Quase todas as poltronas do auditório do Conselho Universitário foram ocupadas por docentes (em grande número), estudantes e funcionários da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP), para uma reunião com o titular da Superintendência do Espaço Físico (SEF), professor Osvaldo Nakao, que o reitor designou como “gestor da crise” da unidade. Contudo, ao final do encontro que durou cerca de três horas, os sentimentos de irritação e frustração eram evidentes nos comentários (e semblantes) dos docentes. Nakao admitiu que até aquela data, 18/2, a USP não havia conseguido um local para abrigar a EACH enquanto durar a interdição do campus leste.

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Intervenção da professora Bete Franco durante a reunião no auditório do Conselho Universitário. Na mesa, professores Marcos Bernardino, Osvaldo Nakao e Paulo Sinisgalli

O superintendente do Espaço Físico tentou convencer a comunidade da EACH de que a solução mais viável seria o retorno ao campus assim que houvesse a desinterdição, num contexto que envolveria a assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) no qual seria concedido novo prazo para implementação de algumas medidas (o campus da EACH está interditado por decisão judicial desde 9/1). “Não é fácil encontrar 25 salas disponíveis de manhã, tarde e noite”, disse Nakao quando questionado, referindo-se à necessidade de espaço para oferecer aulas aos 5 mil alunos da unidade. “A melhor opção é voltar aos nossos locais”.

Porém, em intervenções contundentes, diversos docentes cobraram a urgente definição de uma nova sede para a EACH, reafirmando ainda, como condição para o retorno às atividades no campus leste, o pleno cumprimento dos 13 condicionantes definidos pela Cetesb. Paulo Sinisgalli e Marcos Bernardino de Carvalho — docentes que integram, respectivamente, o Grupo Técnico e a Comissão Ambiental da EACH, e compuseram a mesa com Nakao — reforçaram com argumentação técnica o entendimento de que não é prudente expor a comunidade sem que esteja concluído o estudo de riscos para a saúde humana, que levará no mínimo três meses para ser iniciado.

De positivo na reunião restou apenas a afirmação de Nakao, em resposta a questionamentos, de que há recursos para empregar na remediação do campus: “Todos os recursos serão investidos na EACH”. Na sua exposição inicial, ele mencionou que em 2013 o déficit da USP foi de R$ 1 bilhão e chegou a insinuar que a instituição “não tem dinheiro” para medidas como a retirada do aterro ilegal da EACH, cujo custo é estimado pela SEF atualmente em R$ 20 milhões. Mas ao final da reunião, indagado a respeito pelo Informativo Adusp, o superintendente declarou que, caso seja necessária a retirada de toda a terra, a USP o fará, independentemente do custo.

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Professor Marcos Bernardino (EACH) e superintendente Osvaldo Nakao (SEF) durante o debate

O dirigente da SEF comunicou o fim do contrato com a Servmar, empresa que prestava consultoria ambiental nos assuntos da USP Leste. Uma nova empresa foi contratada: a Weber Ambiental.

Desrespeito

Alguns docentes consideram que a tentativa da Reitoria — representada na ocasião por Nakao e por Arlindo Philippi Jr., prefeito do campus — de minimizar os riscos à segurança e à saúde existentes na EACH constituiu um “grande desrespeito” à comunidade.

Quanto à presença de metano no subsolo e seu vazamento para áreas internas dos edifícios da EACH, a SEF avalia que apenas três dos 115 pontos onde foi detectado esse gás apresentam concentração entre 5% e 15%, considerada a faixa de explosividade. “Várias regiões de São Paulo têm metano confinado embaixo do solo”, disse Nakao, que também citou informação que lhe foi transmitida por um pesquisador de que “não há, na literatura, nenhum episódio de explosão” provocada por gás metano, em circunstâncias similares às da EACH. Além disso, fez referência à sua origem japonesa para alegar que está “acostumado com calamidades” e teceu uma analogia, procurando naturalizar a presença do ser humano em condições ambientais adversas.

Philippi Jr., na sua única intervenção no debate, após comentar que a “desinformação plena” foi substituída pela “transparência real”, e que agora “as instituições da USP estão agindo em conjunto”, ironizou pergunta encaminhada ao superintendente pela professora Michele Schultz, relativa à eventualidade de uma imediata desinterdição da EACH (“A USP atesta que não há riscos de explosão e de contaminação?”). “Quem me garante que ao sair desta sala não serei atingido fatalmente e morrerei?”, arriscou o prefeito, causando constrangimento.

Surpresas

Algumas das informações prestadas por Nakao surpreenderam os próprios membros do GT e foram contestadas por eles. Carvalho observou que os pontos de alta concentração de metano são em número bem maior e que muitos deles teriam mais de 15% de concentração, chegando até a 40%. Acrescentou que há necessidade de investigar se os bolsões profundos de metano na área, situados a cinco metros abaixo do solo ou mais, não estão abastecendo o metano mais superficial, conforme indicam estudos realizados pelo professor Carlos Mendonça, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP).

Nakao relatou a existência em toda a extensão do campus (e desde a implantação deste) de uma “tubulação geomecânica” de 4 polegadas, cuja função seria a de drenar o metano, mas que não teria funcionado a contento porque o lençol freático encontra-se muito próximo da superfície do solo. Também comunicou a realização, em janeiro último, de um teste de estanqueidade dos poços de monitoramento do metano, acompanhado pela Cetesb.

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Professora Michele Schultz questionou a USP quanto às condições de trabalho do campus leste

Carvalho e Sinisgalli manifestaram surpresa e até estranheza diante de tais informações. “Na semana passada perguntamos sobre o teste de estanqueidade. A informação era de que não havia sido feito”, disse Carvalho, que também colocou em dúvida a existência do sistema geomecânico em todo o campus.

Ao comentar a proposta de Nakao de “voltar aos nossos locais”, Sinisgalli mencionou que o estudo detalhado necessário para se investigar os riscos à saúde humana no campus leste só terá início dentro de três a quatro meses, e levará de seis meses a um ano para ser concluído. Em seguida, citou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, ao julgar um caso de grave contaminação, preferiu manter a interdição, adotando o “princípio da precaução”.

Na mesma linha, Carvalho afirmou que, se as questões relativas ao metano estão parcialmente equacionadas, a descontaminação do solo envolve “um passo gigantesco a ser dado”, dando como exemplo o fato de que, mesmo que as áreas sabidamente contaminadas sejam isoladas por tapumes, “o ascarel [composto orgânico derivado do petróleo, de toxicidade persistente e potencialmente carcinogênico], o pior dos contaminantes”, persistirá na beira das calçadas. “Será que pode haver desinterdição sem se ter um diagnóstico mais completo?”

Na sua intervenção, a professora Bete Franco recordou a decisão do movimento da EACH de só aceitar o retorno ao campus leste se cumpridas todas as exigências da Cetesb: “Vemos com bons olhos a possibilidade de um TAC, mas desde que contemple as reivindicações da comunidade”, disse. Ela argumentou que as decisões técnicas devem levar em conta essa perspectiva: “Se vai gramar ou interditar a área contaminada, ou se vai retirar a terra, faz diferença”, exemplificou.

“Fomos nós que fizemos essa escola, em condições bastante adversas”, disse, referindo-se ao conjunto da comunidade. “A instituição é bastante desrespeitosa conosco. Não queremos mais ser desrespeitados. Queremos uma garantia”, enfatizou. “Não estou num discurso de pânico. Mas temos laudos da própria Servmar, contratada da USP, que mostram os contaminantes”.

Bete referiu-se ao seminário “Contaminação Ambiental e Saúde, o caso da USP Leste”, realizado em 14/2 na Escola de Aplicação, citando o que foi dito por um sanitarista do Centro de Referência da Saúde do Trabalhador (pertencente à Secretaria Municipal da Saúde): “Qual é o preço de uma vida?”, e cobrou mais seriedade da USP.

O professor Carlos Brito, que falou em seguida, dialogou com o mote deixado pela colega: “Somos o segundo menor orçamento da USP. A Universidade já precificou nossas vidas”. Ele elogiou a reunião, mas destacou a necessidade de a Reitoria fornecer informações por escrito. Cobrou ainda providências contra os responsáveis por desmandos e crimes ambientais: “Quais medidas estão sendo tomadas pela atual Reitoria para investigar quem nos botou nessa situação?”

Questionamentos igualmente duros partiram de vários professores que pediram a palavra para cobrar da Reitoria um “plano B”, isto é, a definição de um local alternativo para abrigar as atividades da EACH enquanto durar a interdição do campus leste. “Qual o ‘plano B’? Para onde iremos?” perguntou a docente Silvana Godoy, arrancando aplausos. “Nós queremos trabalhar. Onde é que nós vamos trabalhar?”

O professor Josmar Andrade referiu-se a uma declaração atribuída ao reitor, de que “não importa onde, as aulas da EACH começarão em 10 de março”, para então perguntar se existe uma alternativa ao campus leste. “Tenho um problema efetivo. Meu notebook está aberto e tenho 50 alunos me perguntando se alugam república, ou se se mudam para São Paulo, e 50% deles moram na zona leste”. E finalizou com uma interrogação: “No dia 10 me apresento onde para trabalhar?”

Diante das explicações do dirigente da SEF, a professora Bete ponderou: “Estamos entendendo as dificuldades. Mas não podemos viver nessa indefinição, ad infinitum. Estamos reivindicando da universidade um posicionamento mais nítido”. Nakao reiterou então que a SEF vem procurando um local, mas admitiu que ainda não tem uma solução: “Eu não tenho uma resposta”. A professora rebateu: “Esta resposta não está atendendo à necessidade da comunidade”.

A professora Flávia Mori, coordenadora de pós-graduação da EACH, mostrou-se indignada com a tentativa de Nakao de apresentar o adiamento do início das aulas para 10 de março como uma decisão consensuada entre os docentes e a Reitoria. “Tomamos essa decisão unilateralmente”, menos de uma semana antes do início previsto para as aulas, explicou ela.

A professora Maria Cristina Motta de Toledo, diretora da EACH, disse que essa data pode ser alterada novamente, caso haja necessidade: “Esse prazo de 10 de março foi uma avaliação [temporária] que nós fizemos e que a gente reavaliaria a cada semana”. Ela manifestou confiança na continuidade da EACH e no trabalho realizado.

Informativo nº 376

EXPRESSO ADUSP


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