Há vários instrumentos interessantes que, se adotados de forma complementar, muito podem contribuir para a melhoria de um sistema educacional. Entretanto, no Brasil, sobretudo pelo modo como são implantados, muitos desses instrumentos tornam-se problemas ao invés de soluções.

Por exemplo, o ensino noturno pode ser uma opção razoável para satisfazer as necessidades específicas de algumas pessoas que precisam ou querem manter outras atividades simultaneamente ao desenvolvimento de seus estudos. Assim, não seria surpreendente encontrar um pequeno percentual de indivíduos freqüentando o ensino médio e ou superior nos períodos noturnos. Por certo, isso limitaria em parte suas possibilidades de desenvolvimento educacional, mas essa eventual perda poderia ser compensada com outros ganhos.

Contudo, muito do que poderíamos esperar apenas como exceção tem se tornado regra no país. Atualmente, mais da metade dos estudantes que concluem o ensino médio regular em instituições públicas, o fazem no período noturno. Essa distorção ocorre até mesmo no ensino fundamental: cerca de 15% dos concluintes desse nível escolar em instituições públicas frequentaram cursos noturnos. Também no nível superior mais de 60% das conclusões são no noturno. Ou seja, de possível solução, o ensino noturno torna-se um problema quantitativamente mais amplo.

Outro instrumento bastante interessante é a progressão continuada, se adotada de forma a criar as condições para respeitar os diversos ritmos de aprendizagem das diferentes pessoas. Assim, para não atrasar mais os estudos nem estigmatizar os estudantes que apresentem algum nivel de dificuldade, muitos países adotam sistemas de progressão continuada, onde estudantes nessas situações recebem maiores atenções, de forma a poder compensar eventuais deficiências e evoluir progressivamente no sistema escolar. Entretanto, aqui, progressão continuada virou sinônimo de aprovação automática. Como conseqüência, “queima-se” a proposta e enormes contingentes recebem diplomas de ensino fundamental e médio sem que os conhecimentos e habilidades correspondam, qualquer que seja o critério adotado, àqueles diplomas. Assim, nosso ensino fundamental produz pessoas analfabetas para qualquer fim prático, pois, muitas vezes, nem sequer estão aptas a ler e entender um pequeno texto ou dominar operações matemáticas simples.

Absurdos

O ensino à distância é outra solução possível para problemas específicos, em especial quando há, de fato, uma distância física impeditiva, como de pequenas populações isoladas, ou para pessoas com graves problemas de mobilidade, quer por razões biológicas, quer por razões sociais, como é o caso de prisioneiros, soldados engajados em regiões fronteiriças etc. Nessas circunstâncias, o ensino à distância poderia incluir pessoas que estejam excluídas do sistema escolar. O ensino à distância poderia, também, complementar formações básicas ou propiciar conhecimentos adicionais. Em quaisquer desses casos, o ensino à distância seria algo a se somar à formação presencial, cumprindo papel de maior relevância social.

Entretanto, a capacidade de certos governos de transformar possíveis soluções em problemas deu outra feição ao ensino à distância. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo acaba de homologar a Deliberação n° 77/2008 do Conselho Estadual de Educação, permitindo que, no ensino médio, quaisquer componentes curriculares sejam trabalhados na modalidade à distância, apenas definindo o limite máximo de 20% do total de horas destinadas ao curso. Ou seja, os 20% trabalhados por meio do ensino à distância não são adicionais à parte presencial, como seria sensato esperar.

Mas, se apenas isso já seria absurdo, em seguida vem o que é ainda pior: esses 20% à distância podem ser aplicados em cada um dos diferentes componentes curriculares. Por exemplo, um deles é “conhecimento do mundo físico e natural” (engloba Biologia, Física, Geociências e Química). Assim, é muito razoável supor que, dado o enorme déficit de professores nessas áreas, inevitavelmente, muitas pessoas concluirão o ensino médio sem uma única aula presencial de pelo menos alguma dessas importantes áreas de conhecimento.

Com truques como esse e, ademais, adotados amplamente em todas as esferas de governo, incham-se os nossos indicadores quantitativos na área da educação e a qualidade do ensino oferecido continua em declínio acentuado, comprometendo-se assim totalmente a formação humana e intelectual de nossos estudantes.

É dessa forma que se pretende desenvolver o país?

 

Matéria publicada no Informativo nº 270

EXPRESSO ADUSP


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