O pacote de medidas submetido pela Reitoria ao Conselho Universitário (Co), para ser votado a "toque de caixa", contém três medi­das principais: 1) corte de 3 mil funcionários técnico-administrativos, por meio do Programa de Incentivo à Demissão Volun­tária (PIDV); 2) transferência da gestão do Hospital Universitário (HU) à Secretaria de Esta­do da Saúde; e 3) transferência da gestão do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofa­ciais de Bauru (HRAC) também à Secretaria de Estado da Saúde.

 
A primeira constatação sobre tal pacote é o fato de que a comunidade só tomou conhecimento dele quando a Folha de S. Paulo divulgou, em 14/8, o teor das medidas então supostamente em estu­dos. No dia seguinte, em reunião com 80 diretores de unidades, a Reitoria apresentou seu plano oficial, que incluía a maioria das medidas anunciadas pelo jornal.
 
Nesta reunião, segundo a USP, "foi apresentada a proposta para a transferência" do HU e do HRAC para a Secretaria de Estado da Saúde, sendo que o primeiro "poderia ser incorporado como um instituto ligado à autarquia especial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina", ao passo que para o segundo "seria criada uma nova autarquia". Os servidores de ambas as instituições "continuariam ligados à Universidade".
 
Outras medidas para o "reequilíbrio financeiro" apresentadas na reunião de 15/8, prossegue o informe oficial, "dizem respeito aos servidores técnico-administrativos (e não abrangem os docentes): a implementação de um programa de incentivo à demissão voluntária e de um projeto de flexibilização da jornada de trabalho". Os estudos para o PIDV "tomaram como referência um público-alvo formado por cerca de 2.800 servidores celetistas com idade entre 55 e 67 anos e com, pelo menos, vinte anos de trabalho na USP".
 
Ambas as medidas foram incluídas na pauta da sessão do Co de 26/8, para deliberação, juntamente com a proposta de transferência da gestão do HU e do HRAC para a pasta estadual da Saúde. Ou seja, o Co deveria decidir sobre propostas que vieram a público, oficialmente, 11 dias antes.

PIDV para valer?

O documento com que a Reitoria subsidia a discussão do seu PIDV pelo Co possui exatas duas páginas, nas quais anuncia que tal "mecanismo tem sido amplamente utilizado, tanto no âmbito governamental quanto empresarial, para possibilitar a redução das despesas com pessoal nas organizações, bem como para atender aos anseios dos trabalhadores [sic]"; que se trata "de um incentivo para que os funcionários se desliguem voluntariamente da empresa [sic]"; que prevê os seguintes benefícios: indenização equivalente a um salário por ano trabalhado, até o limite de 20 salários, podendo atingir valor máximo de R$ 400 mil por funcionário, mais parcela equivalente a 40% do saldo do FGTS, mais verbas legais rescisórias.
 
Ainda de acordo com a Reitoria, sugere-se a alocação de R$ 400 milhões no Orçamento da USP de 2015 com a finalidade de custear o PIDV. Caso o programa tenha sucesso e alcance suas metas, "deverá haver uma redução de gastos com a folha de pagamento da ordem de 6,5% possibilitando uma significativa redução do déficit a partir de 2016". O documento admite que "o desenho do programa deverá ser concluído nas próximas semanas".
 
Estarrecedor é o seguinte parágrafo: "Para garantir o sucesso do programa em seu objetivo de ajuste orçamentário, os desligamentos dos servidores inscritos no programa somente serão efetivados se alcançada a meta originalmente estabelecida de redução das despesas com pessoal, caso contrário o programa poderá ser encerrado  sem a efetivação dos desligamentos". Quer dizer: se a adesão for inferior à esperada, o PIDV não será para valer.
 
Embora na versão oficial a medida esteja a serviço do saneamento financeiro da USP, "não há nada inocente no PIDV", opina a professora Klara Kaiser Mori (FAU). "Trata-se, de fato, de componente de um programa político de precarização do trabalho na universidade, do qual a entrevista da revista Veja escancarou o argumento principal: a natureza estável do vínculo trabalhista do servidor público. O desejável [para a Reitoria] seria a contratação de professores e funcionários por seu valor de face, e a possibilidade de sua demissão livre sempre quando se tornassem indesejáveis. Ou seja, o que está na mira é a estabilidade dos empregos".
 
Assim, prossegue, "a revisão dos planos de carreira, a introdução das avaliações por produtividade, a terceirização de parte dos serviços, a volta dos contratos precários, o PIDV, e a mudança de vinculação do HU são facetas desse mesmo e único projeto". Klara questiona "o sentido pedagógico nefasto de um estatuto de trabalho condicionado pelo medo", e denuncia: "É essa a pedagogia de trabalho que se quer implantar aqui a ferro e fogo".

Manobra regimental.

A proposta de desvinculação do HU e do HRAC da USP, apresentada pela Reitoria ao Co, teve o seguinte enunciado: "Vinculação dos Hospitais Universitários ao Gestor Estadual do SUS, por meio de uma autarquia associada à USP. Proposta de supressão dos incisos I e II do artigo 8º e inclusão do artigo 263 nas Disposições Gerais do Regimento Geral da USP, em decorrência da transformação do HU e HRAC em Entidades Associadas".
 
Os incisos citados estabelecem que são "órgãos complementares" da universidade o HU e o HRAC. A supressão dos incisos e subsequente "transformação em Entidades Associadas" na prática tornaria puramente decorativo o vínculo entre ambos e a USP (o que já é o caso do HRAC, em vista da decisão tomada pelo Co em 26/8).
 
Tão logo se anunciaram as propostas, pensou-se que exigiriam, para aprovação no Co, quórum qualificado (dois terços). Mas a verdade é que o artigo 16, parágrafo único, item 13 do Estatuto da USP, que prevê a competência do Co no tocante à criação, incorporação e extinção de órgãos da Universidade, teve a sua redação alterada pela Resolução 5.928, de 2011, que determinou a desnecessidade de quórum qualificado nos casos que envolvam os chamados "órgãos Complementares". Bem a calhar…
 
A eventual autarquização do HU levaria a uma situação intrigante: seria lícito transformar-se em mera "Entidade Associada", e não "órgão Complementar", uma instituição que tem cerca de 80% de suas despesas cobertos pela USP?

Irresponsabilidade.

Quanto ao mérito das propostas, salta aos olhos a irresponsabilidade e violência da proposta de descarte do HU e do HRAC. Não foi informado, sequer, se houve consultas ao governo estadual a respeito da transferência. Pior ainda, foram desconsideradas as questões concernentes à importância dessas instituições médicas no que diz respeito à formação de pessoal qualificado e à interação com as unidades de ensino da USP.
 
No caso do HU, ele atende estudantes pertencentes a cursos de sete diferentes unidades da USP: Medicina, Fisiologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional (FM), Nutrição (FSP), Enfermagem (EE), Ciências Farmacêuticas (FCF), Odontologia (FO), Psicologia (IP) e Obstetrícia (EACH). Em 2012, atendeu 1.123 alunos de graduação (dos quais 487 da FM e 368 da EE) e 507 de pós-graduação.
 
Em 2013, segundo o professor José Pinhata Otoch, diretor do HU, as receitas do hospital foram de R$ 346,7 milhões, dos quais R$ 268 milhões (77%) corresponderam a repasses da USP para gastos com pessoal. As despesas, por sua vez, foram de R$ 335,9 milhões. Como a USP terá de continuar pagando seus funcionários caso ocorra a eventual transferência do HU à pasta estadual da Saúde, a "economia" anual resultante será da ordem de aproximadamente R$ 68 milhões — soma das despesas com material de consumo, serviços terceirizados, serviços em geral e utili­da­de pública. Muito pouco, quando consideradas as enormes perdas em termos de ensino para toda a área de saúde da USP.
 
Tal política interessa a quem?
 

EXPRESSO ADUSP


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