Conjuntura Política
CPI da Covid-19 quebra sigilo telefônico e telemático de integrantes do “ministério paralelo”, inclusive de Paolo Zanotto, docente do ICB
Na véspera, o Instituto de Ciências Biomédicas da USP aprovou afastamento do professor por dois anos, sem prejuízo de vencimentos, para pesquisa no British Columbia Institute of Technology (BCIT), no Canadá. Mas o pedido está pendente e ele “não é professor adjunto do BCIT”, declara essa instituição. Zanotto é defensor do “tratamento precoce” de Covid-19 à base de cloroquina
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal que investiga a atuação do governo Bolsonaro no combate à pandemia de Covid-19 decidiu nesta quinta-feira (10/6) quebrar o sigilo telefônico e telemático de dois ex-ministros (Eduardo Pazzuelo, da Saúde, e Ernesto Araújo, de Relações Exteriores) e de diversos integrantes do chamado “ministério paralelo da Saúde”, entre os quais o professor Paolo Marinho de Andrade Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB), e o empresário Carlos Wizard.
Zanotto notabilizou-se como um dos defensores do chamado “tratamento precoce” da Covid-19, à base de cloroquina. O suposto tratamento precoce era (ou é) um dos principais eixos de atuação do chamado “ministério paralelo”, cuja existência vem sendo apurada pela CPI da Covid. Além disso, em vídeo divulgado pelo site Metrópoles, Zanotto aparece em reunião durante a qual propõe a criação de um “shadow board”, interpretado como sendo um ministério paralelo ou “ministério sombra” (shadow cabinet).
Na véspera (9/6), o Conselho Técnico-Administrativo (CTA) do ICB decidiu, por maioria, aprovar pedido de Zanotto de afastamento remunerado por dois anos, alegadamente para atuar como professor visitante no British Columbia Institute of Technology (BCIT), no Canadá. Porém, nessa mesma data o perfil oficial do BCIT no Twitter emitiu nota que coloca em dúvida as circunstâncias da transferência e o tipo de vínculo existente entre o pesquisador e a instituição.
“Paolo Zanotto não é professor adjunto do BCIT. Ele contatou o BCIT para organizar uma visita acadêmica de curto prazo, não remunerada e sem ensino, referente a pesquisas relacionadas à purificação de água”, diz o post no Twitter. “Visitas internacionais dessa natureza estão sujeitas a processos internos de verificação do BCIT, e externo — incluindo a aprovação da Imigração, Refugiados e Cidadania do Canadá. O pedido dessa pessoa está pendente”.
O Informativo Adusp indagou à direção do ICB se, frente a esse desmentido categórico das alegações apresentadas pelo docente no seu pedido de afastamento, o ICB procederia a uma reavaliação do caso.
“Não se trata de desmentido. No pedido de afastamento de suas funções, o prof. Paolo Zanotto apresentou documentação comprobatória que mostra ter solicitado estágio sabático como professor visitante no BCIT, não remunerado e por curto prazo, com o objetivo de realizar pesquisas — uma delas relacionada à purificação de água”, respondeu a direção do ICB. “Em nenhuma documentação apresentada há menção de que ele iria exercer a função de professor adjunto no BCIT”.
Ainda segundo a direção do ICB, curto prazo corresponde a 24 meses, que é o período de duração do afastamento. “Uma carta do prof. Kevin Wainwright, do BCIT, endereçada ao prof. Zanotto, e anexada na documentação apresentada ao CTA, comprova isso. O aceite do pedido do prof. Zanotto ainda está em avaliação no BCIT, aguardando somente o visto de imigração. Portanto, está realmente pendente”.
A reportagem também questionou se o afastamento por dois anos sem prejuízo dos vencimentos é medida usual no ICB. “O afastamento, sem prejuízo dos vencimentos, está amparado pelo inciso IV, do artigo 40, do Estatuto do Docente da USP (Resolução USP 7.271). O prazo do afastamento também está dentro do permitido, ou seja, máximo de dois anos (Artigo 41)”, declarou a direção. “Não haverá contrapartida financeira por parte da instituição anfitriã (Artigo 42) e toda a documentação está em conformidade com o exigido (Artigo 43). O requisitante também assinará termo de compromisso (Artigo 46) que o obrigará a permanecer na Universidade de São Paulo após seu retorno por prazo não inferior ao do afastamento. Em resumo, o processo ocorreu como de praxe, sendo que não houve qualquer impedimento legal ou técnico que justificasse a negação do pedido”.
Em curto comunicado emitido em 7/6, ao mesmo tempo em que declarou rechaçar veementemente “qualquer tipo de abordagem anticientífica e/ou ideológica no combate à Covid-19”, a direção do ICB exaltou a defesa da “liberdade de expressão e a diversidade de opiniões”. O Informativo Adusp indagou se, com tal formulação ambígua, a direção do ICB não estaria chancelando indiretamente as manifestações públicas do professor Zanotto favoráveis ao “tratamento precoce” à base de cloroquina.
“De maneira alguma! Ao defender a liberdade de expressão e a diversidade de opiniões, a Diretoria do ICB-USP apenas reiterou que os preceitos básicos da democracia devem ser respeitados”, sustentou a direção. “A liberdade de expressão é assegurada pela Constituição; qualquer tipo de contenção da liberdade de expressão é indevida e configura-se como censura. Se houver crime no exercício da liberdade de expressão, a responsabilização está prevista em lei”.
Em seu próprio perfil no Twitter, Zanotto rebateu a acusação de que também se opõe à vacinação contra Covid-19. “Não sou contra a vacinação e não ajudei a matar pessoas. Meu envolvimento com o governo era sugerir uma lista de especialistas em vacinas e imunologia para revisão por pares de plataformas de vacinas, que foi descartada. Por favor, veja a carta abaixo”, postou Zanotto no Twitter nesta quinta. A carta dirigida em 1º/9/2020 a Arthur Weintraub, então assessor da Presidência da República, sugere uma espécie de protocolo de pré-avaliação para as vacinas contra Covid-19, em quatro fases: “exploratória”, “pré-clínica”, “ensaios clínicos da fase 1” e “ensaios clínicos da fase 2”. “Precisamos de todos os dados” de cada uma delas, diz Zanotto na mensagem a Weintraub, que na CPI da Covid vem sendo acusado de haver coordenado o chamado “ministério paralelo”.
“Somente com todos estes dados avaliados por um painel de cientistas de alto calibre (independentes dos produtores de vacinas) poderemos escolher plataformas vacinais que possam ser usadas em Ensaios Clínicos de Fase 3 e 4 no Brasil”, conclui o professor do ICB na carta. “A escolha ou não do uso de vacinas é importante e pode ter implicações severas para o povo brasileiro se feita de forma inadequada”.
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