Procurado à época — julho de 2018 — para comentar as denúncias, Luís Carlos de Souza Ferreira só se manifestou dez meses depois: "A presença de câmeras e catracas nas entradas de todos os prédios do ICB, instaladas muito antes da adoção do ponto eletrônico, visa preservar a segurança das pessoas que utilizam esses locais. Em nenhum momento utilizamos esses equipamentos como instrumentos de opressão ou intimidação de nossos funcionários"

O diretor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), professor Luís Carlos de Souza Ferreira, enviou à Associação dos Docentes da USP (Adusp), em 8/5/2019, ofício no qual solicita a este sindicato que proceda à "retratação formal e expressa" no tocante ao conteúdo das reportagens publicadas pelo Informativo Adusp digital em 20/7/2018 e 14/12/2018, nas quais a unidade é citada com destaque em denúncias contra a deterioração das relações de trabalho na universidade, acirrada pela adoção do relógio eletrônico de ponto.
 
A primeira e principal reportagem contestada por Ferreira é intitulada Relógio eletrônico de ponto agrava assédio moral aos funcionários e desvirtua natureza do trabalho na USP, ao passo que a segunda, cujo foco exclusivo é o instituto, recebeu o título Sintusp vai participar de reunião sobre controle de frequência no ICB. No tocante à primeira, o diretor da unidade alega que "foram apresentadas inúmeras inverdades em relação ao ICB, mas, e principalmente, a pessoas que ocupam cargos importantes em nossas instâncias diretivas e administrativas". Quanto à segunda, ele diz que "mais uma vez, não houve qualquer tentativa de apurar a veracidade" das informações publicadas, que dão conta de pressão das chefias relacionadas às condições de trabalho e uso do ponto eletrônico como instrumento de assédio moral.
 
De acordo com Ferreira, o ICB mantém uma política de controle de frequência de acordo com o que determinam regulamentações aprovadas pela USP. "A presença de câmeras e catracas nas entradas de todos os prédios do ICB, instaladas muito antes da adoção do ponto eletrônico, visa preservar a segurança das pessoas que utilizam esses locais. Em nenhum momento utilizamos esses equipamentos como instrumentos de opressão ou intimidação de nossos funcionários", afirma o diretor no ofício enviado à Adusp.
 
"Esclareço ainda que as declarações publicadas no Informativo Adusp estão restritas a um número muito pequeno de funcionários, e não representam a posição largamente majoritária dos funcionários do Departamento de Fisiologia do ICB. Essa posição é ratificada em abaixo-assinado feito por funcionários do referido departamento, que se sentem assediados por declarações falsas a eles alegadas e publicadas em boletim da Adusp".
 
Após lamentar que na reportagem publicada em 20/7/2018 "acusações nominais ao chefe e ao vice-chefe do Departamento de Fisiologia foram feitas a pedido de uma funcionária", Ferreira volta a apontar que o Informativo Adusp não abriu espaço ao contraditório: "Sem que houvesse qualquer consulta aos docentes envolvidos, a matéria foi publicada apenas com as declarações inverídicas da referida funcionária".
 
Em seguida, o diretor do ICB recrimina a publicação da Adusp por haver tratado de um assunto que, a seu ver, não deveria merecer a atenção da entidade: "Além do comportamento questionável da citada publicação, que deveria dar prioridade à questão do pessoal docente, tais declarações caracterizam, publicamente, o assédio e o constrangimento a que esses docentes são submetidos tanto pela funcionária mencionada na reportagem quanto pela própria Adusp" (destaques nossos).
 
Ele pede que "seja dado ao ICB e às pessoas acusadas nas matérias acima mencionadas espaço equivalente no boletim da Adusp, para que possamos esclarecer os fatos ocorridos e a política de controle de ponto da instituição em relação aos seus funcionários, com o intuito de exercer efetivamente o nosso legítimo direito de resposta".
 
"Outrossim, solicitamos veementemente que não voltem a ser publicados artigos e matérias dessa natureza nos boletins e informativos da Adusp, tendo em vista que, em respeito ao princípio da imparcialidade jornalística, seria obrigatório que tais reportagens sempre contassem também com a versão das pessoas que representam o outro lado das questões ali colocadas, o que absolutamente não aconteceu nos casos citados".

Direção da unidade e vice-chefe do departamento foram procurados

Ao contrário do que afirma o diretor do ICB, ele e o vice-chefe do Departamento de Fisiologia foram procurados pelo Informativo Adusp para que pudessem responder às denúncias apresentadas pela funcionária Vera Monezzi. No dia 17/7/2018, às 14h43, foi enviada mensagem eletrônica ao e-mail institucional do professor José Donato Jr., vice-chefe daquele departamento, e ao setor de Comunicação Institucional da unidade, com três perguntas específicas. Não houve resposta. Na mesma data, às 17h00, foi enviada mensagem eletrônica ao e-mail pessoal do diretor, também com cópia para o setor de Comunicação Institucional e para o vice-diretor, e com três perguntas específicas. Do mesmo modo, esta mensagem jamais foi respondida.
 
O próprio texto da reportagem informou: "Por meio do correio eletrônico, o Informativo Adusp encaminhou perguntas ao professor José Donato Junior, vice-chefe do Departamento de Fisiologia e Biofísica, bem como ao diretor e ao vice-diretor do ICB, professores Luís Carlos de Souza Ferreira e João Gustavo Mendes. Posteriormente, procurou entrar em contato telefônico com eles, no ICB, para que se pronunciassem a respeito dos fatos relatados, porém o setor de Comunicação Institucional da unidade informou que todos se encontram em período de férias".
 
Portanto, embora a Comunicação Institucional do ICB tivesse conhecimento de que aqueles dirigentes foram procurados para que se pronunciassem sobre fatos relacionados à unidade, o Informativo Adusp não recebeu qualquer manifestação, nem mesmo no período imediatamente posterior à publicação da reportagem. Os e-mails enviados não foram devolvidos, portanto supõe-se que tenham sido lidos por seus destinatários, os professores Donato Junior, Ferreira e Mendes, depois que retornaram das férias. No entanto, nenhum deles entrou em contato com o Informativo Adusp para rebater as afirmações da matéria publicada.
 
Posteriormente, na fase de apuração da matéria seguinte, que seria publicada em 14/12/2018, novamente o diretor do ICB foi procurado por nossa reportagem, por intermédio de sua secretária, mas não demonstrou interesse em conversar com a reportagem e apresentar sua versão. Somente em meados do primeiro semestre de 2019 é que a direção da Adusp receberia um convite da direção da unidade, para participar de uma reunião a ser realizada em 30/4 cujo objeto seria exatamente o controle de frequência dos funcionários. Porém, nenhum dos dirigentes citados nas matérias chegou a procurar ou entrar em contato com o Informativo Adusp, em momento algum.
 
Nota da Redação
 
O diretor do ICB parece desconhecer o papel do jornalismo, tanto que a mensagem enviada em 8/5 foi destinada à direção da Adusp e não ao Informativo Adusp. Ele defende a "imparcialidade jornalística", sem dar-se conta de que esta publicação sempre teve por norma abrir espaço ao contraditório.
 
A questão do relógio eletrônico de ponto (SREP) é gravíssima, merecendo integral atenção dos docentes e de toda a comunidade universitária. Embora apenas os funcionários técnico-administrativos sejam imediatamente afetados pelo SREP, sua implantação impacta negativamente o conjunto das atividades de docência, pesquisa e extensão da USP, como procura demonstrar a reportagem contestada pelo diretor do ICB.
 
Como sempre o fizemos, continuaremos tratando de todos os temas relevantes da universidade brasileira — e deles fazem parte as condições de trabalho de docentes e de funcionários. Note-se, a propósito, que docentes do Instituto de Psicologia (IP-USP) expressaram, na reportagem ora questionada, fundadas objeções e críticas ao SREP. Na sua mensagem à Adusp, porém, o professor Ferreira deixa de referir-se às questões de mérito do SREP e não as enfrenta.
 

EXPRESSO ADUSP


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