Google “presenteia” USP. Comunidade desconfia
Securegen Jailton Garcia/RBA
Professor Márcio Moretto Professor Sérgio Amadeu

Novembro de 2017 marcou o final de migração do antigo sistema de e-mails USP para o servidor da Google, fruto da assinatura de um convênio entre a USP e a Google em novembro de 2016. Além da transferência dos e-mails, envolveu a cessão das ferramentas G Suite of Education para a comunidade USP, o que inclui serviços como o Google Drive (armazena­men­to de arquivos e editor de textos, planilhas e apresentações). Não foi necessária a abertura de licitação porque o convênio foi gratuito, aparentemente sem implicar custos à universidade.

A Reitoria afirma que serão economizados R$ 6 milhões ao ano com o acordo. Entretanto, a obrigatoriedade da transferência de seus e-mails e a inexistência de discussões prévias com a comunidade universitária levantam dúvidas sobre este “presente” de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo.

“Eu imagino que ela [Google] está querendo formar um mercado nesta área de educação”, disse o professor Márcio Moretto Ribeiro, do curso de Sistemas da Informação da Escolas de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP).  “Ela está tentando vender o produto dele para outras universidades, e aí quer ter no portfólio dela a USP, que é uma universidade grande, importante e com respaldo público enorme. Daí terá agora a USP como cliente”.

 De fato, a Google tem investido intensamente no setor educacional, inclusive na educação básica, em que aposta não só no uso do G Suite for Education pelos estudantes, mas também na distribuição e venda de seus computadores pessoais Chromebook. Chama atenção o artigo 9 do convênio, segundo o qual “a USP concorda que a Google poderá incluir o nome ou os Recursos de Marca do Cliente em uma lista de Clientes da Google, on-line ou em materiais promocionais”.

Outra consequência importante do acordo é a perda de autonomia da USP. “Quando a universidade tinha o controle sobre sua estrutura de e-mails, tinha a autonomia para definir sobre como administrar, que softwares serão usados, se vamos incentivar um determinado equipamento desenvolvido nacionalmente. Com a Google controlando, temos menos autonomia para isso”, explicou Moretto ao Informativo Adusp.

 O professor Sérgio Amadeu da Silveira, do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), também externa preocupações quanto ao impacto estratégico deste convênio para a ciência brasileira. “Todo o fluxo de informação da universidade, ou quase todo, vai ficar na mão da Google”, afirma. “O caminho da tecnologia e da ciência, para onde estão indo as intenções e tendências de um time de universidades brasileiras, se a Google tem isso, ela passa a ter uma capacidade de compreensão muito estratégica. É preciso analisar as consequências disso, a concentração em poucas corporações ao mesmo tempo que nós na universidade não temos este poder analítico. Fica complicadíssimo”.

Privacidade

“A preocupação maior em relação ao convênio é uma questão de privacidade, quem administra a rede de e-mails sempre tem acesso aos e-mails”, lembra Moretto, da EACH. No documento de Política de Privacidade para o G Suite for Education, a Google afirma coletar as seguintes informações dos usuários deste serviço: dados sobre o aparelho em que o serviço é usado (inclui o número de telefone, no caso de aparelhos móveis), dados sobre como o serviço foi utilizado, localização do usuário, cookies e tecnologias semelhantes (arquivos leves que gravam o navegador e as preferências do usuário). Tais informações são utilizadas pela empresa para “manter, proteger e melhorar seus serviços, desenvolver novos e proteger o Google seus usuários”, mas também podem ser compartilhadas com “afiliados e outras pessoas e empresas de confiança para processar estas informações”.

O Google declara contratualmente que as informações coletadas pelo G Suite não serão utiliza­das com fins publicitários. Entre­tan­to, outros serviços, como a ferramenta de busca, serão usados para propaganda. Ou seja: se um usuário de e-mail USP estiver logado em sua conta e realizar uma pesquisa no buscador Google, este dado será gravado e usado para o direcionamento de publicidade.

Amadeu, entretanto, é enfático em afirmar que apenas o contrato não protegerá os usuários. “Em uma relação direta, se ela não cumprir o contrato, não tem como alguém saber. A Google integra uma corporação chamada Alphabet, que tem algumas empresas de tracking [personalização de anúncios por meio de dados pessoais]. Se a Google não vai acompanhar diretamente as informações, alguma outra empresa da Alphabet irá”, adverte o professor da UFABC, que é autor do livro Software Livre: a luta pela Liberdade do Conhecimento (2004). Em 2016, nos EUA, mais de 700 estudantes de universidades como Harvard e Berkley iniciaram um processo contra a Google por quebra dos termos de acordo ao ter interceptado o conteúdo de seus e-mails para fins publicitários.

Acesso interno

Outro problema suscitado pelo convênio é expresso no artigo 2 do convênio entre USP e Google: “Os administradores da USP poderão acessar, monitorar, usar ou divulgar os dados disponíveis para os Usuários finais dentro das Contas de Usuário Final. A USP deverá receber e manter todos os consentimentos necessários dos Usuários Finais que permitam: (i) que a USP acesse, monitore, use e divulgue esses dados, o que será permitido pela Google, e (ii) que a Google forneça os Serviços”.

Ou seja: os funcionários e docentes da Superintendência de Tecnologia da Informação (STI-USP) responsáveis por gerenciar o sistema de e-mails poderão ter acesso aos dados pessoais de seus usuários. Segundo o professor Moretto, “antes do convênio, tínhamos e-mails @usp, administrados em servidores na USP. Os funcionários que cuidavam do gerenciamento destas contas com certeza tinham acesso aos e-mails. Se eles liam os e-mails ou não, eu não sei, como não tem contrato não há garantia de que eles não estivessem lendo. Tecnicamente isso já era possível antes, talvez agora ficou mais fácil”.

Procuradas, nem a Google nem a STI responderam aos questionamentos do Informativo Adusp sobre a possibilidade atual de alguns de seus funcionários terem acesso não só ao conteúdo de e-mails de usuários, mas informações relativas às pesquisas pessoais e aos documentos armazenados no Google Drive. A STI também não divulgou termo de compromisso com a privacidade de seus usuários.

Por enquanto, aos usuários do e-mail USP preocupados com sua privacidade, só é disponibilizada uma opção: antes de entrar na sua conta de e-mail, clicar em “Controlar quais dos meus dados são enviados”. Não está claro quais dados, nem para quem, muito menos qual a real eficácia desta opção.

Informativo nº 444

EXPRESSO ADUSP


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