Reflexões sobre a greve em curso

Decorridos quase 30 dias do início da greve (em 27/5), cabe fazer uma avaliação de conjuntura do movimento, que leve em conta os passos que demos até aqui; os fatores que alimentam a intransigência dos reitores; o papel desempenhado por importantes protagonistas externos, como o governador e a mídia comercial; e, evidentemente, a evolução das finanças públicas e dos repasses às universidades.

Não custa lembrar que temos quatro eixos de reivindicação, sendo que os três primeiros são os mais importantes: 1. Arrocho não!; 2. Aumento do investimento de recursos públicos nas universidades estaduais; 3. Transparência e controle dos recursos e gastos das universidades; 4. Necessidade de mudança do teto salarial.

Por outro lado, apresentamos propostas concretas, razoáveis, factíveis para todas estas reivindicações. Vejamos:

1. a) Há tempos vimos alertando o corpo da universidade de que a “solução clássica” da administração para eventuais dificuldades financeiras é o recurso ao arrocho de salários, isto é, à imposição de perda salarial para financiar a operação das universidades;

b) Para combater esta perspectiva na USP, nos valemos de dados do próprio orçamento aprovado pelo Conselho Universitário (Co) em 25/2, isto é, as previsões de R$ 129 milhões de reserva de ajuste, justamente para este fim; e R$ 195 milhões de remuneração financeira.

Juntas, tais rubricas totalizam R$ 324 milhões, permitindo uma enorme margem para negociação salarial na data-base (maio de 2014). Só para registrar: R$ 260 milhões seriam suficientes para conceder 7,05% de reajuste para docentes e funcionários técnico-administrativos de maio a dezembro de 2014. À semelhança, cálculos como estes poderiam ser feitos nos casos da Unesp e da Unicamp.

c) Note-se que, com isso, estamos deixando parte do crescimento nominal do ICMS em 2014 “fora da conta”, possibilitando algum ajuste no comprometimento da USP. O crescimento acumulado do ICMS arrecadado deve ficar este ano em torno de 7,5%. 

2. No entanto, a necessidade de aumento do investimento do Tesouro Estadual na USP, Unesp e Unicamp é real, pois, além de arcarmos com a folha dos aposentados, houve um esforço muito significativo de expansão nas três universidades, sem a correspondente expansão perene de recursos. Quanto a esta questão, identificamos e denunciamos perdas de recursos; e propusemos formas objetivas de superá-las. As perdas possuem três origens distintas:

a) Nota Fiscal Paulista (NFP), um programa do governo que está sendo financiado com a retirada de recursos dos municípios, da Educação, da Saúde e de outros direitos sociais. Para acabar com isto é preciso mudar a lei que instituiu o programa;

b) O desconto do montante destinado à Habitação, antes do cálculo dos 9,57%, que é irregular, mas foi acordado entre o governo e o Cruesp;

c) Devido à interpretação dada ao texto do artigo 4º da LDO, o governo retira da base de cálculo dos 9,57% diversas alíneas estritamente ligadas ao ICMS, tais como: juros de mora, juros da dívida ativa, parcelas do Programa de Parcelamento Incentivado (PPI) e Programa Especial de Parcelamento (PPE). No entanto, ao repassar aos municípios o ICMS a eles devido, o governo estadual paga todas essas alíneas.

Apresentamos também os números que revelam a “concretude” da desconsideração de todas estas parcelas, demostrando, com clareza, a perda da qual falávamos há anos. 

Pois bem: para resolver os problemas referidos nos itens (b) e (c), propomos mudar o texto do artigo 4º da LDO-2015, incluindo a expressão “do total do produto do ICMS”, proposta já apresentada duas vezes na Assembléia Legislativa (Alesp), sendo que o governo não deixou passar. O montante da perda de verbas das universidades pelo fato de o governo Alckmin desconsiderar tais parcelas é de mais de R$ 1,4 bilhão entre 2008 e 2013! E a sangria continua em 2014…

Se somarmos a perda devida à NFP, este montante ultrapassa R$ 2 bilhões entre 2008 e 2013! 

d) Disposto a expandir os recursos necessários para dar sustentabilidade perene ao grande esforço de expansão das universidades estaduais paulistas a partir de 1995 — quando a alíquota destinada às universidades passou de 9% para 9,57% — o Fórum das Seis articulou-se na Alesp para que fossem apresentadas propostas de emendas à LDO-2015 com as alíquotas de 10,5%, 11% e 11,6% para as universidades (no lugar dos atuais 9,57%), todas com o enunciado que nos interessa: “total do produto do ICMS…”. Há ainda a possibilidade de a relatora (deputada Maria Lúcia Amary, do PSDB) apresentar emenda de sua autoria, com números diferentes. 

3. Quanto à transparência das contas e ao controle do que entra e sai, questão esta intimamente ligada à democratização das estruturas do exercício de poder, aponta­mos a necessidade de: a) publi­ca­ção de dados brutos (não agre­ga­dos), de forma a permitir acom­pa­nhar a entrada e a execução de todos os recursos das universidades, incluindo as verbas próprias; b) exame detalhado e público de todas as contas da gestão Rodas e da presente gestão é essencial. Em particular, exigimos e denunciamos que a destinação de R$ 609 milhões para obras em andamento (R$ 192 milhões) e restos a pagar (R$ 417 milhões) merece escrutínio cuidadoso; caso sejam irregulares, os contratos correspondentes podem ser corrigidos e ou declarados nulos de direito. 

Há mais, porém! A Adusp contribuiu significativamente para o debate sobre democratização, consolidando documentos que versam sobre “Concepção de Universidade”, “Ensino, Pesquisa e Extensão” e “Gestão democrática, necessidade de transparência e responsabilidade social”. Estes documentos são públicos e foram apresentados no Co de 3/6, constituindo-se na única intervenção mais abrangente, mais completa e mais organizada sobre os temas em questão (como reconhecido, na ocasião, por diversos conselheiros). 

4. Apresentamos farta argumentação sobre a necessidade de mudança das regras do teto salarial no Poder Executivo, avançando, em conjunto com outros setores do funcionalismo estadual, no sentido de buscar uma solução para esta questão, dadas as limitações impostas pelas reformas da Previdência dos governos FHC e Lula: mudar a Constituição Estadual para que o teto salarial passe a ser 90,25% do subsídio de um ministro do STF, a exemplo do que foi feito em Pernambuco. Tal providência é autorizada pela Emenda Constitucional 47/2005 e faria com que o teto passasse hoje a ser de R$ 26.589,68.

Conclusões por ora

O resultado político e prático da racionalidade das propostas e soluções que apresentamos aufere grande legitimidade à greve no interior das universidades, embora tal legitimidade não implique, na USP, a extensão ou adesão necessária a um maior avanço do movimento. 

Embora muito importante, essa racionalidade por si só não basta para promover, imediatamente, a reversão ou mesmo a suspensão da implantação em curso de um projeto privatista, produtivista e de mercantilização da universidade pública. Precisamos nos preparar para um embate no mais longo prazo; sendo assim, nesta conjuntura, ajudar a empregar a energia do movimento de modo sábio é vital!

Por outro lado, a consistência e a legitimidade das propostas e soluções referidas provoca imenso desgaste político, tanto ao Cruesp como ao governo Alckmin. Na USP, não há memória de reitor que tenha se transformado de “herói” em “vilão” tão rapidamente, que tenha sido desmascarado em tão pouco tempo e, assim, perdido o seu “capital político”. 

O movimento foi capaz de produzir fatos políticos importantes: os atos na Alesp, em frente à Reitoria da Unesp, a ida à Reitoria da USP, a mobilização em Ribeirão Preto por ocasião da visita do reitor, a Aula Pública na Praça da Sé e outros. O trabalho da Comissão de Mobilização da Adusp, reconhecido e elogiado, constituiu-se em um ganho organizativo muito importante. 

Nossas tarefas na Alesp não estão terminadas, muito ao contrário. Voltamos à casa na terça, 24/6, e na quarta, 25/6, para pressionar a Comissão de Finanças e Orçamento e Planejamento (CFOP) em defesa do acolhimento das nossas propostas para a LDO-2015, e certamente teremos de retornar em novas datas.  

Além disso, há uma densa programação prevista para esta sexta-feira, 27/6, diante da Reitoria da USP, o que inclui festividades juninas, pois a alegria sempre fez parte de nossas atividades: decididamente não compactuamos com o mau-humor da oligarquia que desgoverna esta universidade! O ato público de 27/6 e os futuros tópicos da agenda de greve estão sendo organizados e serão promovidos com determinação e entusiasmo, ainda que ao reitor incomode a “dinâmica sindical” (sic) que resiste na instituição!

Com que lidamos?

Além de um bloqueio contra nós cada vez maior da mídia, acompanhado da publicação de matérias escandalosamente enviesadas (vide, p. ex., entrevista de Zago à revista Veja), há também a influência direta do governo Alckmin, provavelmente ameaçando reitores caso seja alterado o artigo 4º da LDO-2015: “Muda-se algo e eu veto”. Uma consequência disto, na prática, poderia ser a perda da autonomia, aspecto este que já enfrentamos por duas vezes, com sucesso (recorde-se a frustrada tentativa de Serra, em 2007). De que outro modo haveríamos de entender o discurso dos reitores de que a autonomia das universidades “está ameaçada”?

É bom lembrar que governos conservadores abominam ter que lidar com verbas vinculadas e farão o que puderem para livrar-se delas. Ademais, há o dado estrutural da reforma neoliberal ainda em curso, ou seja: a desobrigação do Estado com os direitos sociais, juntamente com tentativa recorrente de transformação desses direitos em mercadoria. Esta análise, bem conhecida, de forma alguma conduz à conclusão de que devemos deixar de insistir em nossas propostas, porque o custo político de um eventual veto do governador Alckmin seria muito alto, em especial num ano eleitoral como é 2014.

O dano causado às universidades estaduais paulistas pela gestão Rodas, do qual participaram os atuais reitor e vice-reitor da USP — os quais agora afirmam “não sei, não vi, não participei” — é enorme, tornando-se um instrumento do governo Alckmin. Se, de um lado, é urgente a ampliação de recursos para estas instituições, de outro lado os desmandos do reitor Rodas e companhia dão margem à alegação de que o problema se deve apenas à “má gestão”. É como se as outras duas universidades não fossem testemunhas da urgência da ampliação de verbas vinculadas, sob o risco de destruição do importante patrimônio cultural, artístico, educacional, científico e tecnológico representado por estas universidades. Sabe-se que, para destruí-las, bastam alguns anos de arrocho e sucateamento; ao passo que para construir algo do porte da USP, Unesp e Unicamp levam-se décadas. 

Em associação a este quadro, temos de enfrentar a intransigência, o autoritarismo, a inépcia do Cruesp. Basta lembrar que a presidente do Cruesp assumiu “ter compro­misso” de contribuir para que emenda à LDO-2015 fosse feita, contemplando a expressão “total do produto do ICMS”, mas sequer foi capaz de conseguir que algum deputado apresentasse tal emenda. Pior, porém, é o reitor da USP:

  • Agride e desprestigia publicamente a universidade, como fez em Ribeirão Preto ao afirmar que a USP não dá o devido retorno à sociedade, trazendo à lembrança o crime da lista dos “improdutivos” perpetrado pelo ex-reitor José Goldemberg; 
  • Alega a docentes e funcionários que o arrocho salarial é inevitável, ao mesmo tempo em que sinaliza ao governo que as universidades não precisam de mais dinheiro. O que será que ocorreu com o discurso do candidato Zago: “O problema da USP é político, não econômico”?
  • Ataca o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), que é um regime de trabalho essencial para o funcionamento de universidades dignas deste nome, dizendo que há RDIDP “demais”;
  • Deixa de responder energicamente a propostas inconstitucionais de ensino pago nas universi­da­des estaduais, chegando a declarar que esta “demanda da sociedade” precisava ser discutida na USP. E desde quando a posição do jornal Folha de S. Paulo expressa demandas sociais efetivas? 
  • Até hoje, não conseguiu entender ou por ordem na administração da universidade, incapaz de coordenar sua organização. O exemplo mais cabal desta incompetência é o modo inepto e irresponsável como conduz a a questão da EACH;
  • O dinheiro utilizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa para financiar os Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) veio de decisão de J.G. Rodas, para ser confiscado na presente gestão; ora, o então pró-reitor de pesquisa não sabia da sua origem, nem que poderia comprometer o orçamento da USP?!? Terá sido, então, um método nada democrático de fazer campanha com dinheiro público?

Embora inteiramente destituída de razão e desprovida de argumentos, frente a propostas de racionalidade e justeza indiscutíveis, a intransigência de Zago não será facilmente revertida. Incapaz de defender a instituição e administrativamente incompetente, ele se tornou representante e porta-voz do governo Alckmin, tirando proveito da estrutura autoritária em vigor na USP para rejeitar qualquer forma de interlocução quanto às questões salariais e de financiamento das universidades estaduais paulistas. Aguardemos para ver que efeitos práticos terão as resoluções de várias Congregações de unidades pela reabertura de negociações: FFLCH, IP, IME, EACH.

Trazer os reitores de volta à mesa de negociação não será tarefa fácil, uma vez que o Cruesp funciona por consenso. Assim sendo, torna-se muito importante debater os rumos que devemos tomar em futuro próximo, para enfrentar não apenas o arrocho de salários, mas para prosseguirmos na contraposição a um projeto de universidade que temos combatido há várias décadas. Ou seja: temos que incluir entre as nossas palavras de ordem o questionamento da Reforma do Estado, o que inclui a consigna “Fora o Protocolo de Bologna”! 

Informativo nº 384

 

EXPRESSO ADUSP


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