Sucessão Reitoria
IEA debate alternativas ao modelo oligárquico de escolha de reitor(a)
“Será muito ruim se sairmos da reunião [do Conselho Universitário] de 1º de outubro com o mesmo sistema”. A frase do ex-pró-reitor Luiz Nunes, um dos expositores do debate promovido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) em 3/9, sintetiza um sentimento manifestado por diversos dos participantes a propósito do atual modelo de escolha de reitor(a). “Este tema está em pauta há muitos e muitos anos nesta universidade, não está começando agora. Universidades públicas devem ser regidas pelo princípio da gestão democrática”, destacou o professor Ciro Correia, presidente da Adusp, que foi o outro expositor convidado.
Daniel Garcia |
Professores Ciro Correia, Luiz Nunes e Martin Grossmann |
No debate coordenado pelo professor Martin Grossmann, diretor do IEA, Ciro apresentou a proposta de emenda ao Estatuto protocolada pela Adusp, Diretório Central dos Estudantes-Livre “Alexandre Vannucchi Leme” e Associação dos Pós-Graduandos “Helenira Preta Rezende”. Ciro definiu a emenda proposta como “aquém das reivindicações históricas do movimento docente, das quais não abdicamos”, mas explicou que, “diante do atraso em que a gente se encontra”, sua imediata implantação faria a USP avançar, colocando-a em sintonia com as demais universidades públicas brasileiras.
A proposta das entidades cria uma consulta oficial para reitor(a), de caráter paritário, na qual votariam todos os docentes, estudantes e funcionários da USP. É atribuído a cada categoria o mesmo número votos (no exemplo da tabela acima, 90.000); no entanto, o peso do voto de cada eleitor é igual à razão entre o número de eleitores na categoria e o número de votos atribuído àquela categoria.
O nome mais votado na consulta seria automaticamente incluído na lista tríplice elaborada pelo colégio eleitoral e enviada ao governador.
Outras proporcionalidades têm sido adotadas em algumas universidades: na Unicamp, por exemplo, os votos docentes respondem por 60% e as outras categorias por 20% cada uma, enquanto que em várias universidades federais há consultas onde essa proporção corresponde a 70%, 15% e 15%.
Legitimidade
Ciro esclareceu que, embora defendam que a eleição de reitor(a) se encerre na universidade (e não no Palácio), as entidades esbarraram no fato de que a escolha de um dos nomes da lista tríplice pelo governador está prevista em legislação estadual, portanto sua superação é politicamente mais difícil do que se constasse somente do Estatuto da USP.
“O nome escolhido terá um referencial de legitimidade e representatividade. Este é o momento de se ter um critério de eleição que dê maior legitimidade ao reitor, mas também permita maior participação da comunidade, para cobrar dele compromissos”, frisou o presidente da Adusp. Ele observou que a estrutura de poder da USP deve ser compatível com a sua natureza de universidade pública e gratuita: “A Universidade precisa servir à sociedade como um todo”, sustentou.
Ciro criticou o comportamento autocrático da atual gestão reitoral, que relega a segundo plano até o principal colegiado da USP. “O Conselho Universitário deixou de ter agenda de reuniões no calendário. As pautas são divulgadas com apenas três dias de antecedência”, denunciou.
Categoria | Nº de membros | Nº de votos paritários | Peso de cada voto |
---|---|---|---|
Docentes | 6.000 | 90.000 | 15,00 |
Funcionários | 17.500 | 90.000 | 5,14 |
Estudantes | 90.000 | 90.000 | 1,00 |
“Governança ruim”
O professor Luiz Nunes apontou a dificuldade para “realizar uma discussão construtiva e negociar acordos” como um forte obstáculo às tentativas de mudança do modelo atual: “É difícil encontrar uma estrutura mais complexa do que a USP. Precisamos aprender a negociar”. Além disso, “a governança não melhora”, ao contrário, “é muito ruim”.
O ex-pró-reitor apresentou os objetivos de “fomentar a discussão produtiva” e “atrair os melhores candidatos para o processo [eleitoral]”. Sua ideia é que “o atual primeiro turno passe a ter o caráter de segundo turno”, isto é, desaparece o chamado “coleginho”, atualmente encarregado da lista tríplice.
A base da argumentação é que as congregações seriam o cerne da universidade: “A USP é uma federação e cada uma delas têm o seu projeto acadêmico. É preciso valorizar o trabalho da congregação”, disse Nunes. “É mais fácil atrair os candidatos para este processo do que para um corpo eleitoral maior”, alegou. Segundo o professor, o primeiro turno envolve atualmente 1.900 docentes, 180 estudantes e 90 funcionários.
“Não é república”
De qualquer modo, seria necessário ainda, na sua opinião, “diminuir discrepâncias”, tanto entre as diferentes representações como entre as congregações (algumas bem mais numerosas).
No debate posterior, Nunes rejeitou a proposta das entidades: “A Universidade não é uma república”, afirmou, colocando-se contra o voto direto e universal. “Nossa obrigação é satisfazer os contribuintes. Estudantes e funcionários têm ideias muito boas, mas isso não quer dizer que devam ser consultados em todas as questões”.
Ciro, por sua vez, criticou a proposta do ex-pró-reitor: “Não considero adequada. As congregações são importantíssimas, mas reproduzem a atual estrutura de poder. São compostas por 85% de docentes, na maioria professores titulares”. Já a consulta pelo voto direto e paritário fará com que os reitores “tenham o compromisso de discutir com o público mais amplo possível as suas propostas”. Ainda segundo Ciro, não há como deixar de reconhecer que a participação de toda comunidade — mais de 100.000 pessoas — numa eleição paritária terá maior respaldo social que a escolha pelo eleitor solitário, o governador.
Ele lembrou, ainda, que está nas mãos do Conselho Universitário a responsabilidade por mudar as atuais regras do jogo. “Nós oferecemos a proposta e conseguimos reunir as assinaturas necessárias para que fosse pautada no Co. A estrutura burocratizada da universidade nunca se dispôs a enfrentar essa questão. Querem que o movimento social assuma todos os papéis do jogo”, disse em resposta à cobrança de como a Adusp vai proceder para que se chegue a um entendimento no momento.
“Liderança da USP”
Atuaram como debatedores os professores Francisco César de Sá Barreto, ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Sergio Adorno, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP); Lisete Arelaro, diretora da Faculdade de Educação (FE-USP); Renato Janine Ribeiro, ex-diretor de Avaliação da Capes; e o jornalista Paulo Saldaña, de O Estado de S. Paulo.
Barreto realçou a importância do debate, em vista da “necessária liderança da USP com relação ao nosso ensino superior”. Opinou que a escolha de reitor deve estar relacionada às finalidades da universidade. Informou que na UFMG a consulta atribui peso de 70% aos docentes, 15% aos estudantes e 15% aos funcionários.
Lisete explicou que na FE existe consulta direta para diretor(a) da unidade “há exatos vinte anos”, e que a “animação interna é fundamental nesse processo”. Ela questionou aspectos das duas propostas apresentadas no debate. Ponderou que a proposta da Adusp mantém o colégio do atual segundo turno, que é mais restrito e seria mais vulnerável aos interesses da Reitoria. “As congregações se tornaram órgãos absolutamente burocráticos, apenas referendam o que os diretores já decidiram”, enfatizou quanto à exposição de Nunes.
“Máquina reitoral”
Janine defendeu o fim da lista tríplice e sugeriu a inclusão dos conselhos departamentais no colégio eleitoral único proposto por Nunes. Afirmou que é preciso tirar o processo eleitoral do controle do que chamou de “máquina reitoral”, porque “em seis sucessões [desde a reforma do Estatuto em 1988], somente em duas o reitor não fez o sucessor”.
Adorno sugeriu uma mediação entre as propostas, de modo a encontrar um equilíbrio entre a participação da comunidade e a dos órgãos colegiados. “Estamos discutindo democracia como se discutia no século 18: ampliação da base. Temos que discutir qualidade”. Ele admitiu que é preciso reduzir a desigualdade entre as categorias, bem como o peso dos professores titulares. “Avanço é por um fim às eleições palacianas”, declarou o diretor da FFLCH.
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