Terá Zago cruzado o Rubicão?

A leitura da entrevista concedida por Marco Antonio Zago à notória revista semanal Veja — que veio à luz nas páginas amarelas da edição de 25 de junho, sob o enigmático título “É preciso arriscar mais”  — deixa de imediato uma dúvida: qual dos dois se superou desta vez, o reitor da USP ou a publicação da Editora Abril cofinanciada por capitais sul-africanos (grupo Nasper)?

Zago comportou-se, frente aos repórteres de Veja, como César prestes a empunhar as rédeas do seu destino e tomar de assalto as cidadelas inimigas. Pensando estar cruzando o Rubicão da reforma universitária tão almejada pelos neoconservadores brasileiros, não mediu palavras: acionou a metralhadora giratória e não deixou pedra sobre pedra. Seus alvos? A universidade pública (que diz defender), o corpo docente em geral, a carreira docente, os direitos inerentes aos cargos, o RDIDP, os perigosos sindicatos…

Exagero? Para facilitar a avaliação dos leitores, elencamos as frases mais impactantes do reitor:

“Seria muito melhor se houvesse um orçamento anual definido e a prerrogativa de contra­tar ou demitir [professores] de acordo com o desempenho. Porém, o foco na qualidade e na meritocracia é algo estranho à administração do ensino superior no Brasil. A estabilidade precoce de professores e funcioná­rios paralisa as coisas. Isso não existe em nenhum outro lugar do mundo”.

“Isso [‘a USP implantar o modelo que privilegia a meritocracia’] depende de questões políticas e de leis federais. Mas, internamente, é preciso abandonar a dinâmica de sindicalismo na vida universitária”.

“Em lugares como Harvard ou … o MIT, os diretores das universidades contratam pesquisadores pagando o salário que consideram que eles valem. Aqui, isso não é possível. Não temos diferenciação salarial. Não oferecemos premiações”.

“Criamos também um grupo para propor mudanças no regime de dedicação exclusiva, revendo critérios de promoção e progressão na carreira”. 

“Os pesquisadores precisam se arriscar mais, sair da zona de conforto que os leva a projetos de sucesso garantido de antemão … o tempo passa, eles criam vínculos estáveis e passam a dispor de uma estrutura de pesquisa. Para quê? Para continuarem repetindo experimentos consagrados … Atualmente, no Brasil, tanto as univer­si­dades quanto as agências de pesquisa premiam a prudência e inibem a inovação”.

Mais ousado

A professora Priscila Figueiredo (FFLCH) ironiza a justaposição feita pela revista (“A falta de ousadia dos pesquisadores e a predominância da cultura sindicalista”) no texto de abertura da entrevista: “É, de fato, uma coisa deve se dar em razão da outra”.

Na opinião da docente, o reitor mostra-se ainda mais ousado que na entrevista anterior, concedida ao jornal O Estado de S. Paulo: “Lá, o jornalista perguntava sobre a possibilidade de acabar com a estabilidade e mudar o estatuto jurídico da USP — e ele, embora não recusasse efetivamente a proposta, ponderava que se tratava de algo difícil politicamente, na universidade e no governo; e então dizia, como quem tira um coelho da cartola, que ao menos no RDIDP era possível mexer. Agora, ele parece bastante robustecido para enfrentar as dificuldades políticas que dizia haver. A ênfase mudou”. É como se Zago dissesse, sugere Priscila: “Sim, dará trabalho, mexer em leis federais e tudo isso, mas e daí?”

Apoiando-se numa comparação feita por Noam Chomsky, Priscila vê um grande risco de, caso implantadas as medidas pretendidas por Zago, a USP tornar-se “um Walmart piorado: sem estabilidade, sem regime integral, sem sindicato, sem espírito crítico, mas com muito espírito de inovação!, o que quer que seja isso”.

Ainda segundo a professora, o reitor “parece missionado a realizar o grande projeto de Atcon”, um dos consultores americanos que vieram ao Brasil a pedido dos militares para elaborar diretrizes para reformas estruturais e funcionais nas universidades, compiladas no projeto MEC-Usaid. “Como disse Atcon: ‘Uma universidade autônoma é uma grande corporação, não uma repartição pública’. A impressão é que Estadão, Veja, Zago e tutti quanti estão muitíssimo preocupados com os surtos dos últimos anos de movimentos por mais democracia dentro da USP. Mencionam o sindicalismo, as greves dos últimos anos, e agora querem quebrar de uma vez por todas a  categoria, pulveri­zan­do-a na fauna do precariado”.

“Batalha decisiva”

Outro que contesta as afirmações do reitor é o professor Pierluigi Benevieri (IME), para quem até recentemente a estabilidade de professores e funcionários acontecia nas universidades de toda Europa, inclusive na Inglaterra, e a situação só mudou mediante o avanço do neoliberalismo. “A visão do atual reitor prevê uma transformação radical da universidade, do modelo de universidade. Cabe destacar que tais ideias, que provavelmente serão traduzidas em um projeto orgânico no próximo futuro, nunca foram debatidas na campanha para eleição do segundo semestre de 2013”.

Ainda segundo Pierluigi, a frase “É preciso abandonar a dinâmica de sindicalismo na vida universitária” é “tatcheriana [de Margaret Thatcher] no sentido estrito da palavra”, revelando a intenção de Zago de “destruir de fato a oposição sindical/política dentro da universidade”.

As palavras do reitor são finalmente coerentes com a sua postura, na opinião do docente. “Ele em primeira pessoa determinou e escolheu o conflito [e não a negociação]. Ele está se preparando para uma batalha radical e decisiva”, adverte o professor do IME. “Desmontar a atual universidade como entidade ao serviço da sociedade para transformá-la numa instituição de mercado e de lucro. Destruir a Adusp ou marginalizá-la faz parte do pacote”.

Informativo n 384

 

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!