Na Alesp, deputadas questionam Vahan sobre falta de transparência nas políticas da Fapesp e intenção de Tarcísio de cortar verbas da Educação
Depoimento de Vahan à Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação da Alesp (Carol Jacob/Alesp)

Nesta quarta-feira (17/5), o secretário Vahan Agopyan, de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, compareceu a uma reunião da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação (CCTII) da Assembleia Legislativa (Alesp), que o convidou para que discorresse “sobre a prestação de contas do andamento de sua gestão, bem como sobre a demonstração e avaliação do desenvolvimento de ações, programas e metas afetos àquela Secretaria”.

Após sua exposição inicial, Vahan ouviu questionamentos de deputadas da oposição sobre questões de financiamento do ensino superior (USP, Unesp, Unicamp, Centro Paula Souza e Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto) e sobre a situação de penúria e privatização enfrentada pela maioria dos institutos públicos estaduais de pesquisa.

Carol Jacob/AlespCarol Jacob/Alesp
Secretário preferiu não responder à pergunta sobre eventual redução de verbas da educação

O ex-reitor da USP explicou que o papel da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação é restrito, uma vez que, na sua maioria, os institutos estaduais de pesquisa estão vinculados a outras secretarias estaduais; o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), embora formalmente subordinados à pasta, não respondem a ela, pois o primeiro é uma empresa e o segundo é administrado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão federal; por fim, as universidades públicas estaduais e a Fapesp gozam de total autonomia.

“É uma secretaria de muita articulação e conversas contínuas”, minimizou Vahan, que fez questão de realçar a estrutura enxuta da pasta e o reduzido orçamento anual (R$ 20 milhões), que corresponde a um milésimo do orçamento somado das universidades, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e demais instituições ligadas à pasta, que é de cerca de R$ 19,5 bilhões em 2023.

No governo João Doria-Rodrigo Garcia (PSDB), o setor de ciência e tecnologia foi incorporado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico. O governo Tarcísio Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD), porém, optou por desvincular esse setor. “O nosso governador tem bem claro, ele fez pós-graduação [sic], que um desenvolvimento eficiente do Estado, consolidado, só se consegue através da ciência, tecnologia e inovação. Por isso ele fez questão de separar, criar uma secretaria exclusiva, para que esses temas sejam discutidos, levados avante”, alegou na Alesp o secretário, que se esforçou para transmitir uma visão panorâmica da área, mas esquivou-se de questões espinhosas, como a falta de concursos públicos ou o desmonte dos institutos da área ambiental.

Ao apresentar seu projeto à frente da secretaria, Vahan afirmou que o principal desafio a vencer é superar o que identifica como um desnível entre a produção de conhecimento e sua aplicação prática na sociedade. “A produção científica das três universidades estaduais paulistas tem uma qualidade acima da média internacional. No entanto, nós não estamos sabendo traduzir esse grande volume de conhecimento de boa qualidade em benefícios para a sociedade. Não estamos conseguindo aplicar esse conhecimento em ações diretas, em inovação, vamos dizer”.

Ainda de acordo com ele, a pandemia de Covid-19 foi um divisor de águas, porque as três instituições “deram respostas rápidas e eficientes num curto espaço de tempo”, no entanto “continuamos, pegando estatísticas de 2022, ainda muito atrás de outros países que desenvolvem às vezes menos conhecimento que nós, mas acabam conseguindo ter esses resultados aplicados na prática mais rapidamente”. Para Vahan, o grande desafio da sociedade paulista e brasileira é “vencer esse gap”.

O secretário e ex-reitor sugeriu que as pesquisas sejam iniciadas “junto com empresas, ongs, a sociedade organizada, inclusive governo”, de modo a permitir uma aceleração da aplicação prática de novas tecnologias. “Se estivermos juntos, o resultado da pesquisa será traduzido para a sociedade de uma maneira muito rápida”. Ele propôs, ainda, que o conhecimento produzido pelas universidades seja convertido em propostas de políticas públicas a serem oferecidas à Alesp, “principalmente nas áreas de ciências sociais”, para “melhorar a qualidade de vida da população”.

Vahan defendeu expandir a “internacionalização” do setor, de modo a “trazer instituições internacionalmente muito bem reputadas para nosso Estado”. “O [Instituto] Pasteur foi o primeiro, aliás já tinha uma plataforma aqui em São Paulo. Foi formalizado em fins de março em Paris, nosso governador participou. Vem o CNRS, também da França, na área de ciências duras e humanidades. E na semana passada tivemos a aprovação do Ministério da Ciência e Tecnologia, vamos trazer o Centro de Bioengenharia e Engenharia Genética, que é da ONU, fica em Trieste, eles vão abrir um braço de pesquisa aqui, na área de oncologia”.

Ele também falou em favorecer os “ambientes de inovação tecnológica”, que no Estado incluem 13 parques tecnológicos e 18 incubadoras de projetos. “Precisamos não apenas aumentar em número, mas em facilidades disponíveis dentro desses ambientes”, disse, informando que a cada ano sua secretaria destina metade do orçamento a esses equipamentos, na forma de apoios pontuais. “Estamos achando que tem que ter alguma coisa mais consolidada, mais eficiente, para que esses ambientes não sejam somente para a empresa que entrar num parque tecnológico, ou para uma startup numa incubadora, mas ser um ambiente propício para que alguém que tenha uma ideia possa ter algum lugar para repercutir, para discutir”.

“Universidades vão pagar um preço” se PEC vier a tirar verbas da educação, adverte Bebel

Deputadas Beth Sahão e Bebel, ambas do PT (Carol Jacob/Alesp)

A deputada estadual Beth Sahão (PT), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas e dos Institutos de Pesquisa do Estado de São Paulo (relançada em 26/4 último), destacou a luta pelo aumento do percentual da Quota-Parte do Estado do ICMS destinado a cada ano às universidades públicas estaduais, que atualmente é de 9,57%, e apresentou alguns questionamentos ao secretário.

Beth cobrou maior transparência da Fapesp no tocante às prioridades de financiamento, e propôs que a agência de fomento firme parcerias com os institutos públicos estaduais de pesquisa. A parlamentar destacou ainda a necessidade de concursos públicos para repor o quadro funcional desses institutos. Citou a importância do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que atende a demandas de diversas prefeituras paulistas, e do Instituto Butantan, por haver desenvolvido a Coronavac durante a pandemia.

A deputada estadual Professora Bebel (PT), presidente da Apeoesp-Sindicato dos Professores no Ensino Estadual, perguntou a Vahan sobre a ameaça de redução, pelo governo estadual, do percentual do Orçamento destinado à educação pela Constituição Estadual, que é de 30%. “Poderá vir para cá uma proposta de reforma constitucional, uma PEC, para alterar esse artigo diminuindo em 5% [as verbas]. As universidades vão pagar um preço por isso. Eu pergunto: como nós vamos ter todo esse compromisso, esse projeto, essa construção científica se faltarem recursos? Essa questão é estruturante”.

Bebel também contestou o chamado “Novo Ensino Médio” e os denominados “itinerários formativos”, chamando atenção para o vínculo dessa questão com ciência, tecnologia e ensino superior. A seu ver, é necessário que São Paulo abra o debate sobre o ensino médio e sobre dar sentido ao futuro da juventude. “Sempre defendemos uma sólida formação básica, e dela [o(a) estudante] alçar vôo para ser um futuro cientista ou optar pela profissão que quiser”, argumentou. Mencionou ainda o PL 529/2020, “um triste momento, um ataque frontal à ciência, à tecnologia, às universidades”.

Depois de repelir qualquer novo projeto semelhante àquele (“A gente não quer esse susto de novo”), Bebel referiu-se à alegada fé do governador Tarcísio na ciência e na tecnologia como fator de desenvolvimento, descrita por Vahan. “Esperamos, mas ele também vai ter que demonstrar uma preocupação com não reduzir as verbas para a educação”, enfatizou a parlamentar, apontando que tal redução, se vier a ocorrer, afetará as três universidades públicas estaduais e o Centro Paula Souza.

“Então nós vamos ter problemas de dinheiro novamente. Sempre temos, mas [teremos] mais um problema de dinheiro. Então não se trata de fazer um discurso de ‘estamos tirando daqui e estamos pondo na saúde’, porque é isso que está sendo dito. Mas não tem dicotomia entre saúde e educação. Ambas são importantes para a sociedade”, completou ela.

O deputado estadual Leonardo Siqueira (Novo), vice-presidente da CCTII e membro do Conselho Consultivo da USP, opôs-se à ampliação de recursos para as universidades. “Não sei se a melhor estratégia seja simplesmente pedir sempre mais dinheiro, a gente tem que pensar que economia é alocar os recursos escassos da maneira mais eficiente possível. Os recursos são escassos, esse é um fato, não está em discussão. A partir do momento em que a gente pede mais recursos para uma área, está tirando de outra”.

Em contrapartida, Siqueira propôs “levar às universidades quais são as melhores práticas ao redor do mundo” e “utilizar os recursos da maneira mais eficiente possível, com a iniciativa privada, com parcerias [em] que as pessoas consigam aportar recursos”. Além disso, na sua opinião, é preciso “trabalhar para o ‘produto final’, que é o aluno, e não trabalhar para o sindicato A, B ou C”.

Extinção do ICMS acarretará rediscussão do decreto da autonomia, diz Vahan

Ao final da rodada de questionamentos e observações dos parlamentares, Vahan começou respondendo às indagações da deputada Beth Sahão sobre os institutos públicos de pesquisa, que ele disse considerar essenciais para inovação. “Os institutos têm que existir. O que acontece aqui no Estado de São Paulo, um diagnóstico rápido que eu fiz, é que alguns institutos têm uma função bem definida e conseguiram centrar as ações nas suas atividades. Os outros ainda não”. Como exemplos de definição clara, citou o Instituto Butantan, que dez anos atrás, segundo ele, optou pela produção de vacinas (“Eles fazem pesquisa de ponta”), o próprio IPT e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

Voltou a lembrar que “nenhum instituto autárquico” está na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, e que o IPT é uma “S.A., em que o governo é o acionista supermajoritário”, de modo que lhe restaria pequena margem de ação. “Então estou querendo discutir com meus colegas secretários como a gente pode, com a experiência da Secretaria de Ciência e Tecnologia, colaborar para essa definição das funções dos institutos. O que a Secretaria vai fazer é ajudar, é colaborar”.

Quanto à questão orçamentária e de financiamento das instituições públicas, Vahan assinalou que a Fapesp “está bem protegida”, porque recebe 1% da arrecadação estadual, por definição constitucional, ao passo que a situação da USP, Unesp e Unicamp é diferente. “As universidades estão penduradas num decreto sobre a porcentagem do ICMS. O governador teve uma reunião com os três reitores, eu não estava presente, esse tema foi discutido e ele está respeitando o decreto. Agora, com a mudança do ICMS nós vamos ter que rediscutir esse decreto. Porque acabando o ICMS, que tributo nós vamos utilizar?”. De qualquer modo, ressaltou, “essa autonomia administrativa e financeira das três universidades estaduais paulistas se mostrou um modelo vitorioso”.

O secretário, porém, deixou sem resposta as perguntas da deputada Bebel sobre a anunciada intenção do governador de alterar a Constituição Estadual para reduzir as verbas vinculadas da educação e sobre os impactos negativos que esse corte poderá provocar no ensino superior e tecnológico.

Ao comentar a questão do ensino médio, Vahan concordou com as preocupações manifestadas por Bebel e informou que, “pela primeira vez, o Plano Nacional de Pós-Graduação que acabou de vencer tinha um capítulo exclusivo sobre o ensino básico, incluindo o médio, porque é impossível imaginar uma pós-graduação se os alunos não conseguem nem concluir a graduação”. Avaliou, no tocante à reforma do ensino médio, que “estava errado ter 15 disciplinas no ano letivo”, mas disse que é preciso “estudar bem a questão dos itinerários”.

Emendou adiantando algumas informações sobre o “Vestibular Paulista”, que segundo ele será realizado neste ano, ainda em caráter experimental: “A jovem ou o jovem faz três provas e o resultado dessas três provas já o coloca dentro da universidade. O Paula Souza deu 1.600 vagas, a USP deu 1.500, a Unesp e a Unicamp estão dando 500, 600 cada uma, então vai ter um número de vagas para esses jovens vindos de escolas públicas fazendo esses vestibulares”.

EXPRESSO ADUSP


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