Brasil perde Ariovaldo Umbelino, “referência incontornável na luta pela reforma agrária”, formador de gerações de geógrafos e de lideranças sociais
Ariovaldo Umbelino de Oliveira (Foto: Lina Ibáñez)

Faleceu no último sábado, 2 de agosto, aos 78 anos, o geógrafo e professor aposentado Ariovaldo Umbelino de Oliveira, intelectual engajado na luta pela reforma agrária no Brasil e considerado referência nacional em matéria de Geografia Crítica. Ari, como o chamavam amigas e amigos, era professor titular de Geografia Agrária da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) quando se aposentou, em 2003, tornando-se professor sênior em 2012. Lecionou também na Unesp (1980-1995) e, como professor visitante, na Universidade Federal de Goiás (UFG) e na Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Seus principais livros, por ele próprio elencados no resumo do currículo Lattes, dão uma ideia da amplitude de seus estudos da estrutura fundiária do país: Agricultura Camponesa no Brasil (Contexto, 1991); Geografia das Lutas no Campo (Contexto, 1996); Modo Capitalista de Produção, Agricultura e Reforma Agrária (FFLCH/Labur, 2007); Contribuição para o estudo da geografia agrária: crítica ao “Estado Isolado” de Von Thünen, A fronteira amazônica mato-grossense: grilagem, corrupção e violência, A Mundialização da Agricultura Brasileira (todos publicados pela Iãnde Editorial em 2016); Terras de Estrangeiros no Brasil (Iãnde Editorial, 2018); A Grilagem de Terras na Formação Territorial Brasileira (digital, FFLCH, 2020).

A morte de Ariovaldo foi recebida com grande pesar por movimentos sociais e entidades comprometidas com a reforma agrária no Brasil. “Perdemos um dos maiores geógrafos do Brasil, referência incontornável na luta pela reforma agrária, pelo reconhecimento do campesinato e pela crítica radical à concentração fundiária e à destruição do território promovida pelo agronegócio e pelo capital”, sintetizou nota do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

“Ariovaldo foi mais do que um intelectual. Foi um companheiro de luta, um educador comprometido com a transformação radical da sociedade, um marxista, fiel aos princípios de uma ciência voltada para os interesses da classe trabalhadora, especialmente dos camponeses e camponesas”, prossegue o MPA. “Suas contribuições foram decisivas para que o MPA avançasse na elaboração de seu projeto político estratégico: o Plano Camponês. Ele esteve presente em diversos espaços de formação promovidos pelo Movimento, ajudando a formar centenas de lideranças camponesas com seu rigor analítico, sua generosidade pedagógica e sua capacidade de articular teoria e prática com coerência e paixão”.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) também emitiu nota de pesar, que lembra os “inestimáveis serviços de assessoria” prestados por Ariovaldo, “por muitos anos, a movimentos e organizações sociais do campo, em todo território nacional, inclusive a nós da CPT”. “Dedicado pesquisador e professor, foi pioneiro em interpretar a estrutura agrária brasileira concentracionista, constituída à base da grilagem de terras e mercantilização dos bens naturais, como cerne da Questão Agrária, eixo do poder e da falaciosa democracia no país, com tantos impactos negativos na vida de famílias camponesas, povos e comunidades tradicionais”.

No entender da Coordenação Nacional da CPT, o professor da FFLCH “foi dos mais importantes geógrafos agrários do Brasil, com atilado senso crítico, seguro nos debates e nas argumentações teóricas agrárias”, além de alinhar-se sempre aos movimentos e organizações em luta pela Reforma Agrária e a democratização do acesso à terra e à vida digna no campo. “Ariovaldo esteve, em muitas ocasiões, junto à CPT em assessorias a assembleias e encontros de formação, como também em análises dos dados de conflitos no campo produzidos pelo nosso Centro de Documentação Dom Tomás Balduino. Já sentimos sua falta, em momento tão especial, quando celebramos jubileu de 50 anos e repensamos os rumos do nosso serviço pastoral”.

Quanto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assinalou que Ariovaldo “contribuiu na compreensão do latifúndio como uma mazela estrutural em nosso país”, além de haver defendido incansavelmente a reforma agrária e a luta dos camponeses e de haver colaborado “para a formação de centenas de geógrafas(os) comprometidas(os) com a luta pela terra”, o que inclui, entre tais alunas(os), “muitas(os) militantes Sem Terra”, razão pela qual “sua produção teórica e seu compromisso com a transformação social” seguirão presentes nas lutas do movimento. “Seu legado permanecerá vivo e suas contribuições seguirão na eternidade”.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por sua vez, destacou que além de responsável pela formação “de gerações de estudantes”, o pesquisador foi uma referência para os movimentos sociais e para a reflexão sobre a reforma agrária e a estrutura fundiária do país. “Em um momento em que o Brasil reafirma sua soberania política e territorial, a voz do professor, sempre presente e necessária, deixa um vácuo. Ao mesmo tempo em que lamentamos sua partida, nós do Incra, saudamos o legado deixado por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que por meio de sua obra nos inspira e nos faz avançar rumo a um país mais justo, plural e igual para todos”.

O Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana (PPGH-USP) manifestou-se igualmente sobre Ariovaldo. “Formado no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, nosso querido ‘Ari’ foi protagonista central da renovação da geografia brasileira, tendo escrito alguns dos primeiros textos do movimento da chamada Geografia Crítica no país. Seu comprometimento com o trabalho acadêmico, mas também sua atuação junto aos movimentos sociais do campo, o tornaram uma das personalidades mais importantes do pensamento crítico brasileiro contemporâneo”, apontou o PPGH em nota.

“Para além das gerações que formou desde 1980 como professor na graduação na USP, orientou pelo PPGH 53 doutores e 54 mestres. Esta atuação demonstra seu completo engajamento intelectual, assim como seu compromisso com a educação pública e o processo de formação de professores e pesquisadores na geografia nacional. Teve atuação destacada na renovação do ensino da geografia do ensino fundamental e médio no estado de São Paulo, e participação ativa nos colegiados federais de representação da geografia brasileira”, diz o texto.

“Deixa saudades imensas nos colegas e amigos que privaram de sua combativa e generosa companhia no cotidiano da pós-graduação em geografia humana da Universidade de São Paulo. Fica, porém, a riqueza de sua obra sólida e aguerrida, que segue inspirando as novas gerações de geógrafas e geógrafos brasileiros, na luta por um território mais justo e democrático”.

O Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) da Universidade Estadual de Montes Claros (MG) foi outro a manifestar-se sobre a “perda irreparável” causada pelo desaparecimento do professor. “Referência incontestável da Geografia Crítica brasileira, o professor Ariovaldo construiu uma trajetória intelectual profundamente comprometida com a luta pela reforma agrária, denunciando com rigor e coragem a concentração fundiária no Brasil. Seu legado se inscreve não apenas na produção acadêmica, mas nas lutas sociais que embasou e inspirou”.

“Graduado, doutor, livre-docente e professor titular pela Universidade de São Paulo (USP), onde atuava como professor sênior, foi orientador de diversas gerações de pesquisadores e pesquisadoras em Geografia Humana, dedicando-se à Geografia Agrária com rara profundidade analítica”, afirma a nota. “Pesquisador nível 1A do CNPq, foi também Pesquisador Visitante Nacional Sênior pela Capes, sempre mantendo firme seu compromisso com a ciência como instrumento de transformação social”.

A memória de Ari também foi homenageada por duas de suas colegas no Departamento de Geografia da FFLCH: as professoras Marta Inez Medeiros Marques e Valéria de Marcos. Em belo artigo publicado no site A Terra é Redonda, Marta e Valéria celebram carinhosamente a trajetória do amigo querido que foi “vanguarda e resistência”, e que “seguirá presente em nossos corações e práxis”. Já no início do texto, lembram que ele integrava uma “das primeiras gerações de filhos da classe operária a chegar na Universidade, como estudante nos anos 1960 e como professor nos anos 1980, tendo antes atuado como professor do ensino básico e como geógrafo no IPT, onde contribuiu para a criação de um projeto de solo-cimento que servia a baratear os custos de produção das casas da classe trabalhadora”.

Coragem, firmeza e coerência eram suas qualidades mais marcantes, pontuam. “Ousou convencer seu orientador, Pasquale Petrone, a acompanhá-lo na construção de sua tese de doutorado construída sob o método materialista dialético, a primeira ‘tese marxista’ da USP e do Brasil, defendida nos anos de chumbo da ditadura. Teve coragem para enfrentar uma banca e o anfiteatro de Geografia lotado, em uma longa defesa onde, como ele sempre recordava, parte estava para apoiá-lo e parte para ver sua derrota”, relatam as autoras.

“Ele venceu, e desde então, formou gerações de estudantes com sua geografia crítica, socialmente empenhada e comprometida com a transformação da sociedade em que vivia, deixando claro que o discurso da ciência neutra não tinha lugar na sua sala de aula e que, ao contrário, a sua geografia era feita para dar luz e voz àqueles que até então haviam sido invisibilizados pela academia: os camponeses, indígenas, quilombolas e de todos os que enfrentam a exclusão decorrente da violenta concentração fundiária do campo brasileiro”.

“Era um geógrafo comprometido com seus princípios e a ciência que produzia, firme no método, militante crítico, o que o colocou em posição divergente em relação àquelas adotadas por movimentos sociais em determinados momentos da luta”, observam. “Essas divergências não o abateram, ao contrário, o estimularam a consolidar a sua produção na busca por uma sociedade mais justa e socialmente solidária”.

Após registrarem que suas aulas, ‘na graduação e pós-graduação, encantavam pelo domínio do conteúdo e eloquência do discurso”, acrescentam que seus trabalhos de campo, muitos deles realizados na Amazônia com dias de duração, “eram oportunidades ímpares de um contato com o Brasil real e de muito aprendizado para todos os que puderam deles participar”. E que na USP “e nas universidades por onde passou após sua aposentadoria, auxiliando na democratização da Pós-Graduação, formou milhares de estudantes”.

Ari, recordam as autoras, criou o Simpósio Internacional de Geografia Agrária (SINGA), “que hoje caminha sozinho com seus 22 anos de existência, cujos 20 anos foram comemorados em 2023 no Departamento de Geografia, a casa onde ele nasceu, o que o encheu de orgulho”. Orientou mais de uma centena de futuros mestres e doutores, como se orgulhava sempre de dizer: “Um orientador preciso, que nos estimulava a caminhar com autonomia e liberdade para ousar e que com poucas palavras nos fazia ver além do que estava diante a nós. Como sua última orientanda de doutorado disse em uma aula, ‘um homem de poucas palavras e muitas ações’”.

Arrematam com menção à sua produção científica, “densa e de peso”, às suas contribuições para o estudo da geografia agrária e das ciências humanas no geral, “que permanecerão ao longo do tempo”, sustentam. “Sentiremos muita falta de sua risada farta e de suas ponderações precisas, por vezes intransigentes, mas seu legado permanecerá vivo conosco e seguirá sendo transmitido para as gerações futuras. Ariovaldo querido, o Agrária seguirá mais triste, mas você seguirá presente em nossos corações e práxis. Ari, Presente!”.

Confira aqui a nota da Adusp.

EXPRESSO ADUSP


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