Congresso dos EUA investiga McKinsey, do projeto “USP do Futuro”, por conflito de interesses

“Congresso investiga McKinsey por ‘sério conflito de interesses’ na crise dos opioides”. Reportagem do site especializado Fierce Pharma de 15/4/2022 revela um novo escândalo a envolver a notória empresa transnacional de consultoria McKinsey&Company, sediada nos EUA, com escritórios no Brasil e em mais uma centena de países.
 
Como o Informativo Adusp noticiou em fevereiro de 2021, a McKinsey precisou desembolsar US$ 573 milhões para se livrar de processos judiciais por sua participação nas vendas massivas do opioide OxyContin, produzido pela empresa farmacêutica Purdue Pharma. Esse analgésico causa dependência e, segundo o jornal The New York Times, ele e outros opioides causaram a morte de mais de 450 mil pessoas naquele país.
 
Conforme a investigação do Congresso norte-americano, pelo menos vinte e dois funcionários que prestavam consultoria para a Purdue (e outras fabricantes de opioides) trabalhavam, concomitantemente, para a Food and Drug Administration (FDA), agência governamental encarregada de regular o uso de opioides. Relatório do Comitê de Supervisão e Reforma da Câmara dos Representantes constatou que a Purdue “encarregou a McKinsey de fornecer orientação sobre como influenciar as decisões tomadas pela FDA, que também usou os serviços da McKinsey”.
 
Ainda segundo Fierce Pharma, a investigação descobriu 37 contratos da FDA nos quais havia pelo menos um consultor da McKinsey que trabalhava simultaneamente para a Purdue (ou havia trabalhado para ela). “Ao mesmo tempo em que a FDA estava contando com os conselhos da McKinsey para garantir a segurança dos medicamentos e proteger as vidas americanas, esta empresa também estava sendo paga pelas próprias empresas que alimentavam a epidemia mortal de opióides para ajudá-las a evitar uma regulamentação mais rígida dessas drogas perigosas”, escreveu Carolyn Maloney, presidente do Comitê de Supervisão e Reforma da Câmara.
 
A McKinsey, nunca é demais recordar, foi contratada pela gestão M.A. Zago-V. Agopyan, em absoluto sigilo, para elaborar o projeto “USP do Futuro”, conduzido à revelia até mesmo do Conselho Universitário. A Adusp recebeu e divulgou, em setembro de 2016, uma denúncia anônima que obrigou a Reitoria a assumir publicamente a existência do projeto, orquestrado com o governo de Geraldo Alckmin (então no PSDB), com a participação da “organização social” Comunitas.
 
A partir deste momento, descobriu-se que o “futuro da USP” estava sendo confiado, literalmente, à mais notória das empresas transnacionais de consultoria. Aos poucos descobriu-se que as tratativas da Reitoria com a McKinsey remontavam a 2015 e, por fim, que a empresa receberia R$ 5 milhões por seus serviços. A remuneração ficaria a cargo de um grupo de grandes empresários, supostamente ex-alunos da universidade.
 
Surpreendida pela denúncia, a gestão Zago-Vahan caiu diversas vezes em contradição ao tratar do caso. A documentação que servia de base ao projeto — instrumentos contratuais que envolviam uma triangulação USP-Comunitas-McKinsey, de tal modo que cabia à Comunitas receber dos empresários as doações combinadas e assim pagar os serviços da McKinsey, sem ônus aparente para a universidade — continha aberrações, tais como citar a inexistente pessoa jurídica “Amigos da USP”, que supostamente congregaria os endinheirados doadores.
 
Os vexames da Reitoria continuariam na gestão V. Agopyan-A.C. Hernandes, que, como sua antecessora, negou-se a exibir a documentação completa do projeto “USP do Futuro”. Assim, em junho de 2018, o Tribunal de Justiça (TJ-SP) autorizou uma inédita ação de busca e apreensão de papeis na Reitoria, como decorrência de um processo judicial movido pela Adusp. Quando finalmente foram exibidos alguns documentos, como um relatório parcial (apresentado como final), constatou-se que eles tinham sido elaborados após a decisão judicial que determinava a sua apresentação!

Coordenadora do projeto, Patricia Ellen, tornou-se secretária estadual de Desenvolvimento

Patricia Ellen

 

Embora Agopyan tenha tergiversado a respeito, minimizando o impacto real do projeto nos rumos da USP, é impossível negar que diversas decisões tomadas nas duas últimas gestões convergem com as recomendações da McKinsey. Por outro lado, não se pode desconhecer a enorme coincidência de que os dois coordenadores do projeto — Patricia Ellen, então diretora da McKinsey, e o professor Américo Ceiki Sakamoto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) — foram guindados pelo governador eleito João Doria (PSDB) aos dois principais cargos da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Econômico (SDE).
 
Assim, Patricia tornou-se secretária de Desenvolvimento Econômico, pasta à qual se vinculam formalmente não apenas as três universidades públicas estaduais, mas também a Universidade Virtual (Univesp), a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), o Centro Paula Souza, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e duas faculdades públicas de medicina, a de Marília (Famema) e São José do Rio Preto (Famerp). Sakamoto, por sua vez, assumiu o posto de secretário-executivo da pasta, e um terceiro envolvido no projeto, Thiago Liporaci, chefe de gabinete da Reitoria da gestão Zago-Agopyan, assumiu a chefia de gabinete da SDE.
 
Patricia teria atuado por 18 anos na McKinsey. Antes de se tornar secretária de Doria, colaborou com o governo de Michel Temer (MDB) no projeto “Internet das Coisas”, cujo desenvolvimento foi contratado à McKinsey pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e na área da saúde. No governo estadual, assumiu tarefas no combate à epidemia.
 
Perfil publicado pela Univesp, órgão que lhe era subordinado, descreve apologeticamente o papel que ela desempenhou: “Em 2020, tornou-se peça fundamental no combate à pandemia e integra a equipe do Centro de Contingenciamento de Combate ao Coronavírus no Estado de São Paulo”.
 
Patricia e Sakamoto deixaram o governo junto com Doria, no início de abril. quando ele se desincompatibilizou para concorrer à Presidência da República pelo PSDB. Em 5/4, a Folha de S. Paulo publicou entrevista intitulada “Mulher não participa de decisão tomada no clube do charuto”, em que a ex-secretária, hoje com 43 anos, critica atitudes patriarcais que diz ter presenciado no governo. De acordo com a publicação, Patricia “decidiu empreender na chamada economia verde”, com a ideia de “atuar em regeneração de florestas, gestão em concessões de parques naturais e em distritos verdes”.
 
Não deixa de ser surpreendente que a ex-secretária de um governo que extinguiu o Instituto Florestal, centenária instituição pública de pesquisa; que foi judicialmente acionado por desestruturar o Sistema Estadual de Florestas (Sieflor); e que vem promovendo a concessão de importantes parques públicos estaduais — inclusive o Petar, no Vale do Ribeira, e o da Água Branca, na capital — à iniciativa privada, manifeste o desejo de empreender no setor florestal e na “gestão em concessões de parques naturais”.
 
Por sinal, um dos feitos de Patricia Ellen à frente da SDE foi acelerar o processo de privatização do IPT, por meio do programa denominado “IPT Open Experience”, que vem loteando para interesses privados o espaço, os equipamentos e a força de trabalho daquele instituto público estadual. O projeto está relacionado aos planos de Doria e Patricia de criar um sucedâneo local para o “Vale do Silício” californiano, por meio de incentivos a empresas da área tecnológica.
 
O ápice desse processo de privatização foi o contrato firmado com a faculdade privada Inteli-IBTCC, ligada ao banco BTG Pactual. Embora não seja empresa do setor de ciência e tecnologia, a Inteli foi incluída no “IPT Open Experience” em condições contratuais muito favoráveis, como revelou o Informativo Adusp. Patricia foi uma das principais protagonistas da adesão da Inteli: ao saber que a faculdade procurava um local para sediar suas atividades, ofereceu a um dos donos do BTG Pactual nada menos do que o câmpus do IPT.
 
Como “chefe” do IPT, a então secretária de Desenvolvimento Econômico respondeu por outros momentos nada edificantes da vida do instituto. Em 25/2, reunida com toda a diretoria do IPT, a começar pela recém nomeada presidenta, professora Liedi Légi Bariani Bernucci (ex-diretora da Escola Politécnica), Patricia promoveu uma sessão coletiva de dança ao som de “Partition”, de Beyoncé. Não satisfeita, publicou vídeo no Instagram, talvez para que não se perdesse o registro do admirável evento, per omnia secula seculorum: “E quem disse que a gente não ia entrar na dancinha?”, escreveu.
 

EXPRESSO ADUSP


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