A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) lançou em 8/1 edital para inscrição de projetos no programa “Família e Políticas Públicas no Brasil”, destinado a “possibilitar o estabelecimento de políticas públicas para a família, a partir de estudos científicos dos diversos contextos sociais do convívio familiar nos lares do País”. A novidade é que o programa é fruto de uma “parceria” com a Secretaria Nacional da Família (SNF), vinculada ao Ministério da Mulher,Família e Direitos Humanos (MMFDH), que financiará 56% dos recursos do programa.
 
“Serão investidos R$ 2.416.800,00 divididos entre as duas instituições: R$ 1.058.400,00 da Capes e R$ 1.358.400,00 da SNF”, explica a Capes. “Os valores cobrem R$ 300.000,00 em recursos de custeio e R$ 2.116.800,00 para até 50 bolsas de mestrado e pós-doutorado [sic]. As informações constam no edital publicado nesta sexta-feira, 8 de janeiro, no portal da Capes e no Diário Oficial da União (DOU)”.
 
De acordo com o presidente da Capes, Benedito Aguiar, a aludida parceria “possibilitará o estabelecimento de políticas públicas para a família, a partir de estudos científicos dos diversos contextos sociais do convívio familiar nos lares do País”. Porém, o programa suscitou críticas no meio acadêmico, dado o viés ultraconservador e religioso da pasta chefiada pela ministra Damares Alves.
 
Procurada pelo Informativo Adusp para comentar o programa da Capes, a professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP), opina que o edital deve ser interpretado como parte de uma ampla agenda da pasta de Damares, voltada ao fortalecimento de uma moral e de uma forma de existência alinhadas ao que ocorre no campo econômico.
 
“Por meio de outros ministérios, temos um avanço do que a pensadora Wendy Brown nomeia de racionalidade neoliberal. Tal racionalidade é marcada, entre outras coisas, pela redução drástica dos direitos sociais e das políticas de proteção a grupos vulneráveis, pelo fim de políticas de distribuição de renda como políticas econômicas e pelo aumento do domínio do capital financeiro nas dinâmicas da economia e da própria vida cotidiana. Nesse cenário, fortalecer a ideia e o papel das famílias na provisão de cuidados e como responsáveis pela formação moral das pessoas é fundamental”, analisa a docente.
 
“Mesmo que o edital da Capes mencione ‘famílias’, no plural, a leitura da descrição das áreas temáticas contempladas nos informa a ênfase do Ministério na legitimação de um modelo de família e da sua responsabilização quanto ao bem estar individual e da própria sociedade”, continua ela. “No item 4.5, por exemplo, uma das sugestões de pesquisas que podem ser contempladas pelo edital é a avaliação sobre a relação entre práticas de automutilação e suicídio e aspectos relacionados ao perfil familiar das pessoas, ou ocorrência de violência intrafamiliar. O edital, mesmo falando em família e, em alguns dos eixos de pesquisa indicados, em violência intrafamiliar, recusa o uso de termos como ‘violência doméstica’ e ‘relações de gênero’, que são conceitos centrais em uma das legislações mais importantes do país, que trata do enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres”.
 
Ela destaca, ainda, uma omissão reveladora no documento da Capes: “Aliás, os termos ‘mulher’ e ‘mulheres’ também não aparecem em nenhum momento do edital, a não ser no próprio nome do Ministério. Isso não é à toa. São várias as ações que a ministra Damares tem realizado até este momento para enfraquecer as políticas públicas voltadas à promoção da igualdade de gênero e dos direitos das mulheres”.

Pesquisas deverão contemplar seis áreas temáticas

O edital contempla seis áreas temáticas: “Políticas Familiares”, “Dinâmica Demográfica e Família”, “Equilíbrio Trabalho-Família”, “Tecnologia e Relações Familiares”, “Saúde Mental nas Relações Familiares” e “Projeção Econômica das Famílias”. As inscrições iniciam-se no dia 15/1, com encerramento previsto para 15/3/2021.
 
“Para os propósitos deste Edital devem ser consideradas as ‘políticas familiares’ em sendo estrito, ou seja: políticas públicas desenhadas e executadas com o objevo de sustentar as relações e os vínculos familiares, fortalecendo as famílias e tornando-as mais capazes de agir com autonomia e responsabilidade diante das próprias circunstâncias de vida”, diz o edital sobre o primeiro item. “Nesse sendo, em suas especificidades, as políticas familiares em sentido estrito distinguem-se de outras políticas públicas que elegem a família como parceira e/ou público-alvo de seus projetos, como políticas educacionais, de saúde, de combate à pobreza ou de erradicação de violência, entre outras”.
 
Sobre o recorte geográfico, prossegue, “exige-se que sejam observadas as três esferas de governo no Brasil (União, estados e municípios), realizando um levantamento nacional das unidades da federação que têm políticas familiares e analisando uma amostra de estados e municípios em pelo menos três macrorregiões. Os projetos devem envolver, obrigatoriamente, o eixo I e pelo menos mais um dos outros dois eixos dispostos a seguir: I. Análise de planejamento e de gestão das políticas familiares no Brasil; II. Análise da relação entre o investimento financeiro em políticas familiares e os resultados alcançados; III. Análise comparativa dos invesmentos e resultados das políticas familiares em outros países”.
 
Já a temática “Equilíbrio Trabalho-Família”, explica, “visa discutir as diferentes medidas para conciliar trabalho e família, bem como analisar a efetividade dessas”. Exige-se que os projetos tenham “abrangência nacional com amostra de 1 estado em pelo menos 3 macrorregiões brasileiras” e que envolvam “obrigatoriamente, o eixo I e pelo menos mais um dos outros três eixos dispostos a seguir: I. Análise de medidas para o equilíbrio trabalho-família implementadas como polícas públicas no Brasil; II. Análise comparava das medidas para o equilíbrio trabalho-família implementadas em outros países; III. Consequências da Covid-19 para o equilíbrio trabalho-família; IV. Propostas de programa experimental para o equilíbrio trabalho-família e uma metodologia para mensurar resultados”.
 
Quanto ao tema “Saúde Mental nas Relações Familiares”, envolve “identificar o perfil de famílias que possuem membros em sofrimento emocional relacionados à automutilação e ao suicídio”, bem como, adicionalmente, “analisar as possíveis inter-relações entre a ocorrência da automutilação e suicídio, como decorrência de violência intrafamiliar, abuso sexual, abandono, vínculos familiares frágeis, dentre outros, e avaliar os fatores de risco e de proteção dos membros no âmbito da família”.
 
“Projeção Econômica das Famílias”, por sua vez, destina-se a “identificar e analisar os diferentes tipos de benefícios econômicos direcionados às famílias”, tais como transferências de renda, incentivos tributários, pagamento de auxílios e apoios, benefícios ligados ao número de filhos, etc. “no âmbito internacional, bem como avaliar a viabilidade desses benefícios no Brasil”.
 

EXPRESSO ADUSP


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