvolvimento do país, os quais justificariam, como “solução”, a adoção do regime de capitalização.

No seu entender, tais alegações não se sustentam. O regime de capitalização, cerne dos fundos de pensão, é persistentemente afetado pelo declínio das taxas de juros (e da taxa de lucro em geral). Por outro lado, o custo de uma eventual transição do regime de repartição para o regime de capitalização, no Brasil, seria da ordem de R$ 1 trilhão, o que a inviabilizaria. Desse modo, o sonho do capital financeiro de estender o regime de capitalização para toda a classe trabalhadora do país sofre de “total impossibilidade prática”.

Além disso, acrescenta, se é que os “problemas” apontados existem, o regime de repartição é melhor para enfrentá-los. O fundo de investimentos – que justificaria o regime de capitalização – já existe no de repartição, disponível para o governo usar no desenvolvimento nacional. “Será que o setor privado investe melhor?”, provocou.

Regime Próprio

Sobre o Regime Próprio do Servidor Público Federal (RPSPF), o professor da UFRJ explicou que não era “nem de repartição, nem de capitalização”, mas administrativo, porque financiado pela receita geral do governo. A reforma realizada no governo FHC impôs uma contribuição dos servidores sobre os seus próprios benefícios, rompendo-se assim o “contrato histórico” entre o Estado e o funcionalismo público.

A respeito dos fundos de pensão dos servidores, cuja criação foi estipulada pela reforma de 2003, realizada pelo governo Lula, José Miguel chamou a atenção para os riscos que trazem para os trabalhadores. A começar pelo valor dos benefícios, que é incerto, pois o modelo é o de “contribuição definida” e não de benefício definido (sabe-se quanto pagar, mas não quanto receber), razão pela qual é nula a garantia que oferecem.

Ele considera, além disso, que o funcionamento dos fundos de pensão apoia-se sobre uma chantagem, uma vez que — para que sejam rentáveis — é preciso que suas ações e aplicações financeiras sejam lucrativas, por meio de maior espoliação do conjunto da força de trabalho, o que representa a seu ver um processo de “canibalismo e autofagia”.

José Miguel pensa que um ponto tático importantíssimo, para os trabalhadores em geral, é lutar pelo aumento do teto dos benefícios do RGPS, que poderia ser, por exemplo, a atual remuneração máxima do funcionalismo público (em torno de 26 mil reais), sem descartar uma eventual unificação do RGPS e RPSPF.

O professor Ciro Correia, que coordenou o debate em nome do GT-Previdência da Adusp, chamou atenção para o fato de que as chamadas “contra-reformas da Previdência ainda estão em implementação”.

Ciro lembrou que, no caso do funcionalismo público paulista, a Lei estadual 14.653/2011, que criou a SPPrevCOM e está em vigor desde a sua publicação em 23/12/2011, submete todos os ingressos no serviço público no Estado, a contar daquela data, ao novo regime de capitalização, o que implica todos os problemas destacados pelo professor José Miguel. Deste modo, as normas de aposentadoria previstas pela Lei 10.887/2004, aplicáveis àqueles que ingressaram no serviço público a partir de 01/01/2004, se aplicam agora no Estado de São Paulo apenas para funcionários públicos cujo ingresso tenha se dado desde aquela data até 22/12/2011.

Destacou ainda que, para além de problemas de constitucionalidade, essa legislação paulista não respeita a paridade nos órgãos adminis­trativos do fundo de capitalização, nem as conquistas da legislação em vigor que prevê direi­tos diferenciados para as mulheres, além de não fazer previsão do direito à portabilidade das contribuições recolhidas em diferentes esferas da administração pública. Estas questões, já objeto de análise pela assessoria jurídica da Adusp, serão alvos de atenção da entidade a partir de agora.

 

Informativo nº 356

EXPRESSO ADUSP


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