Demissão de professor da Esalq por assédio repercute na imprensa e reforça importância da luta pelo fim da violência contra as mulheres na USP
Aguiar foi demitido por assédio moral e sexual (foto: Gerhard Waller/Esalq)

A demissão do professor Claudio Lima de Aguiar, docente da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), segue repercutindo intensamente em vários veículos da imprensa, que têm apresentado depoimentos de vítimas das reiteradas práticas de abuso sexual e moral perpetradas pelo docente.

O anúncio de que o reitor Vahan Agopyan demitiu Aguiar foi feito no dia 20/12 do ano passado pela Assessoria de Imprensa da Reitoria da USP. Até esta sexta-feira (7/1), a exoneração ainda não havia sido publicada no Diário Oficial do Estado.

Conforme noticiou o Informativo Adusp no dia 17/12, a Congregação da Esalq aprovou no final de novembro parecer de uma Comissão Processante, validado pela Procuradoria Geral da USP, recomendando a demissão.

O processo remonta a 2019, quando um grupo de pós-graduandas encaminhou denúncia ao presidente da Comissão de Pós-Graduação (CPG-Esalq), a partir da qual foi instaurada uma sindicância e posteriormente um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). As oito signatárias, todas ex-orientandas de Aguiar, depuseram contra ele na condição de vítimas. O professor era coordenador do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola, cargo do qual foi exonerado.

Sem se identificar, duas das vítimas relataram episódios de assédio ao Jornal da EPTV – 1ª Edição nesta terça-feira (4/1). A emissora é afiliada da Rede Globo na região de Campinas e Piracicaba.

“Eu fui mostrar os resultados que estava tendo no mestrado para esse professor. Foi num final de tarde, em março de 2016. Até que num momento ele falou assim: ‘parece que você está muito tensa, vamos relaxar’, e começou a querer fazer massagem nos meus ombros”, contou uma das vítimas à repórter Júnia Vasconcelos.

“Há um momento em que ele põe a mão por baixo da minha blusa e abre meu sutiã, e quando ele faz isso eu travo as mãos no corpo, a ponto de não querer que ele venha pra frente, e a única frase que eu consigo falar é: ‘para, professor’”, prossegue a ex-aluna.

A vítima disse à reportagem que não conseguia falar sobre o caso e que passou muito tempo sem dormir direito. “Eu mudei totalmente o meu relacionamento com o meu marido. Você perde a confiança totalmente em homens”, afirmou.

A ex-aluna chegou às lágrimas ao dizer que “a Esalq sempre foi um sonho, desde a graduação”. “Eu sempre idolatrei a escola, ela anda comigo no meu colar de formatura. Você ser parte disso, passar por isso dentro do lugar que você mais ama na vida, que você sonhou por anos, que você passou num vestibular muito difícil, pra acontecer isso? É muito triste”, concluiu.

Outra ex-orientanda de Aguiar contou à reportagem que chegou a pensar em desistir da pós. Procurou o então presidente da CPG-Esalq, professor Fernando Luis Cônsoli, que perguntou qual o motivo da desistência. “Aí eu contei o porquê e ele falou: ‘vamos resolver a situação. Eu vou te transferir de orientação, você continua na pós, segue sua vida aqui na Esalq e esse caso a gente resolve, a gente denuncia”, relatou. O professor incentivou-a a reunir outras alunas para fazer uma denúncia coletiva.

“Eu acho que [um caso como esse] tende a não se repetir mais. E, se tornar a se repetir, o coletivo feminista está aí para dar apoio e suporte. Um caso já foi resolvido e outro, se precisar, a gente vai resolver”, afirmou a aluna.

Aguiar foi procurado pela reportagem da EPTV, mas não se manifestou, comportamento que tem mantido em relação a todos os veículos que publicaram matérias a respeito do caso, inclusive o Informativo Adusp.

Caso será “um grande marco na luta das mulheres”, considera presidenta da Adusp

A EPTV citou trechos da nota enviada pela presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, sobre a demissão de Aguiar. A íntegra da declaração é a seguinte:

“Até onde conseguimos apurar, esse parece ser o primeiro caso de demissão de um docente da USP por assédio sexual. Nos outros casos, as denúncias de assédio sexual foram relativizadas nos processos administrativos, de forma que as demissões se configuraram como assédio moral. Certamente esse caso será um grande marco na luta das mulheres pelo fim da violência na USP.

Em 2016 foi criada a Rede Não Cala!, formada por professoras, por ocasião dos casos de estupro na Faculdade de Medicina e da CPI dos Trotes na Assembleia Legislativa. Ficou evidente que a cultura do estupro e a violência de gênero são uma realidade cruel e que a universidade tarda em tomar medidas eficazes contra assediadores e criminosos. Vale lembrar que, no caso da Medicina, a USP não expulsou o estudante acusado, que se formou e continua atuando como médico em outro Estado, já que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo se negou a lhe conceder o registro profissional.

É muito importante que as vítimas sejam acolhidas e recebam todo o atendimento necessário – jurídico, médico, psicológico – e que a universidade tenha de fato políticas de combate às violências. Temos de ter certeza de que trabalhamos e estudamos numa instituição livre de violências e preconceitos!

Não há mais espaço na sociedade para machismo, racismo, LGBTQIA+fobia, capacitismo, xenofobia ou etarismo! Já é passada a hora de uma mudança radical na forma com que nos relacionamos com as diferenças e diversidades!”

Reportagens publicadas por outros veículos, como a Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, também citam o sindicato e a cobertura produzida pelo Informativo Adusp sobre o caso. O Estadão, no entanto, diz equivocadamente que a exoneração já havia sido publicada no Diário Oficial.

Os veículos reproduzem a declaração do professor Paulo Moruzzi Marques, diretor regional da Adusp em Piracicaba, publicada pelo Informativo Adusp: “Trata-se de uma mudança de mentalidade, significando um sinal de superação de posturas machistas e permissivas em razão da hierarquia universitária. Por outro lado, a representação estudantil alcança uma vitória importante neste embate. Em particular, vale destacar o papel do Coletivo Feminista Raiz Fulô, que há alguns anos tem se mobilizado de forma intensa para combater a violência de gênero que ocorre no ambiente universitário. Portanto, é uma conquista obtida pela coragem das mulheres que levaram a denúncia adiante”.

EXPRESSO ADUSP


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