Defesa da educação inclui luta contra cortes e precarização em todo o setor público
fotos: Daniel Garcia
Mais uma vez, bandeiras da Adusp estiveram presentes na luta Discurso obscurantista provoca indignação, afirmou a professora Michele Schultz
Jovens na linha de frente do protesto na Avenida Paulista Tarcísio de Luca, do DA das Licenciaturas do IFSP
Professor Rodrigo Ricupero, presidente da Adusp Jéferson Santos, diretor da UMES-São Paulo
Luiza Fumiko Higa, trabalhadora da educação aposentada Alice Dias, psicóloga
Professora Maria Carlotto, presidenta da ADUFABC Professor Fábio Venturini, presidente eleito da Adunifesp
Faixa irônica ao fundo revela que alunos do ensino técnico também rejeitam `Future-se` Outro aspecto do protesto estudantil diante do MASP

Participantes do grande ato público de #13A contra os “contingenciamentos” do MEC e contra a reforma da Previdência avaliam que projeto “Future-se” destina-se à privatização das universidades, compromete a continuidade do ensino superior público e cumpre a função política de dividir o movimento. O Informativo Adusp ouviu manifestantes e representantes das organizações docentes e estudantis que estiveram na Avenida Paulista

A psicóloga Alice Dias, 28 anos, compareceu à manifestação do Dia Nacional de Mobilização pela Educação e em defesa do direito à aposentadoria e das garantias sociais, nesta terça-feira (13/8) na avenida Paulista, transformando a própria barriga de grávida num cartaz: “Bolsonaro é nocivo à vida”, dizia a mensagem.

“Eu vim porque as medidas de Bolsonaro são realmente nocivas à vida, em todas as fases. Quando você pensa em todo o agrotóxico que entra nos nossos pratos, na retirada da obrigatoriedade da cadeirinha para as crianças nos carros, na retirada dos radares nas estradas etc., tudo isso afeta diretamente a infância e a adolescência”, disse ela ao Informativo Adusp.

Outra preocupação da psicóloga são os rumos da reforma da Previdência, “que anula o sonho da aposentadoria dos jovens de hoje”. Lutar por perspectivas menos preocupantes para o futuro de Aruã, seu primeiro filho ainda em gestação, era motivação mais do que suficente para Alice se somar ao ato.

Quem também estava nas proximidades do carro de som em que se revezavam os oradores da manifestação, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), era a aposentada Luiza Fumiko Higa, de 77 anos. “Temos que lutar contra o desmonte da educação e a retirada das verbas pelo governo. O povo tem que se unir e sair para a rua, porque só o povo na rua pode derrotar esse governo”, disse a aposentada, que por muitos anos trabalhou com educação infantil em creches e outras instituições. Ao seu lado, a neta, que preferiu não conversar com a reportagem, trazia uma bandeira lembrando a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada em março de 2018, crime ainda hoje não esclarecido.

De acordo com a União Nacional dos Estudantes (UNE), o #13A registrou manifestações em 205 cidades de todos os Estados e no Distrito Federal, concentrando cerca de 1,5 milhão de pessoas. Nova mobilização já está agendada para o dia 7/9, um sábado, coincidindo com as celebrações da Independência.

A Adusp participou da mobilização. Vários docentes levaram bandeiras da entidade, que também exibiu uma grande faixa com dizeres em defesa da ciência e da universidade pública e contra a reforma da Previdência

Estudantes de baixa renda serão os mais atingidos”

As instituições federais de ensino superior (IFES) sofrem com um bloqueio de cerca de R$ 7 bilhões no orçamento deste ano. Entre os cortes em outras esferas da educação, está o recente cancelamento da compra de livros para o ensino fundamental anunciado pelo Ministério da Educação (MEC), investimento que chegaria a R$ 348 milhões.

Os reflexos dos cortes são sentidos na rotina dos estudantes. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) está suspendendo bolsas próprias de pesquisa e extensão, e há problemas de manutenção em vários câmpus.

“A perspectiva que tivemos da direção, em assembleia no semestre passado, é de que provavelmente a gente fechará as portas em setembro se esses cortes não forem revogados”, afirmou o aluno Tarcísio de Luca, do Diretório Acadêmico das Licenciaturas do IFSP. “A Reitoria está fazendo o máximo para não mexer na assistência estudantil e para garantir que os alunos em situação de maior vulnerabilidade se mantenham estudando, o que está se mostrando inviável. Isso mostra a urgência que temos.”

Alunos das IFES de São Paulo articularam um bloco para a manifestação do #13A – além do IFSP, estavam presentes as representações da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal do ABC (UFABC). “A gente decidiu travar uma luta contra o projeto ‘Future-se’ e os cortes na educação. Nossa participação aqui em conjunto com as outras federais é reflexo da nossa mobilização”, considera Tarcísio. “O ‘Future-se’ é a destruição completa da educação pública e a sua entrega para os grandes grupos do capital privado na educação, como Fundação Lemann, Kroton e Laureate.”

Na visão do dirigente estudantil, os afetados serão os alunos pobres – “e no IFSP 70% dos estudantes são de baixa renda”, aponta. “Essa é uma tática do governo para nos fazer escolher entre o estudante pobre estar na universidade ou a gente ter uma universidade em funcionamento.”

A preocupação com o futuro da educação superior pública era também a ênfase dos secundaristas que participaram da manifestação. “Nossa principal bandeira é a defesa da educação pública e de qualidade. Estamos aqui hoje porque é necessário defender as universidades e institutos federais. Os estudantes têm um sonho de entrar nas universidades federais, que são as melhores do país, e esses cortes têm o objetivo de sucatear ainda mais a educação pública”, afirmou Jéferson Santos, da direção da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES).

Na avaliação de Jéferson, a intenção do governo é privatizar as universidades públicas para entregá-las aos grandes grupos privados, além de “retirar a responsabilidade do Estado de educar os nossos jovens e de desenvolver a ciência em nosso país”. “Por isso estamos aqui contra os cortes que o Bolsonaro e o seu ministro de nome impronunciável estão realizando na educação”, concluiu.

Função do ‘Future-se’ é dividir a comunidade universitária”

Somada aos problemas dos cortes no orçamento, por si só bastante graves, as universidades federais ainda se veem às voltas com a discussão sobre o “Future-se”, programa lançado pelo governo em julho, ao qual cada instituição deve deliberar se vai aderir ou não.

“Nossa avaliação é que o ‘Future-se’ na verdade é um projeto inacabado. Como ele está, é absolutamente inviável, porque muitas inconsistências jurídicas, e seria preciso mudar muitas leis para que entrasse em vigor”, disse ao Informativo Adusp a professora Maria Caramez Carlotto, presidenta da Associação dos Docentes da UFABC (ADUFABC). “A função imediata do ‘Future-se’ é dividir a comunidade universitária, que estava muito unida na luta contra os cortes e na defesa do orçamento para 2020. Essa suposta possibilidade de autonomia financeira, que na verdade é a substituição do orçamento público pelo privado, seduz algumas pessoas e gera confusão no debate e no movimento.”

Ao mesmo tempo, o projeto tenta gerar uma agenda positiva para o governo, considera a professora, que revela ter recebido no mesmo dia da manifestação um convite para um debate na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) sobre as universidades como “plataformas de negócio”.

A ideia de que o dinheiro privado pode sustentar as universidades é “completamente falaciosa”, afirma Maria Carlotto. Na própria UFABC, cujos cursos são majoritariamente voltados à área tecnológica, há muitos contratos com empresas, mas eles não cobrem mais do que 3% do orçamento da universidade.

De acordo com Fábio Venturini, presidente eleito da Associação dos Docentes da Unifesp (Adunifesp), cuja posse ocorre na próxima semana, o “Future-se” surge num momento em que fica claro que o objetivo não é apenas privatizar o ensino, mas colocá-lo numa lógica de mercado financeiro. “Se fosse a mera privatização, você teria cobrança de mensalidades, mas a universidade terá um fundo que vai alimentar a especulação financeira, e o lucro dessa especulação será revertido para a pesquisa. É muito pior do que uma mera privatização”, disse ao Informativo Adusp.

Não é só isso: o projeto também ataca a autonomia universitária e possibilita uma “apropriação pessoal” da universidade. “Você pode juntar alguns indivíduos ou professores que têm interlocução com o MEC e criar uma Organização Social (OS) para serem agraciados com uma parte desse fundo de R$ 100 bilhões do programa. É muito preocupante que os departamentos possam constituir empresas, o que abre a possibilidade de um departamento ser influenciado por milícias ou pelo crime organizado”, considera.

“Estamos debatendo essa proposta, que é ruim, enquanto o governo consolida no projeto da lei orçamentária do ano que vem um orçamento já com cortes. Ou seja, o que neste ano é ‘contingenciamento’ no ano que vem é o orçamento de fato, com redução para 70%. A gente imagina que a próxima etapa é querer cortar salário, dizendo que os salários estão ‘comendo’ toda a verba da educação”, avalia Venturini.

O caminho traçado pelo “Future-se”, na visão do docente, é claro: promover em algum momento a cobrança de mensalidades e a oligarquização do ensino superior, deixando a formação superior do pobre como uma reserva de mercado das universidades que já são do mercado financeiro e oferecem cursos mais baratos.

Na Unifesp, os cortes de verba se refletem nos câmpus ainda em fase de implantação e com obras em andamento na Zona Leste, Osasco e Diadema. “O câmpus da Zona Leste é o que tem a situação mais precária, porque ele tem 15 professores concursados e seis cursos autorizados, mas não tem laboratório. Então a gente está numa luta para conseguir abrir o curso de Geografia, que é o que tem menos demanda laboratorial, mas não temos a expectativa de abrir os cursos de Engenharia de Transportes, Arquitetura e Engenharia Civil, que têm uma demanda maior por laboratórios”, relata.

Com a EC 95, não há como sustentar nenhum serviço público de qualidade”

Para além dos desafios da conjuntura, há outros elementos estruturais que tornam o cenário ainda mais complexo. “Temos discutido pouco a Emenda Constitucional (EC) 95, a PEC do teto. O ‘Future-se’ na verdade é a única possibilidade, apesar de meio irrealizável, de financiamento num contexto em que a EC 95 esteja vigente, porque ela comprometeu completamente o orçamento. Com a EC 95, não há como sustentar nenhum serviço público de qualidade, não apenas o ensino superior”, diz Maria Carlotto, da ADUFABC. “Temos que unificar a luta contra a EC 95, e além disso reunir de novo forças para recompor o orçamento, porque há universidades que em setembro não terão mais dinheiro para pagar a conta de luz.”

Na avaliação da professora, o país está vivendo uma situação muito nova, “com um governo de orientação de extrema-direita que está testando os contrapesos institucionais”. Os movimentos sociais, considera, ainda estão aprendendo a lidar com essa situação e entendendo o novo contexto político. “O governo não tem maioria na sociedade para fazer muitas das coisas que quer fazer, e a nossa tarefa é reagrupar esses setores em defesa de um projeto de país diferente do dele e caminhar para impor uma derrota política ao governo”, defende.

No entender de Fabio Venturini, da Adunifesp, “os ataques em curso desde o golpe de 2016 configuram um programa de privatização total, que vem sendo dirigido não só à educação, mas também em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS)”.

“Os ataques à educação acabam aparecendo mais porque têm o elemento da perseguição. A conjuntura é muito pesada para cima da educação porque não se trata apenas de interesse econômico, mas é algo politicamente estratégico para dar continuidade a esse regime de neoliberalismo selvagem que vem sendo implantado. Todo esse conjunto vem para evitar visões de mundo que minimamente esclareçam as pessoas”, conclui.

“Podemos pensar em outras formas, ações semanais menores”

“O ato foi bom, menor do que os outros atos, é difícil explicar isso mas acho que tem várias razões. Talvez porque os primeiros atos em maio e junho eram mais espontâneos. Mas também tem uma coisa a ver com as pessoas de ‘ressaca’ do governo Bolsonaro, com medo de falar, de protestar. O espírito do ato foi muito bom, teve uma boa participação de professores da USP, da Adusp, gostei disso”, declarou ao Informativo Adusp o professor Sean Purdy (FFLCH).

“Parece-me que podemos pensar em outras formas, além dessas manifestações periódicas grandes”, avalia o docente. “Isso inclui ações nos locais de trabalho, ações regulares menores, semanalmente, intervenções de grupos envolvidos na Avenida Paulista, no domingo por exemplo, ou nos bairros. Ou no metrô Butantã para o pessoal da USP etc. Para construir esses atos grandes, mas também para conseguir mais gente por meio desses atos pequenos”.

Purdy opina que é preciso levar “muito a sério” os ataques que a educação vem sofrendo por parte do governo Bolsonaro. “A situação da educação é grave: cada vez mais ataques, ‘Future-se’, censura, censura na Capes, pressões para que professores não falem abertamente em sala de aula. O ministro da Educação é totalmente incompetente, não deveria estar nessa posição”.

O professor da FFLCH inclui na ofensiva antidemocrática do governo a reforma da Previdência e a chamada “minirreforma trabalhista”. “Então o jeito é resistir. Estou confiante, mas temos que pensar no que fazer. No final das contas, a questão das ações nos locais de trabalho: greves, a única coisa que tem potencial de mudar a situação. E não só no setor da educação, mas no geral”.

A professora Michele Schultz, vice-presidente da Adusp, também destacou a participação dos docentes de diferentes áreas de atuação: “Apesar da garoa gelada, professores e professoras de várias unidades da USP estiveram na Avenida Paulista. Unidades como FFLCH, EACH, Faculdade de Medicina, Instituto de Física, IME, Saúde Pública, Instituto de Psicologia entre outras”.

A seu ver, os docentes manifestaram indignação com o processo de privatização das universidades públicas, “mas principalmente indignação com o discurso obscurantista e negacionista do Bolsonaro e de seus asseclas, que coloca o conhecimento científico em dúvida e tenta desqualificar as instituições de ensino e pesquisa”.

“Os professores se mostraram bastante indignados com esse discurso, e ao mesmo tempo motivados com a energia dos estudantes, que gritavam palavras de ordem a favor da universidade, a favor do conhecimento, contra [o ministro Abraham] Weitraub e os cortes no financiamento da educação, e contra a reforma da Previdência”.

 

EXPRESSO ADUSP


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