Paulo Vanzolini, o singular cientista boêmio

Falecido em abril aos 89 anos, Paulo Emílio Vanzolini, professor emérito do Instituto de Biociências da USP, deixou um legado excepcional sob muitos aspectos. Reconhecido internacionalmente por suas contribuições à zoologia, em especial à herpetologia, o singular Vanzolini notabilizou-se também como compositor de canções que se tornaram clássicas na música brasileira, sempre temperadas por seu humor cáustico e uma ironia ferina.

Fancisco Emolo
Paulo Vanzolini

Vanzolini dirigiu, por décadas, o Museu de Zoologia da USP. Os pesquisadores Francisco Inácio Bastos e Magali Romero Sá, da Fiocruz, classificam-no como “um dos mais importantes herpetologistas do mundo”, em artigo publicado em 2011 no qual registram o variado trabalho desenvolvido por ele, que inclui, além das publicações dos achados de suas pesquisas, “atividades de curadoria museológica, atuação na formulação de políticas científicas”, e “contribuições a diferentes áreas de conhecimento como bioestatística, biogeografia e história das ciências”.

Os pesquisadores da Fiocruz destacam as análises, feitas por Vanzolini, do legado científico de naturalistas como Spix, von Martius, Agassiz e outros, “a partir da retomada de fontes originais” e que representam “valioso repositório de informações históricas e científicas”. Contudo, eles consideram que o olhar heterodoxo de Vanzolini, sua ironia profunda (ora explícita, ora nas entrelinhas), bem como as suspeitas recíprocas existentes entre acadêmicos do campo das humanidades e acadêmicos do campo das ciências naturais, talvez tenham resultado no “modesto impacto dos escritos de Vanzolini” na corrente dominante da história da ciência no Brasil (“O cientista como historiador: Paulo Vanzolini e as origens da zoologia no Brasil”, História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 2011).

A singularidade de Vanzolini está presente também na sua obra artística. Composições aclamadas como “Ronda” (1951) e “Volta por Cima” (1959), hoje incorporadas ao patrimônio cultural paulista e brasileiro, surgiram de modo amador, quase displicente. O autor pouco conhecia de música, confessadamente. Seu talento como compositor nasceu do espírito boêmio e da sua condição de observador mordaz das amarguras da vida. Ele próprio desdenha de “Ronda”: “É muito piegas. Tem gente que diz que ‘Ronda’ é o hino de São Paulo. Que belo hino! É a história de uma prostituta que vai matar o amante”.

“Cobras e lagartos”

O cientista e sambista também se envolvia em polêmicas com alguma facilidade. Certa vez atacou o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), de Belém, importante centro de pesquisas: “O trabalho do Museu na Amazônia é zero”, declarou Vanzolini à Folha do Meio Ambiente em 2001. Em resposta, o pesquisador Peter Mann de Toledo, então diretor do MPEG,  pediu a Vanzolini para “não criar intriga” e não ser “preconceituoso”.

A antipatia de Vanzolini com o MPEG tinha relação com incidentes que remontam a 1985, quando participou de um levantamento faunístico e florístico e da população de mamíferos do Xingu. O trabalho integrava os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) para construção da Usina Hidrelétrica Kararaô, hoje Belo Monte. Porém, como o trabalho de Vanzolini não dispunha de autorização, o Ibama confiscou a coleção de pássaros e mamíferos coletados por ele, a qual, em razão do contrato firmado entre Vanzolini e o consórcio de empresas que contratou seus serviços, seria entregue ao Museu Field de Chicago. Além disso, a direção do Ibama decidiu confiar ao MPEG a guarda do acervo apreendido.

Outra polêmica famosa deu-se com o músico Caetano Veloso, autor de “Sampa”, bela canção que homenageia a capital paulista. Ocorre que “Sampa” contém nada menos do que 14 acordes de “Ronda”, o que levou Vanzolini a acusar Caetano de plagiador. “Uma música é considerada plágio quando tem oito compassos de outra. ‘Sampa’ tem 14 compassos de ‘Ronda’. É uma citação”, declarou ao Jornal do Brasil, em 2000.

 

Informativo nº 366

EXPRESSO ADUSP


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