A edição de 25/10 do Valor Econômico contém uma entrevista com o reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor Marco Antonio Zago, que revela – ao menos em parte – a concepção de universidade de sua atual administração. Trata-se, na essência, de uma visão pouco republicana do que deva ser uma instituição pública, em especial de caráter educacional.

A insuficiência de financiamento à qual a USP vem sendo submetida desde 1995, quando as universidades estaduais paulistas tiveram seu aporte de recursos fixado em 9,57% do ICMS-QPE, é não só ignorada como refutada pelo reitor: “Recebemos um financiamento público muito grande.”

A expansão ocorrida desde então – ampliação das matrículas, 76% das de graduação, 87% das de pós-graduação; acréscimo dos cursos de graduação de 132 para 279; aumento de 153% dos títulos de mestrado e doutorado outorgados – não é levada em conta, apesar de ter ocorrido sem recursos adicionais. Sequer é criticada a prática do governo do Estado de expurgar da base de cálculo dos 9,57% os recursos para programas habitacionais, as multas e os juros de mora de tributos em atraso, os programas especiais de parcelamento de dívidas, as desonerações, o descumprimento de compromissos assumidos oficialmente.

A atual “crise” vivida pela USP é diagnosticada pelo reitor como fruto de dois fatores: “um de gestão interna e outro porque somos parte do país”. A responsabilidade pelo primeiro é atribuída à gestão anterior, da qual o reitor fez parte; o segundo fator tem sua ocorrência imputada à “crise econômica”, que diminuiu os repasses do ICMS – simples assim: “Nós já teríamos resolvido o problema financeiro da USP se não fosse a crise econômica”. Mas então conclui-se que há “problema financeiro” na USP.

Feita essa constatação, nada mais oportuno na visão do reitor do que recorrer a “um grupo de ex-alunos” empresários bem-sucedidos, que “…têm o maior respeito pela USP. Gostariam de participar mais da vida da universidade. E estão até dispostos a ajudar financeiramente…”. Daí o contrato USP/Comunitas/McKinsey “para analisar nossos mecanismos de gestão, sistema de planejamento. Analisar como é o pensamento da universidade, em termos de aspirações futuras.” A existência de quadros universitários competentes em todas as áreas de conhecimento é mero detalhe nessa seara.

O projeto “USP do Futuro” ao qual estariam vinculadas essas iniciativas, foi forjado sem consulta às devidas instâncias da universidade e permanece desconhecido pela comunidade acadêmica, não por negligência, mas porque é secreto, pois convém apenas confiar na iniciativa da Reitoria. Contudo, foi levado ao conhecimento do governador, por certo não pela sua condição de “ex-aluno”. Ou seja, trabalha-se com uma visão no mínimo bastante restrita do que seja autonomia, pois importa mais considerar o que uma consultoria de teor empresarial tem a dizer do que verificar a compreensão das instâncias legítimas da universidade sobre o assunto – um exemplo do que não deve ocorrer em nenhuma instituição pública.

Por sua vez, segundo o reitor, a ameaça à autonomia da USP “é o imenso desequilíbrio financeiro que ocorreu a partir de 2011, 2012”, vale relembrar, durante gestão da qual ele mesmo fez parte; porém, isso não vem ao caso, mas sim a adoção, por duas vezes, de Plano de Incentivo à Demissão Voluntária, cuja segunda fase está em processo e deverá resultar numa perda de cerca de 1800 técnico-administrativos, uma ação “bem sucedida”. Ainda segundo o reitor, “…um exemplo de área em que tivemos sucesso foi a terceirização de restaurantes. A universidade fazia a gestão de todos os seus restaurantes. Já foram terceirizados vários, e isso tem um impacto enorme.” Por certo, não se ignora que, ato contínuo, alguma empresa privada será contratada para realizar tal gestão e isso terá custos que não contarão com a contribuição de nenhum “amigo da USP”.

Mas, o mais impactante é a visão expressa a seguir “…há outros gastos que parasitam a vida da universidade.” Sim, parasitam foi a expressão utilizada pelo reitor. E perguntado sobre quais seriam, sua resposta foi direta: “Um hospital universitário, por exemplo, chamado HU”. Zago, registre-se, um médico, ignora que lá ocorram inúmeras atividades de ensino, pesquisa e extensão e, no que se refere à área de saúde, cita apenas a medicina, deixando de lado, por exemplo, a enfermagem, a nutrição, a farmácia, a fisioterapia, a assistência social, a psicologia, só para citar algumas outras áreas de igual importância. Aliás, refere apenas à medicina no Hospital das Clínicas, completamente absorvido por fundações de direito privado ditas “de apoio” à USP.

Parece haver elementos suficientes para entender porque a “USP do Futuro” precisa continuar secreta, à revelia da res publica.

São Paulo, 3 de novembro de 2016

EXPRESSO ADUSP


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