Defesa do Ensino Público
Financeirização chega ao ensino superior privado
As instituições privadas de ensino superior estão experimentando um intenso processo de reconfiguração, em razão da entrada de novos capitais no setor. Publicações especializadas em economia têm acompanhado com atenção as novidades no chamado “mercado da educação”, estimado em R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões por ano. Consultores e investidores falam em “consolidação” do setor, eufemismo para designar um enxugamento, com aquisições, fusões, desaparecimento das instituições mais fracas, mal administradas ou em dificuldades financeiras.
Um rápido resumo das principais transações ocorridas no setor em menos de dez anos revela crescente envolvimento de bancos e de outras empresas, apesar da alta inadimplência dos alunos e do grande número de vagas ociosas. Esses investidores parecem sentir-se confortáveis com as isenções fiscais propiciadas pelo ProUni, bem como com o fato de que a expansão das instituições públicas de ensino superior é muito tímida, deixando enorme espaço para o setor privado.
Em 1999, os ex-banqueiros Claudio Haddad (banco Garantia) e Paulo Guedes (banco Pactual) compraram a faculdade Ibmec, ao passo que o empresário Antoninho Marmo Trevisan associou-se ao Banco Fator para lançar a faculdade Trevisan. Em 2003, outro banco, Pátria Investimentos, comprou parte do capital do grupo Anhangüera, uma rede de faculdades sediada no interior de São Paulo.
Cifras elevadas
No final de 2005, foi a vez do Laureate, poderoso grupo educacional norte-americano, adquirir, por R$ 165 milhões, o controle acionário das faculdades Anhembi-Morumbi. Negócio também articulado pelo Pátria, que em 2003 assumira a gestão financeira da Anhembi-Morumbi.
A roda-viva continuou, em 2007, sempre envolvendo cifras elevadas. Primeiro, o grupo norte-americano Whitney comprou o controle acionário da Faculdade Jorge Amado, na Bahia (Valor Econômico, 26/7). A rede Anhangüera lançou ações na Bolsa de Valores, em março, obtendo R$ 360 milhões (Época 483). Depois foi a Estácio de Sá que abriu seu capital, arrecadando R$ 500 milhões (Exame, 8/8/07). As operações na Bolsa foram comandadas por dois bancos de investimentos rivais: o Credit Suisse (Anhangüera) e o UBS Pactual (Estácio).
Outros negócios estão em andamento, envolvendo tanto a aquisição de faculdades como a constituição de empresas e fundos voltados para o setor. Como a Ideal Invest, especializada em financiar “estudantes interessados em cursar uma faculdade”, bem como “universidades em busca de crescimento” (Época 483). Criada em 2001, há poucos meses a empresa recebeu um aporte de R$ 250 milhões de duas administradoras de recursos, uma delas pertencente a Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central.
“Corrosão”
Que impactos trará o processo de “modernização” e capitalização do setor? O professor Romualdo Portela, do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (Faculdade de Educação da USP), pensa que tais mudanças significam “a completa financeirização do setor”, o que “transforma na prática a educação numa grande mercadoria, negociada no mercado financeiro”. Situação que se agrava por não haver, no horizonte visível, perspectivas de ampliação do setor público.
Uma das consequências, na opinião do professor, será o desequilíbrio na competição entre grupos privados. “Antes, eram empresas, como a Unip e outras, que acumularam capital com a educação. Agora, há possibilidade de se ter outra repartição do bolo. Por exemplo, a compra da Anhangüera por um fundo envolve dinheiro grande, de fora da educação”, o que implica “a redefinição de espaços no interior do sistema”. Essa entrada de capitais externos ao setor provocará, acredita, “padrões de competitividade muito agressivos”.
O professor Portela teme que as condições de trabalho nas instituições privadas, que atualmente já são extremamente precárias, venham a piorar. As cooperativas de trabalho, utilizadas para burlar a legislação trabalhista, tenderiam a crescer em número, mesmo porque a preocupação com a qualidade do ensino está presente em apenas algumas dessas instituições. “Não necessariamente elas buscam nichos de qualidade. A idéia, em geral, é do atendimento em massa”, adverte.
A discussão de salvaguardas para a educação em instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), diz o professor, perde sentido diante da situação atual, pois é um dado que a educação consolidou-se como mercadoria no Brasil: “O processo de corrosão é muito mais profundo do que poderíamos supor”, lamenta ele.
Em 12/9, o Informativo Adusp entrou em contato com as assessorias de Pedro Kassab, presidente do Conselho Estadual da Educação-SP, e de Gabriel Rodrigues, sócio-proprietário da Anhembi-Morumbi e presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), após o que enviou a ambos, por correio eletrônico, algumas perguntas. Até o fechamento desta edição não havíamos recebido as respostas.
Matéria publicada no Informativo n° 244
Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!
Mais Lidas
- Novo modelo proposto pelo MEC redireciona e elitiza a pós-graduação nacional, “formando para o mercado e não para a docência e pesquisa”, adverte GT do Andes-SN
- Sem dar detalhes, Carlotti Jr. anuncia início de estudos para nova etapa da progressão docente; na última reunião do ano, Co aprova orçamento de R$ 9,15 bilhões para 2025
- Processo disciplinar que ameaça expulsar cinco estudantes da USP terá oitivas de testemunhas de defesa e de acusação nos dias 13 e 14 de novembro
- Em carta ao reitor, professor aposentado Sérgio Toledo (84 anos), da Faculdade de Medicina, pede acordo na ação referente à URV e “imediato pagamento dos valores”
- Diretor da Faculdade de Direito afasta docente investigado por supostos abusos sexuais; jurista contesta medida