Campanha Salarial 2014
Conquistas importantes, embates ainda a travar
Foto: Anderson Barbosa
Após quatro meses de greve acumulamos conquistas políticas, organizativas, salariais e de defesa da Universidade Pública. Porém, Reitoria manterá seu projeto neocolonial
A greve de docentes e funcionários técnico-administrativos das universidades estaduais conquistou a reversão da intransigência, da indisposição ao diálogo e da perspectiva de desconstrução do Cruesp e dos sindicatos do Fórum das Seis, encabeçadas, principalmente, pela atual Reitoria da USP. Em todo este processo, ficou clara a iniciativa de M.A. Zago e V. Agopyan de procurar deslegitimar os sindicatos de docentes e funcionários como interlocutores e negociadores de políticas para a universidade, em particular as de caráter salarial. Tal ataque era importante para aplainar o terreno e tentar instalar um projeto de universidade operacional, produtivista e neocolonial.
O primeiro passo seria o arrocho de salários, acompanhado de perto pela investida contra o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), pela desqualificação do corpo docente, pela privatização dos Hospitais Universitários — desconstruindo, assim, a USP como universidade na qual florescessem ensino, pesquisa e extensão críticos e de excelência.
Nossa disposição de luta, juntamente com a racionalidade de nossos dados, argumentos e propostas, derrotou o intento inicial da Reitoria, construindo justamente o contrário do que pretendiam: a legitimidade da Adusp como instrumento de organização e defesa dos docentes na busca de melhores condições de vida e trabalho acadêmico e de uma universidade pública, gratuita e republicana, que possa contribuir para a reversão das condições indignas de vida e trabalho a que tem sido submetida a maioria da população brasileira.
Durante todo o processo, ficou evidente o projeto de cunho neocolonial, originário do Banco Mundial e consolidado no Protocolo de Bolonha, que M.A. Zago e V. Agopyan pretendiam implantar na USP. Ficou clara a perspectiva privatizante, materializada seja na proposta de desvinculação dos hospitais universitários — o HU em São Paulo e o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC, “Centrinho”) em Bauru — seja na introdução de um perverso Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), que pode comprometer seriamente o trabalho acadêmico na instituição. Ao mesmo tempo, exigiam dos diretores de unidade o corte de ponto dos funcionários, para realizar um confisco salarial sem precedentes na história da USP. Em franco ataque e desrespeito à autonomia da universidade, a Reitoria judicializou a greve dos funcionários técnico-administrativos, denunciando-a no Tribunal Regional do Trabalho (TRT-2).
Avanços no Cruesp
Entre nossos eixos de luta, dois eram centrais desde o início do movimento: por um lado, não aceitaríamos arrocho salarial; por outro lado, considerávamos fundamental lutar pelo aumento do financiamento destinado às universidades estaduais paulistas e sua perenidade, em contrapartida ao esforço de expansão realizado por USP, Unesp e Unicamp. Levamos estas propostas e perspectivas, embasadas em dados e análises econômicas e acadêmicas, à opinião pública, bem como à Assembleia Legislativa (Alesp) — e, durante Ato Público realizado diante do Palácio dos Bandeirantes em 14/8, protocolamos em reunião com representantes do governo estadual a pauta de reivindicações do Fórum das Seis por mais verbas para as universidades estaduais paulistas. Conquistamos amplo apoio ao movimento e às suas reivindicações por meio da realização do ato “SOS USP: em defesa da universidade pública”, realizado em 2/9. É bom lembrar que nossa reivindicação salarial era um reajuste de 7,05%, índice Dieese entre maio de 2013 e abril de 2014; acrescido de 3% de compensação por perdas passadas.
Assistimos, mais uma vez, a demonstrações de intransigência total de M. A. Zago e A. Vahan, por intermédio de sucessivas propostas de 0% de reajuste, ao mesmo tempo em que declaravam à imprensa que a USP não precisa de mais recursos. Uma atitude que comprometia seriamente o funcionamento do Cruesp, inviabilizando qualquer forma de negociação salarial unificada, portanto isonômica, das universidades estaduais.
Esta diretriz de ação política da Reitoria da USP começou a ser derrotada pela força do movimento na reunião de 2/9 do Conselho Universitário (Co), que se viu impelida a aprovar uma proposta a ser encaminhada ao Cruesp, elaborada pela Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) por iniciativa do próprio reitor, de reajuste em duas parcelas: 2,6% em outubro/14 (a ser paga em novembro) e 2,534% em janeiro/15 (a ser paga em fevereiro), perfazendo um acumulado de 5,2%, índice FIPE entre maio de 2013 e abril de 2014.
No dia seguinte, na primeira reunião entre Fórum das Seis e Cruesp em que houve alguma negociação efetiva neste ano, os sindicatos conquistaram um pequeno mas significativo avanço: pressionados, os reitores concordaram que as parcelas de reajuste — agora convertidas em duas de 2,57% — fossem pagas respectivamente em setembro/14 e dezembro/14, de forma que os 5,2% incidissem sobre o 13º salário.
Enquanto isto, a judicialização da greve dos técnico-administrativos trazia mais derrotas para a Reitoria da USP: o TRT-2 decidiu pela restituição imediata dos salários confiscados; proibiu o novo confisco que seria realizado em 5/9; e reconheceu a obrigação da universidade de respeitar a data-base (1º/5), sugerindo, como conciliação, o pagamento de 28,6% de abono, equivalente a fazer retroagir a maio/14 o reajuste de 5,2%. O Fórum das Seis incorporou a reivindicação dos 28,6% de abono, abrindo mão de sua reivindicação original. Mais uma vez, a força do movimento reconstruiu a unificação da negociação salarial das três universidades: 28,6% de abono, além dos 2,57% em setembro e dezembro de 2014.
Tão importante quanto a conquista salarial foi o reconhecimento por parte do Cruesp —_embora sempre acompanhado pela desqualificação, velada ou não, da parte do reitor da USP — de que o Fórum das Seis tinha razão no que reclamava há anos: aumentar a alíquota de repasse de verbas para as universidades; fazer cessar o desconto do montante da Habitação e mudar a base de cálculo deste repasse, de modo a incluir entre outras alíneas as parcelas da quota-parte do Estado relativas a multas e juros de mora do ICMS e da dívida ativa deste imposto. A tabela 1 indica as semelhanças e diferenças entre a proposta do Fórum das Seis apresentada ao governador e à Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento da Alesp (que continuaremos a defender) e a do Cruesp, protocolada por meio do seu ofício 24/2014 na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.
Merece também registro a mudança de alíquotas do ICMS-QPE presentes na proposta do Cruesp, descritas na tabela 2.
Não devemos subestimar a importância desta mudança de postura do Cruesp, ganho político do movimento. Para termos uma ideia, a sangria devida ao desconto da Habitação e ao fato de que a base de cálculo das universidades não é o total do produto do ICMS-QPE chega a R$ 1,887 bilhão apenas até agosto/14! Se incluirmos os cerca de R$ 3 bilhões do programa Nota Fiscal Paulista distribuídos em 2014, chegamos à incrível cifra de R$ 4,887 bilhões até agosto/14!
Ganhos organizativos
A reconstituição do Cruesp como locus de negociações entre as entidades do Fórum das Seis e as administrações das universidades estaduais foi mais uma conquista política da greve. Em consequência, ficou acertado com o Cruesp que o debate e a negociação da próxima data-base terá início em abril/15. Além disso, serão constituídos dois Grupos de Trabalho (GT) compostos por membros indicados pelo Cruesp e pelo Fórum das Seis “para construção de documento conjunto com definição de conceitos, diretrizes e princípios em dois relevantes temas: (1a) Isonomia entre as três Universidades e (1b) Assistência e permanência estudantil” (Comunicado Cruesp 03/2014).
A construção do movimento conjunto de docentes e funcionários técnico-administrativos estabeleceu relações de cooperação e debate que propiciaram uma interação produtiva, preservando a autonomia dos sindicatos e o respeito a diferenças e divergências, tanto de pontos de vista, quanto de métodos de luta.
Tabela 1 – Comparação das propostas de ampliação do financiamento das universidades públicas estaduais (Fórum das Seis e Cruesp)
Tabela 2 – Novas alíquotas de repasse do ICMS-QPE por universidade, reivindicadas pelo Cruesp
Na Adusp, a constituição e o trabalho dedicado e entusiasmado da Comissão de Mobilização (CM) merecem destaque especial. Além de tornar-se um espaço de debate político de qualidade, de convergência e síntese de posições e propostas, potencializou a construção de inúmeras atividades de discussão e debate, a produção de frequentes edições do Boletim da Greve, a inserção de matérias analíticas sobre o movimento e seus rumos no site da Adusp, assim como o surgimento de blogues de divulgação e defesa do movimento. A CM teve um papel fundamental no sucesso do ato “SOS USP: em defesa da universidade pública”, seja no empenho em projetar e construir este evento, seja na sua consecução efetiva.
Muitos colegas, em diversas unidades, trabalharam na disseminação de ideias e propostas, envolveram-se com a análise criteriosa das informações divulgadas pela Adusp, construindo um ambiente de realimentação positiva e colaboração que fulminou o raquitismo intelectual ao qual querem nos submeter. Isso ajudou-nos a perceber que não é mero sonho o projeto de universidade pública, gratuita, laica, democrática e socialmente referenciada, na qual frutifica o debate intelectual crítico, interdisciplinar e criativo, bem como o encontro de experiências e vivências políticas, culturais e afetivas: é possível de construir, na prática. Esta experiência marcante enche de energia quem dela participou, para dar continuidade às lutas renhidas que teremos de travar…
Embates à frente! É imperioso atentar para o fato de que as diretrizes da Reitoria permanecerão. Que surpresas desagradáveis nos aguardam quando sair o relatório do GT Atividade Docente? (Registre-se, a propósito: embora reiteradamente convidado, até agora esse GT não se apresentou para debater suas propostas com a Adusp.) Qual passará a ser a posição da CERT? Voltaremos à situação de vinte anos atrás, quando M. A. Zago foi membro (nomeado em 1994) e depois presidente da CERT (1997-1998), época na qual os regimes de trabalho eram rebaixados por avaliações produtivistas?
No caso dos hospitais, ainda que o governo do Estado tenha, no momento, desautorizado qualquer interesse seu tanto no HU como no HRAC, continua inalterada a perspectiva da Reitoria de destruição da contribuição essencial ao ensino, pesquisa e extensão realizada por essas instituições, substituindo-a pela apropriação privada de suas capacidades instaladas, seja por fundações ditas “de apoio”, seja por Organizações Sociais (OS) ou pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH, ligada ao governo federal).
Entretanto, nem tudo é “céu de brigadeiro” para a Reitoria da USP. Além do desgaste político intenso a que foi submetida pelo movimento, descobriu-se que a resolução sobre o HRAC tomada pelo Co em 26/8 é nula de direito: teria de conseguir dois terços dos votos para ser aprovada (77); e não metade mais um, como ocorreu (63). A Adusp tomará medidas administrativas solicitando a anulação da decisão. Além disso, está em discussão na Câmara Municipal de Bauru uma moção de protesto dos vereadores contra a decisão do Co, reivindicando a manutenção do HRAC como órgão complementar da USP.
Será necessário manter nossa presença e pressão na Alesp de forma a obter, na Lei Orçamentária Anual (LOA-2015), a ser discutida e votada após as eleições, a complementação de investimento, agora defendida tanto pelo Fórum das Seis quanto pelo Cruesp.
É nossa responsabilidade acabar, de vez, com a estrutura de “capitania hereditária” da USP, perpetuada por transições conservadoras, que sob a égide do novo garantem apenas a continuidade de um autoritarismo arcaico e desprovido de qualificação para coordenar uma universidade que seja merecedora deste nome.
A nossa experiência recente mostrou, mais uma vez, a necessidade de democratização profunda da estrutura de poder e das relações sociais na USP, que só poderá ser realizada por meio de uma Estatuinte exclusiva, democrática e soberana.
Informativo nº 390
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