“Repito: o reajuste é legal, é justo, mas neste momento não dá. Foi o que o reitor nos falou”. A professora Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado, diretora da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), voltou da reunião entre os diretores e a Reitoria, realizada em São Paulo em 15/8, de “cabeça feita” pelo discurso do reitor. A declaração acima foi feita por Cidinha, como é conhecida, durante uma reunião com docentes e funcionários técnico-administrativos da FOB, convocada por ela e realizada em 18/8, em Bauru, com a finalidade de dar a conhecer o “pacote” de medidas da Reitoria.

“Nós temos que enxugar o quadro em torno de 3 mil funcionários. Cair de 17.500 para 14.500, urgente[mente], porque se não no ano que vem não dá para dar aumento de novo”, justificou Cidinha, assumindo como sua a meta estipulada pela Reitoria para o Plano de Incentivo a Demissões Voluntárias (PIDV). “De acordo com o organograma que foi colocado lá — isso depende da aprovação, fique claro, do Conselho Universitário [Co] — se for implementado, a meta é que até março de 2015 isso já esteja andando e que em maio, junho do ano que vem a folha esteja em torno de 92%, portanto cabendo uma conversa, fora as outras medidas que nós relatamos aqui, cabendo sim, aí vamos fazer os reajustes… é uma questão de ajuste, gente, de a gente voltar a poder crescer. E com isso nós estaríamos dando o primeiro passo para acelerar o processo de recuperação financeira da Universidade”.

Na mesma linha, a diretora da FOB chegou a defender sem ressalvas o pretendido descarte, pela USP, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), conhecido como “Centrinho”, um dos principais orgulhos da unidade que ela dirige: “Isso já acontece com o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e já acontece com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP em São Paulo. A USP faz a gestão junto com a Secretaria porque a USP não tem mais condição por exemplo, se um médico sair, de contratar um médico para repor. Não tem condição de rechear o predião… Então ela precisa sim de uma parceria, preservando aqueles que são contratados da USP”.

Na reunião com o pessoal da FOB, durante a qual falou por mais de quarenta minutos sem parar, encerrando sem ouvir ninguém, Cidinha chegou a pedir aos docentes e funcionários, “em nome do professor Marco Antonio Zago, nosso magnífico reitor, a ajuda de vocês com sugestões, várias cabeças pensam melhor do que uma”, sem dar-se conta de que o “pacote” da Reitoria que ela mesma apresentou foi pensado en petit comité e já não cabem “sugestões”.

Idêntica sensação de non sense é provocada por outra frase da diretora: “Nós precisamos sentar e pensar como [é] que nós podemos fazer nossa parte. Para ter um retorno daquilo que nós precisamos, que é o nosso emprego. É uma questão de sobrevivência”. Para quem acabara de defender o PIDV e seus projetados 3 mil desligamentos, que têm como alvo preferencial, nas suas próprias palavras, “aqueles que estão na faixa de 55-67 anos de idade ou que têm 20 ou mais anos de Universidade”, a declaração de Cidinha soa estranha: sobrevivência de quem, afinal de contas?

A maior despesa

Ainda sobre a questão dos hospitais, embora tenha feito analogia com o HC de Ribeirão Preto, a diretora da FOB fez questão de assinalar: “lá ainda tem uma fundação [NR. Faepa]”, mas “esse modelo de fundação não vai se repetir”, garantiu. “No caso do HU seria a USP e a Secretaria da Saúde. Vai ter que passar pela Assembleia Legislativa, tem um caminho, que não é curto. As contratações serão feitas pela Secretaria”. Ela frisou que será mantida a “governança”, isto é: quem é contratado pela USP continuará pertencendo ao quadro de pessoal da universidade.

Sobre o Hospital Universitário (HU), que a Reitoria também pretende repassar, Cidinha reproduziu um comentário de Zago: ele teria dito que a “maior despesa hoje em termos de unidade para a Universidade de São Paulo é o HU”.

Após informar, também, que haverá “flexibilização da jornada de trabalho dos servidores técnico-administrativos”, ela procurou apresentar essa medida como absolutamente natural: “Que de repente, por exemplo, tivemos experiências aqui: ‘Olha, estou com a minha mãe doente, não posso ficar 40 horas aqui, eu quero reduzir a minha carga horária para 30’. Vamos facilitar essa mudança”, sustentou.

Um último ponto, relatou, seria a alienação de alguns imóveis: “Já foi divulgado na imprensa: é um imóvel ali na Rua da Consolação, estava se construindo ali um prédio, já existem interessados para a compra; e o Centro de Convenções para 1.300 pessoas ao lado da Veterinária, perto da Odontologia na Cidade Universitária do Butantã, aonde [sic] também estamos procurando parceiros para que terminem essa construção, e que a gente possa utilizar, mas que o gasto não pode sair do cofre da USP”.

Docentes em risco

Um ponto que chamou a atenção no discurso de Cidinha: ao comentar o PDVI, ela disse tratar-se de um programa de “demissão voluntária, num primeiro momento, de servidores técnico-administrativos” (destaques nossos). Mais adiante, acrescentou: “Ao contrário do que foi noticiado, isso ainda não está estendido aos docentes. Existe um grupo de trabalho que está estudando planos diferenciados para os docentes, isso não está nada certo; falaram que vai ser pago, que o docente vai poder exercer regimes dife[rentes]… Não. Existe um grupo de trabalho na Reitoria e o professor Paulo Conti, por indicação nossa, faz parte desse grupo de trabalho, portanto poderá nos trazer assim que ficarem definidas algumas coisas…” [NR. Aqui, a professora parece referir-se ao GT Atividade Docente.]

Ainda sobre o PDVI, a diretora da FOB apresentou uma série de dados: “Seria um custo de aproximadamente R$ 36 milhões para a folha, que corresponde a 10% do pagamento. O investimento para essa finalidade seria da ordem limite de R$ 400 milhões, isso já foi estudado, e causaria um impacto na emissão da folha em torno de 6,5% a 7,5%”.

“Qualquer um que quiser se inscrever no PIDV poderá se inscrever, desde que seja servidor celetista. E quais seriam os planos de indenizações? Veja bem, ele precisa ser aprovado pelo Co. Um salário por ano de trabalho na USP, limitado a vinte salários, tá? Mais o valor equivalente a 40% do FGTS. Isento de Imposto de Renda. E o valor das indenizações seria limitado por grupo, não se falou do limite da indenização mas se vocês fizerem uma conta… É o salário-base, sem quinquênio, mas mesmo assim… nós fizemos uma conta por baixo lá, um nível superior por exemplo poderia sair até com 300 mil reais nesse PIDV [NR. O texto oficial da Reitoria fala em “valor máximo de R$ 400 mil para cada funcionário”]. Tá? Então essas seriam as ofertas”.

Corte de ponto 

Realizada no Teatro da FOB, a reunião foi gravada a pedido da própria diretora,  “para que não haja distorções depois daquilo que eu falei” e porque “estamos vivendo um momento de muitas informações equivocadas, algumas totalmente inverídicas”. Cidinha reclamou que vem sendo “fortemente atacada” em razão dos cortes de ponto praticados na unidade contra os funcionários que aderiram ao movimento de greve. Sobre isso, adotou um discurso ambíguo: ao mesmo tempo em que procurou eximir-se de responsabilidade nos cortes, defendeu a posição da Reitoria.

Na versão da professora, ela estava de férias quando o vice-diretor Carlos Ferreira dos Santos teria decidido atender ao comunicado do reitor sobre o corte de ponto: “Vamos lançar o código de greve”, teria dito Santos, “portanto os pagamentos estarão suspensos até que a justiça julgue a legalidade ou não desta greve, e julgando legal, paga-se; se for julgada ilegal — também corre esse risco — não paga-se e não conta nem para a aposentadoria esse tempo de dias parados”. “Bom, é a justiça que vai decidir, não sou eu”, afirmou a diretora.

“A Lei de Greve e a CLT é clara [sic] quando faculta ao empregador suspender o pagamento dos salários no período da greve. Havendo esse entendimento, coube ao nosso reitor, professor Marco Antonio Zago, aplicar a Lei de Greve”, disse candidamente a diretora da FOB. No discurso de Cidinha, Zago agiu assim por entender que “olhando na maioria dos campi, menos de 10% a 12% dos servidores é que estavam paralisados; em respeito aos 90% que ainda estavam trabalhando, ele aplicou a Lei de Greve” [NR. O entendimento do TRT-SP a respeito é totalmente diferente e a USP sofreu uma acachapante derrota].

Ainda segundo a diretora da FOB, na reunião de 15/8 entre Reitoria e diretores foi dito que aqueles que “não lançaram o código de greve”, isto é: recusaram-se a cortar o ponto, responderão “junto à Reitoria e aos órgãos que forem competentes por improbidade administrativa”. Ela disse na reunião que solicitou “inclusive força policial para poder devolver o acesso aos nossos prédios”, por estarem ocupados por funcionários em greve. Afirmou que vai “tomar as providências no nível interno e também no nível cível e judicial, criminal, policial, porque eu também me senti, na minha segurança pessoal, insegura”.

NR. Felizmente, o comportamento da professora Cidinha diante do pacote de medidas da Reitoria parece isolado, frente à atitude de diversas unidades que preferem rebelar-se contra a tirania ao invés de compactuar com o desmanche da USP. 

EXPRESSO ADUSP


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