O Conselho Universitário da USP (Co) julgaria, na reunião de 26/9, recurso do professor Bruno Gualano, da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE), que tenta aprovar pedido de transferência para a Faculdade de Medicina (FM). No entanto, diversos membros do colegiado pediram vistas do processo. Assim, o julgamento foi adiado para a próxima reunião do Co, quando esses representantes deverão apresentar parecer sobre o recurso.

A solicitação de Gualano recebeu o aval do Departamento de Clínica Médica da FM, mas vem sendo recusada pela EEFE sob a alegação de que a saída do docente deixaria disciplinas a descoberto. Ele busca dar continuidade a suas pesquisas no Laboratório de Investigação em Reumatologia da FM (LIM-17), onde desde 2010 vem desenvolvendo trabalhos em colaboração com a professora Eloisa Bonfá. Na EEFE, Gualano é alvo de assédio moral e perseguições, especialmente por parte do professor titular Antonio Herbert Lancha Jr., chefe suplente do Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo Humano.

O primeiro pedido de transferência apresentado pelo docente foi recusado pelo Conselho do Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo Humano em 9/2, e depois novamente em 6/4. Contra a decisão que negou seu pedido de transferência, foi interposto recurso à Congregação da EEFE, que o rejeitou em 9/6. Desse modo, Gualano decidiu recorrer ao Co.

Tanto a Procuradoria Geral da USP (PG) como a Comissão de Legislação e Recursos do Co (CLR) emitiram pareceres contrários ao recurso. No entanto, a manifestação da PG registra aspectos do caso que permitem uma leitura mais favorável dos argumentos do recorrente.

Eventual nulidade

Após observar que a transferência de docentes de uma unidade para outra “é um ato complexo e demanda manifestação favorável dos respectivos Conselhos de Departamentos e das Congregações envolvidas”, e que não há hierarquia ou sobreposição entre as deliberações desses órgãos, a PG aponta o papel da Congregação em tais situações: “atua como instância recursal, incumbe a ela tão somente a análise de eventual nulidade (vício) da decisão do Conselho de Departamento, e não o seu acerto ou desacerto (mérito)”. Ora, esse é exatamente um dos pontos em que se baseia o recurso em questão.

A PG alega ainda que a justificativa do indeferimento do pedido “foi dada pelo Conselho do Departamento, tratando-se de claro juízo de conveniência e oportunidade, que não comporta revisão pela PG, sob pena de se imiscuir nas escolhas da Administração”, e aponta “aspecto formal relevante: a decisão encontra-se fundamentada”.

Também foi abordada no parecer a questão da falsa motivação da decisão do Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo Humano de recusar a transferência de Gualano. “O interessado alega que haveria descompasso entre o motivo real e o exposto pelo Departamento”, anota a PG. “Em tese, o fato poderia acarretar a reforma: falso motivo contamina o ato administrativo. Mas, para tanto, haveria de existir prova robusta, de inequívoco vício na manifestação de vontade dos membros do colegiado […]. Não evidenciado, a decisão deve prevalecer”.

Acrescenta a PG: “A questão de assédio moral alegada deve ser apurada de imediato e consta nos autos que a unidade já instaurou sindicância e foi aberto processo administrativo”. Cabe notar que, embora a sindicância citada tenha se encerrado, a Diretoria da EEFE até o momento não divulgou seu relatório final.

Provas robustas”

Responsável pelo Departamento Jurídico da Adusp, a advogada Lara Lorena rebate o entendimento da PG: “As provas existentes são robustas, e foram direcionadas à comissão de sindicância aberta na USP, indicada pela própria instituição como momento processual adequado para apuração dos fatos e das provas, assim como também foram apresentadas ao Ministério Público [MPE-SP], dando ensejo a uma ação judicial a que o professor Lancha Jr. agora responde como réu”.

Prossegue Lara Lorena: “Se é uma questão de apuração de provas, então o Co não deve decidir sem que venha aos autos o parecer conclusivo da Comissão Sindicante. É o mínimo que se pode esperar na instrução desse recurso, que está intimamente ligado à apuração de assédio moral em curso nesta instituição”.

O docente sindicado por assédio moral, professor titular Lancha Jr., responde também a duas investigações do MPE-SP. Lancha Jr. foi afastado do cargo em dezembro de 2016, por decisão liminar da 15a Vara da Fazenda Pública, a pedido do MPE-SP, que abriu ação contra ele por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Posteriormente a decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça (TJ-SP), mas a denúncia foi aceita pela 15a Vara, e tramita normalmente, tendo o professor como réu.

Vícios processuais

“O parecer da PG reconhece que um vício no julgamento do recurso poderia invalidar as decisões anteriores. Destaco, pois, graves e evidentes vícios processuais”, declarou ao Informativo Adusp o professor Gualano. “O professor Lancha Jr., autor do assédio moral que ensejou meu pedido de transferência, é o próprio chefe suplente do Departamento que julgou a minha requisição inicial de transferência e, posteriormente, o meu recurso contra o indeferimento inicial. Se não bastasse, se fez presente e posicionou-se contrariamente ao meu pleito em reunião do Conselho do Departamento, mesmo não tendo votado (como se evidencia em ata incorporada ao recurso), e em que pese, à época, já existir contra ele decisão judicial afastando-o do cargo”.

Portanto, conclui Gualano, “o indeferimento ao meu pedido de transferência no âmbito do Departamento foi viciado”, uma vez que “seu provimento seria não apenas o reconhecimento do assédio cometido pelo professor Lancha Jr., bem como da flagrante inapetência desse colegiado em contê-lo”. Ademais, prossegue, “a PG reconhece a gravidade da notícia do assédio moral, ao recomendar pronta investigação”.

Ainda segundo o autor do recurso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera o assédio moral crime de improbidade administrativa. “A razoabilidade e bom-senso nos sugerem que a gravidade do crime de assédio moral deve sobrepujar a mera ‘vontade’ do Departamento de acolher ou não esta solicitação de transferência”, diz ele. “Nesse contexto de flagrante e reiterada ilegalidade, a atribuição ao Departamento da prerrogativa de aceitar ou não a transferência em questão com base em ‘juízo de conveniência e oportunidade’ beira a imoralidade”.

“Situação grave”

Que uma unidade de ensino tenha algum compromisso de fidelidade com um determinado professor (Lancha Jr.), é uma situação que se entende na USP, embora não se justifique, observa a advogada Lara Lorena. “No entanto, se o Co vier a dar amparo à decisão dessa unidade, ciente de um processo por improbidade administrativa contra esse professor, e de uma sindicância já concluída, e ainda não divulgada sua conclusão, considerando o pivô dessas apurações ser o recorrente, estará criada situação ainda mais grave e contundente de assédio moral institucional”.

O parecer da CLR tem uma única página. Afirma que, como Gualano “foi admitido por concurso público no Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo Humano da EEFE”, “em que pese o interesse do Departamento de Clínica Médica da FM na transferência do docente, é a decisão do Departamento de origem do interpelante que deve prevalecer, considerando as metas do seu projeto acadêmico”. De resto, limita-se a repetir o teor das decisões e pareceres anteriores.

“O parecer da CLR é profundamente simplório tendo em vista as questões que estão em conflito”, diz a advogada da Adusp. “A alegação de que ‘é a decisão do departamento de origem do interpelante que deve prevalecer’ chega a ser um menosprezo à causa e ao envolvido, quando o que se discute é justamente o vício do consentimento do departamento de origem”.

 

EXPRESSO ADUSP


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