Estudantes da Faculdade de Medicina entram em greve e reivindicam, entre outros pontos, revisão da prova de residência e fim de curso pago no HC
Movimento é anunciado já na entrada do prédio da Medicina (foto: divulgação)

Estudantes da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) realizam desde o último dia 8/3 uma greve por tempo indeterminado. A decisão foi tomada em assembleia realizada no dia 7/3. De acordo com a Diretoria do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC), entidade dos(as) estudantes da FMUSP, há avanço nas conversas com a Diretoria da faculdade em relação aos pontos da pauta apresentada pelos(as) alunos(as). O CAOC reitera que “a greve seguirá até que as demandas sejam atendidas e seu fim votado em nova assembleia”.

Procurada pelo Informativo Adusp Online, a Diretoria da FMUSP afirmou, por meio de nota enviada pela Assessoria de Comunicação da unidade, que “tem mantido diálogo com as agendas estabelecidas com o objetivo de esclarecimentos, colaboração e melhorias com os alunos, sendo realizada hoje [quarta-feira, 13/3] mais uma reunião sobre a prova de residência” do Hospital das Clínicas (HCFMUSP). A revisão da prova é um dos itens da pauta de reivindicações dos(as) estudantes.

Em documento divulgado no dia 8/3, no qual elenca as quatro reivindicações da greve, o CAOC diz que o exame “sofreu mudanças com a retirada da prova prática e da entrevista, tornando 90% da nota final de cada candidato dependente única e exclusivamente da prova teórica de múltipla escolha (notadamente a fase com menor poder seletivo de habilidade médica)”.

Essas alterações “culminaram no favorecimento dos candidatos dedicados exclusivamente à formação teórica, negligenciando a real prática médica e todas as demais habilidades necessárias a um médico”, argumenta o CAOC.

Além disso, prossegue a entidade, “mais que uma problemática de eficiência de seleção, trata-se também de uma questão de inclusão social, já que alunos de menor capacidade financeira dificilmente poderão arcar com os custos de um curso pré-residência, que, com o modelo teórico atual, traz imensa vantagem, além de também penalizar [sic] o indivíduo com um bom e extenso internato, já que sua formação será focada na prática médica e terá pouquíssimo tempo hábil para estudar conteúdos teóricos para a prova de residência”.

“O CAOC tem como preocupação, muito além do desfavorecimento dos médicos da FMUSP, a negligência com os bons médicos, e a hipervalorização de fatores que não constituem o cerne da boa capacidade médica. Portanto, também é demanda dos estudantes a revisão do processo seletivo para residência, a partir de comissão especial a ser construída durante a greve”, afirma o documento da entidade estudantil.

divulgaçãodivulgação
Reivindicações estudantis explicitadas no interior da FMUSP

Programa leva à “competição entre acadêmicos da FMUSP e alunos externos”, diz CAOC

Outra reivindicação é o fim do Programa “Experiência HCFMUSP na Prática”, por meio do qual o Hospital das Clínicas da faculdade recebe alunos(as) de cursos de Medicina de outras instituições para uma “imersão” que permite acompanhar “a rotina da disciplina escolhida dentro do maior complexo hospitalar do país”. O programa tem taxa de inscrição de R$ 350 e custa R$ 8.450 por especialidade.

Na avaliação dos(as) estudantes da USP, o programa tem problemas práticos por levar “à competição entre acadêmicos da FMUSP e alunos externos por atividades e procedimentos”, além de representar “mercantilização e privatização do ensino e do espaço público”.

O CAOC afirma que “cobrar valores exorbitantes de pessoas abastadas para complementarem sua educação num espaço que é mantido por investimento estatal abre prerrogativas para uma cada vez maior privatização de faculdades e universidades públicas”.

“Se a gestão dos recursos públicos da faculdade se mantiver dentro destas diretrizes, à nossa frente está o que ocorreu com o ensino fundamental e médio no país: o sucateamento do ensino superior – que este programa já está causando em nosso internato”, continua o CAOC.

A entidade reivindica ainda que o fim do programa não comprometa as bolsas de permanência (Bolsa Afinal), “para que alunos em vulnerabilidade social não paguem o preço pelo descomprometimento com o ensino público de qualidade”.

O documento também registra estranheza diante do fato de que a Diretoria da FMUSP utilize um “um suposto balanço fiscal negativo da Fundação Faculdade de Medicina (FFM) como subterfúgio para a existência do programa”.

“Exigimos transparência orçamentária com relação a (I) o direcionamento da verba arrecadada com o programa até agora e (II) a verdadeira necessidade dele para a continuidade do pagamento de preceptores e políticas de permanência estudantil, considerando que a FFM, cuja declarada proposta é o suporte ao complexo HCFMUSP, alega ser uma organização sem fins lucrativos”, prossegue o CAOC. A FFM, dita “fundação de apoio” à faculdade e ao hospital, apresenta em seu próprio portal “lucros líquidos divulgados que circundam a casa das centenas de milhares de reais”, aponta o CAOC.

Em relação ao tema, a Diretoria da FMUSP respondeu que “o programa HC Experiência é um curso de atualização para graduandos registrado pela USP, cujo recurso é direcionado prioritariamente para graduação e permanência estudantil”.

Prazo para que restaurante saia do “porão” é prorrogado para 1o de julho

Um dos pontos da pauta estudantil foi atendido na reunião desta quarta-feira. Os(as) alunos(as) reivindicavam a extensão do prazo para a saída do restaurante que funciona no chamado “porão” da faculdade, que abriga também a sede do CAOC. Por meio de notificação extrajudicial enviada em 1o/3, a Diretoria da FMUSP determinou que o restaurante saísse do local em 60 dias. “O prazo é completamente irreal e a notificação de tom agressivo prontamente impede o diálogo”, argumenta o CAOC.

“Já estávamos cientes da situação irregular do estabelecimento desde o ano passado, mas a situação de urgência atual só nos foi passada no dia 22/2, e a notificação extrajudicial, assim como a ameaça da rescisão do Termo de Permissão de Uso do CAOC a respeito do porão caso o prazo não fosse respeitado, surpreendeu todo o corpo discente da faculdade. Assim, entende-se essa ação como autoritária e desproporcional por parte da Diretoria, que não procurou uma solução pelo diálogo e cooperação mútua para resolver a questão do restaurante”, prossegue a entidade.

“Reiteramos que não somos contra a regularização do restaurante existente aqui no porão da FMUSP: queremos que sejam feitas as adequações sanitárias e de segurança contra incêndio. Inclusive, nos prontificamos a arcar com todas as despesas para a regularização sanitária imediata, para que a questão da licitação seja resolvida sem que os alunos fiquem desprovidos de fontes de alimentação adequadas”, diz o documento do CAOC.

De acordo com a Assessoria de Comunicação da FMUSP, houve acordo para a prorrogação do prazo de saída do restaurante até o dia 1o/7. “A Faculdade de Medicina da USP esclarece que existem irregularidades apontadas pela Procuradoria Geral da USP na contratação do restaurante situado no subsolo da Faculdade, que deverão ser sanadas com novo contrato de licitação”, diz a nota. O chamado porão “permanece sob a permissão de uso dos alunos para fins acadêmicos, esportivos e culturais, conforme previsão do estatuto”, continua a nota.

Outra reivindicação da greve é que seja mantido o subsídio para a alimentação dos(as) estudantes. De acordo com o CAOC, “a Diretoria alega não poder mais arcar com o valor destinado ao subsídio para a alimentação dos alunos devido a um corte de 5,5 milhões de reais no repasse da Reitoria”. “Entendemos que escolher comprometer a alimentação dos alunos por esse menor repasse – em vez de manejar os custos de alguma outra forma – reflete incompetência, arbitrariedade e descompromisso com a gestão pública, especialmente quando a decisão para tal foi tomada sem deliberação com o Centro Acadêmico”, afirma a entidade.

A Assessoria de Comunicação da FMUSP diz que “a direção da faculdade conseguiu verba da Reitoria para fazer um moderno restaurante universitário no local”. “Durante a reforma os alunos terão as três refeições subsidiadas pela USP em restaurantes universitários na Faculdade de Saúde Pública e Escola de Enfermagem, no próprio quadrilátero da saúde.”

EXPRESSO ADUSP


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