Apesar do TAC, fundações continuam na USP

Prédio da Faculdade de Odontologia, ocupado por fundação privada

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre 16 fundações ditas de apoio à USP e a Promotoria de Fundações da Capital entrou em vigor em 8/5/07. O TAC determina que as fundações devem retirar-se das instalações que ocupam na USP em no máximo seis meses, a contar da data de sua homologação — portanto, até 8/11/07, “ressalvadas aquelas atividades vinculadas à execução dos convênios”. A reportagem do Informativo Adusp constatou, porém, que as fundações continuam a ocupar vasto espaço no campus, até mesmo para atividades extra-convênios.

As fundações procuram descaracterizar a ocupação da maioria dessas dependências, embora estejam presentes nelas há muitos anos. Não há placas que indiquem tratar-se de prédios e salas efetivamente ocupadas por elas. Mas muitos funcionários das fundações continuam a trabalhar em unidades como a Faculdade de Economia e Administração (FEA), a Escola Politécnica (EP) e a Faculdade de Odontologia (FO).

A Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fundecto), por exemplo, ocupa o subsolo de um prédio da FO e um prédio de dois andares ao lado. Neles são ministrados cursos de especialização em odontologia cujos valores chegam a quase R$ 15 mil por estudante — e funcionam secretaria e tesouraria da fundação. Do lado de fora dos portões que “separam” a USP do terreno público usado pela fundação não há qualquer indicação de que ali funciona a Fundecto.

Na Fundação Vanzolini, que se confunde com o Departamento de Engenharia de Produção da EP, as placas que indicavam a localização do espaço público que a fundação utiliza foram apagadas. No entanto, a fundação ocupa salas do departamento para ministrar as aulas do curso de especialização em Administração Industrial, que tem cerca de 150 alunos por quadrimestre, a um preço de R$ 12 mil. Contrariando o teor do TAC, a Vanzolini usa salas para atividades não relacionadas a convênios, como assessoria de imprensa e marketing.

“Nada a ver com FEA”

Já a Fundação Instituto de Administração (FIA) não só omite sua localização como se esconde na FEA. No prédio 1, corredor C, sala 18, uma película de proteção impede que se veja o que há por trás da porta onde se lê “Sala do Convênio”. Ali funciona o escritório de Joel Scala, assessor da FIA. Uma funcionária informa: “Aqui não tem nada a ver com FEA, é FIA. Aqui não é sala do convênio. É para estar escrito sala do convênio mesmo, mas aqui não é sala do convênio”.

Ainda na FEA, no prédio 2, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) ocupa salas para ministrar cursos em convênio com a USP e mantém uma secretaria de cursos. No prédio FEA 3, salas são utilizadas pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), apesar de não haver placas ou indicações. “Aqui todo mundo é funcionário da Fipecafi”, disse uma funcionária que estava no local.

Todas as fundações citadas dispõem de imóveis, próprios ou alugados, geralmente nas imediações do campus (a Vanzolini, porém, alugou andares de um prédio na Avenida Paulista). A FIA, proprietária de pelo menos três prédios (dos quais duas “unidades educacionais”), adotou a estratégia de afastamento formal da USP: mudou o estatuto, que já não menciona apoio à universidade; deixou de oferecer cursos em convênio, para não ter de recolher taxas; e adotou o slogan “a melhor escola de negócios do Brasil”. Apesar disso, continua usando as dependências da FEA.

Sigilo persiste

Segundo a resolução 5.427, de 12/12/07, projetos remunerados devem repassar às unidades “no mínimo 10% e no máximo 50% do numerário recebido pelo docente” e “porcentagem do valor de custeio e serviços de terceiros” a ser definida pela própria unidade. Outros 2,5% desse mesmo valor devem ser repassados à Reitoria. O Informativo Adusp procurou, mas não conseguiu, levantar os dados relativos aos repasses realizados em 2007. Entidades privadas e unidades negaram-se a fornecer as cifras.

Fipe, Fundecto e Fipecafi não responderam até o fechamento desta edição. A diretoria da FIA, por sua vez, “decidiu não prestar nenhum esclarecimento e não participar da matéria”, notificou a assessoria de imprensa da FIA. O presidente da Fundação Vanzolini, professor Mauro Zilbovicius, declarou que o valor dos repasses só seria informado após solicitação por escrito e avaliação da diretoria.

O diretor da FO, professor Carlos de Paula Eduardo, admitiu que os valores dos repasses da Fundecto passam por ele, mas mesmo assim não quis informar os números de 2007. Já o vice-diretor da FEA, professor Reynaldo Guerreiro, que concedeu entrevista na ausência do diretor, disse que não conhecia os valores relativos à FIA e à Fipe, e que, embora tenha conhecimento do valor repassado pela Fipecafi (com a qual tem vínculos), não se sentia “confortável” para informá-lo. A Fipecafi, no seu entender, deveria repassar mais dinheiro para a unidade, “mas isso não é feito porque a universidade está em cima do muro com as fundações…”

Conflito de interesses

Carlos de Paula Eduardo foi presidente da Fundecto por duas gestões consecutivas, de 2002 a 2005, deixando a presidência da entidade para assumir o cargo de diretor da FO. O professor não teme ser acusado de conflito de interesse: “Aprendi muito na Fundecto. Aprendi no privado a motivar a todos”.

Reynaldo Guerreiro disse sem constrangimentos: “Durante oito anos eu fui chefe do departamento (de Contabilidade) e em um período eu fui simultaneamente vice-diretor da Fipecafi. Do ponto de vista prático, a Fipecafi e o departamento se confundem. Tem que fazer isso porque assim a gente está dentro e tem chance de ver o que está acontecendo na fundação”.

Só forneceu números ao Informativo Adusp o professor Mario Sérgio Salerno, chefe do Departamento de Engenharia de Produção. Segundo ele, a Vanzolini só repassou ao departamento em 2007, até novembro, R$ 149 mil — embora ele tenha pedido R$ 823 mil. Salerno disse que exigirá, com base nas necessidades do departamento, um repasse de R$ 2,091 milhões em 2008. “A fundação é de apoio, tem que apoiar. Se não tem dinheiro, dane-se: ela está aí para isso”.

“Se… se…”

Fruto do entendimento da Promotoria com as fundações, o TAC em vigor poderá se revelar inócuo. A própria Reitoria havia submetido ao promotor uma proposta mais rigorosa, que obrigava as fundações a desocuparem todos os locais, mesmo que sediassem atividades objeto de convênios. O promotor rejeitou o pedido da Reitoria (Revista Adusp 40, p. 42).

“O TAC é excelente do ponto de vista da fundação, mas acho que é bom para a universidade também. O TAC é um instrumento, os convênios são outros instrumentos”, avalia Zilbovicius, da Vanzolini. “A gente cumpre tudo o que a USP disser. A USP é quem manda. Os cursos são da USP”, disse ele.

Questionado sobre a hipótese de a Vanzolini aceitar uma desocupação nos moldes sugeridos pela Reitoria, o professor recuou: “Se a universidade definir mais regras, mais rígidas e se isso estiver de acordo com o estatuto da Fundação Vanzolini, cujo primeiro item é apoiar a USP, e com o que eu achar que é de interesse da universidade, porque eu também sou cidadão, eu estou disposto a assinar”.

 

Matéria publicada no Informativo nº 252

EXPRESSO ADUSP


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