O marco dos trinta anos da conquista da autonomia de gestão financeira das universidades estaduais paulistas foi celebrado com uma inédita reunião conjunta dos conselhos universitários da USP, Unesp e Unicamp e uma série de mesas de debates sobre o processo histórico que resultou na autonomia e os desafios das universidades no presente e no futuro.

Daniel GarciaDaniel Garcia
Conselheiros das três universidades aprovam moção na reunião conjunta

Nos dois eventos, realizados na manhã desta quinta-feira (15/8) no auditório do Centro de Difusão Internacional da USP, na Cidade Universitária, o tom preponderante nas falas foi a importância da defesa da autonomia por parte de todos os segmentos da comunidade universitária num momento de ataques às universidades e da necessidade de que as determinações expressas no decreto 29.598, de 2/2/1989, que a instituiu, sejam incluídas na Constituição do Estado de São Paulo.

Essa necessidade é o objeto de uma moção aprovada na reunião conjunta dos conselhos universitários. O texto, que será encaminhado ao governador João Doria (PSDB), diz que os conselhos “manifestam total apoio à Autonomia de Gestão Administrativa e Financeira das Universidades Estaduais Públicas Paulistas e enfatizam a necessidade de que sejam feitos ajustes de regulação para o seu melhor funcionamento, a fim de consolidar o que preconiza o Artigo 1o do decreto de 2 de fevereiro de 1989”.

O artigo citado determina que “os órgãos da administração centralizada do Estado adotarão procedimentos administrativos cabíveis para viabilizar a autonomia das universidades do Estado de São Paulo de acordo com os parâmetros deste Decreto até que a Constituinte Estadual promulgue a Nova Constituição do Estado e que a Assembleia Legislativa decrete a legislação referente ao Sistema de Ensino Superior Paulista”.

Mobilização de docentes, funcionários e estudantes foi decisiva

O professor Wagner Romão, presidente da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) e coordenador do Fórum das Seis, foi um dos oradores na sessão conjunta dos conselhos. Romão lembrou que “talvez a automomia universitária que comemoramos hoje não existisse sem a ação dos trabalhadores, professores, pesquisadores e estudantes das universidades reunidos nos seus sindicatos, organizações, DCEs e centros acadêmicos”.

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Professor Wagner Romão, coordenador do Fórum das Seis

O docente citou a grande mobilização realizada em 1988 pelo funcionalismo público estadual — nas universidades, a greve durou cerca de 60 dias. Em 27 de outubro daquele ano, uma manifestação convocada pelas entidades sindicais da USP, Unesp e Unicamp reuniu cerca de 5 mil pessoas em frente ao Palácio dos Bandeirantes e foi violentamente reprimida pela Polícia Militar, que usou bombas de gás lacrimogênio, cassetetes e sabres. Nove pessoas ficaram feridas.

“Depois daquele grande movimento é que foi possível politicamente que se conquistasse essa autonomia, que é um enorme exemplo do Estado de São Paulo para o resto do país”, disse Romão. “É muito importante que neste momento lembremos desse papel dos sindicatos e das associações de docentes e de estudantes para a existência das três universidades paulistas e para a manutenção, sempre com muita vigilância, da autonomia”.

Na avaliação do coordenador do Fórum das Seis, cada vez mais é possível constatar que a “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” garantida às universidades pelo artigo 207 da Constituição Federal “é precária e na verdade pouco se aplica nas universidades federais e em tantas estaduais por todo o país”.

Não é por acaso, salientou, que “neste momento político grave por que passamos, em que vicejam tendências autoritárias nos nossos governantes, a ciência, a universidade e as organizações de trabalhadores sejam os alvos”. É muito importante que institucionalmente as universidades “reconheçam a importância das organizações de trabalhadores, da manutenção da liberdade de aprender e de ensinar e de fazer ciência, e saibam que as entidades que compõem o Fórum das Seis são parceiras nessa defesa”, afirmou.

Wagner Romão enfatizou também que as universidades não devem perder a visão de que a sua produção — seja com formação de recursos humanos ou com o seu trabalho científico e de pesquisa — precisa retornar à sociedade em todas as suas formas de organização, como sindicatos e movimentos sociais e comunitários, e não apenas às empresas.

“Espero que essas sessões conjuntas possam se repetir e que o simbolismo da sessão de hoje possa se espelhar também na unidade da comunidade universitária, na sua defesa e na defesa de um país melhor para todos e todas”, concluiu.

“Unidade é importante”, porque “universidades estão a perigo”, diz Knobel

O presidente do Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, agradeceu pelo “trabalho incansável do Fórum das Seis em defesa das universidades públicas”, citando como exemplo a presença constante das entidades na Assembleia Legislativa, onde atualmente uma CPI investiga supostas “irregularidades na gestão” das instituições.

“Temos discussões legítimas dentro das universidades e um diálogo muito produtivo. A unidade é importante num momento em que as universidades estão a perigo”, ressaltou Knobel.

A sessão conjunta teve ainda manifestações de membros dos conselhos de cada universidade. Pela USP, o professor Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, diretor da Faculdade de Direito, ressaltou que “a autonomia de pensamento, de ensino, de pesquisa e de produção fica relativizada se não tem o apoio de uma autonomia administrativa e financeira”.

“A autonomia não foi dada, foi conquistada, e justamente por isso temos que continuar a fazer por merecê-la”, afirmou. “Temos que continuar honrando a autonomia que conquistamos produzindo, ensinando e pesquisando cada vez melhor, e principalmente dialogando com a sociedade para mostrar a nossa importância.”

Representando o Conselho Universitário da Unesp, o professor José Alexandre de Jesus Perinotto ressaltou o crescimento numérico e qualitativo das três universidades após a conquista da autonomia. O professor João Frederico Meyer, da Unicamp, lembrou que não teve veteranos nem trote quando entrou na universidade, em 1967, porque ingressou na primeira turma do curso e que já em 1971, recém-formado, começou a lecionar. Por conta de toda essa história de mais de 50 anos de ligação com a Unicamp, disse que é “uma tristeza” ter que voltar a fazer a defesa da autonomia.

Meyer citou dois momentos de grande crise, em 1979 e em 1988, ressaltando que a marca dessas ocasiões “foi a união das universidades em sua própria defesa”. Na atualidade, USP, Unesp e Unicamp estão no grupo de 1,25% das melhores 40 mil instituições do mundo todo, “o que não é pouco”, destacou. “Precisamos reafirmar o que fazemos, o que nós somos e por que a autonomia é necessária”, concluiu.

As mesas de debate da segunda parte da reunião tiveram a participação de reitores, ex-reitores e outros docentes e dirigentes das universidades. Houve homenagens a Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp e secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do governo do Estado à época da publicação do decreto da autonomia, e a Almino Affonso, vice-governador do Estado em 1989. O então governador, Orestes Quércia, morreu em 2010. A atual secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen da Silva, também fez um pronunciamento na sessão. O Informativo Adusp publicará reportagem sobre os debates nesta sexta-feira (16/8).

EXPRESSO ADUSP


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