Em greve contra riscos ambientais, EACH derruba direção autoritária

Docentes, estudantes e funcionários da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) estão em greve desde 11/9, em razão dos riscos ambientais existentes no campus. O estopim do movimento foi a colocação, em alguns locais da unidade, de placas de advertência que informavam estar a área interditada, por conter contaminantes. Nesse mesmo dia, em reunião aberta da Congregação da EACH com a participação de cerca de 250 pessoas dos três segmentos, foi aprovada, com apenas três abstenções, proposta de afastamento do diretor Jorge Boueri e do vice-diretor Edson Leite, que estavam presentes.

Daniel Garcia
Votação do afastamento de Boueri (na mesa, encoberto). Acima, placa da SEF

No início da reunião aberta, conduzida, a princípio, por Boueri e Leite, os membros da Congregação comprometeram-se a acatar as deliberações que viessem a ser tomadas, referendando-as na próxima reunião regular do colegiado, prevista para 18/9. A decisão de afastar o diretor e o vice, aprovada ao final dos trabalhos após acalorados debates, foi endossada em seguida pelos nove membros da Congregação presentes, que assinaram requerimento manuscrito com este teor.

O professor titular Luis Menna-Barreto, decano da unidade, foi declarado diretor interino. No entanto, como o regimento da unidade e o Estatuto da USP não preveem a hipótese de afastamento de diretores, há incerteza quanto aos desdobramentos das decisões de 11/9. Os docentes, reunidos em assembleia à tarde, decidiram buscar antecipar a reunião da Congregação.

Acusações

Na reunião aberta, realizada no Salão Azul, mais de vinte pessoas se pronunciaram, na maioria estudantes e docentes, mas também funcionários. As acusações feitas “ao vivo” ao diretor e ao vice-diretor foram muitas e graves, incluindo conduta irresponsável quanto ao passivo ambiental do campus; corrup­ção ou conivência com atos corruptos; perseguição a dissidentes por meio de sindicâncias e outras medidas administrativas; censura do correio eletrônico da unidade. Boueri e Leite procuraram rejeitá-las, mas não foram convincentes. Ao menos um momento merece registro: quando os estudantes gritaram, em coro, “Fora Boueri!”, ele bateu palmas junto, acompanhando, em voz baixa, a palavra de ordem.

Boueri procurou se mostrar receptivo às críticas: “Podemos ter uma comissão assessora com cinco alunos, cinco funcionários e cinco professores. Não vejo problema”, comentou em relação à proposta de criação de uma comissão tripartite (mais tarde aprovada). Os alunos destacaram, nas intervenções, a necessidade de eleições diretas para diretor e mudança do regimento. “Nessa democratização, pode contar desde já com meu voto. Nós temos que dar realmente uma oxigenada”, declarou Boueri, provocando gargalhadas.

Mais tarde, ele chegou a fazer uma proposta de conciliação. “Se tiver renúncia, vocês vão ser obrigados a fazer eleição nos moldes antigos. Eu quero antecipar esta eleição. Divulgo hoje o edital da eleição para 11/10. A Congregação se compromete a respeitar a consulta que houver. No dia que sair eu passo a direção para ele ou para ela, sem nenhum problema”. A proposta de Boueri foi rejeitada por todas as categorias, recebendo apenas três votos favoráveis, e a proposta de afastamento foi vitoriosa. Anunciado o resultado pela professora Elizabete Franco, da Congregação, que coordenou as votações, diretor e vice afastados deixaram o Salão Azul antes do término dos trabalhos, provocando a revolta dos alunos.

Imbróglio

As placas que comunicam a interdição de algumas áreas do campus leste foram instaladas pela Superintendência do Espaço Físico da USP (SEF) e não pela Cetesb, como se acreditou de início. Boueri mandou retirar as placas. Ele se disse surpreso com a instalação delas e desconhecer sua origem. A Cetesb, por sua vez, embora tenha exigido da USP uma série de medidas corretivas e preventivas, nega que a área ofereça riscos e precise de interdição.

O imbróglio ambiental na EACH remonta à escolha do campus (vide Revista Adusp 49: goo.gl/hSpQB2). Há bolsões de metano no subsolo, como resultado da deposição de lama tóxica retirada do rio Tietê. O lance mais recente data de 2011, quando houve a deposição ilegal, no campus, de terra de proveniência incerta, recebida de modo irregular e contendo outros conta­minantes. Até agora não há expli­cação satisfatória para este aterro.

A professora Adriana Tufaile, representante dos docentes no CTA da unidade e diretora da Adusp, explicou na reunião aberta que as exigências formuladas pelos docentes em greve incluem o atendimento das recomendações da Cetesb, transparência dos atos da direção e apuração de responsabilidades: “O diretor do Parque Ecológico do Tietê notificou o diretor da EACH sobre o crime ambiental cometido”, disse ela. “Houve um erro administrativo grave. Esse aterro não tem contrato”.

Roberto Ortiz, representante dos professores associados na Congregação, lembrou que a licença ambiental de operação, concedida pela Cetesb para o campus em 29/11/2012, tinha validade de cinco anos, desde que houvesse uma série de ações em até 90 dias. “Esse prazo acabou em fevereiro. Parte das solicitações da Cetesb se repete no auto de infração de 2/8/13”, frisou o professor. “Não posso concordar com a afirmação de que a direção foi pega de surpresa”.

A professora Silvana Godoy, da Congregação, reforçou a denúncia de falta de informações confiáveis: “Não temos acesso [nem mesmo] às atas”, destacou. “Quem colocou essa terra aí? Quanto custou? Quanto vai custar para tirá-la? Por que a Cetesb está pedindo para tirá-la? Movimento de terra é crime ambiental”.

Cetesb explica

No dia 12/9, uma comissão da EACH, composta pelo diretor afastado, pelos professores Menna-Barreto, Elizabete Franco, Paulo Sinisgalli e representantes dos alunos e dos funcionários, foi recebida pelo presidente Otavio Okano e diretores da Cetesb. Okano e os técnicos da Cetesb tentaram esclarecer as dúvidas quanto à contaminação e os riscos à saúde, mas não apresentaram os documentos e os laudos técnicos; porém, comprometeram-se a dar acesso a esses papéis até 16/9. Já a movimentação de terra de 2011 não foi tratada na reunião. Okano quase suspendeu a reunião quando alunos e docentes que se encontravam no térreo tentaram ingressar no auditório da companhia. No final, a Cetesb comprometeu-se a comparecer em reunião na EACH na quarta-feira 18/9, para discutir os documentos fornecidos em 16/9.

A assembleia conjunta de docentes, funcionários e estudantes da EACH, realizada na sexta-feira 13/9, deliberou: manter a greve por tempo indeterminado para as três categorias; manter as atividades de greve nas dependências da EACH; contatar comissões de saúde e meio ambiente da Alesp; colocar placas informativas em substituição às placas retiradas, alertando sobre risco de saúde; encaminhar questões organizativas da greve, incluindo a constituição de um comando composto por cinco representantes de cada uma das categorias.

As instâncias da Adusp acompanharão com atenção o desenrolar dos acontecimentos, colaborando e participando ativamente da luta dos colegas da EACH em prol de condições dignas de trabalho acadêmico.

Informativo nº 369

EXPRESSO ADUSP


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