Conjuntura Política
Dia Mundial da Alimentação na Esalq debateu perspectivas do combate à fome nos próximos anos no Brasil e as vinculou ao desfecho da eleição presidencial
Em um cenário alarmante com recorde da fome no país, afetando 33 milhões de pessoas, e mais da metade da população, 116 milhões de brasileiros e brasileiras em situação de insegurança alimentar grave, moderada e aguda, professores, estudantes e convidado(a)s realizaram atividade nesta quinta-feira (6/10) na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), por ocasião do mês em que se comemora o Dia Mundial da Alimentação (16/10). O evento integrou a Semana Agroecológica Piracicaba Orgânica (SAPO).
O professor Paulo Moruzzi, diretor regional da Adusp, deu início aos trabalhos, ressaltando que vivemos um momento importante da história, marcado pelas eleições presidenciais nas quais se confrontam dois projetos distintos para o combate à fome. De um lado, observa-se uma erosão democrática com o bloqueio de experiências participativas exitosas para o tratamento do problema agroalimentar (o que é explícito com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e, de outro lado, a possibilidade de reconstrução de instrumentos para uma “democracia alimentar”.
A professora Silvia Miranda, membro do GT Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome da USP, ressaltou a importância do tema, em um país de dimensão continental, muitas vezes apresentado como “celeiro do mundo”. No entanto, a realidade demonstra que nem sequer toda a população brasileira tem acesso suficiente aos alimentos.
Em seguida, Claudia Novolette, representante da sociedade civil no Conselho Municipal de Segurança Alimentar (Comsea), apontou, a partir do ponto de vista dos grupos sociais marginalizados, a necessidade de entender o debate sobre a fome e insegurança alimentar sob a perspectiva da luta de classes. Assim, não se trata de uma questão meramente técnica. Para Cláudia, “a fome nada mais é que uma forma de controle, pois uma criança impedida de ter acesso à alimentação adequada até os 7 anos tem a formação cognitiva comprometida e é inserida de forma desigual em uma sociedade competitiva e já gravemente desigual”.
A representante do Comsea enfatizou o quanto as eleições representam um balizador no combate à fome, implicando seu enfrentamento com um projeto que reponha políticas públicas fundamentais à soberania alimentar, ou indo em direção ao agravamento do quadro de insegurança alimentar.
Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e coordenador do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, apresentou o histórico da segurança alimentar do país no século XXI. Há uma clara inflexão a partir do governo Michel Temer, quando o Brasil retorna ao Mapa da Fome, isto é: supera o nível de 5% da população em situação de insegurança alimentar grave, o que se configura como fome. A crise sanitária acentuou as tendências de aumento da insegurança alimentar, o que, no entanto, já se desenhava anteriormente com medidas como o “teto dos gastos públicos” (EC 95/2016).
Menezes comentou dados sobre a desigualdade da fome segundo a composição familiar: famílias com mais crianças e adolescentes apresentam maior incidência de insegurança alimentar. O ex-presidente do Consea avalia que esse problema tende a se agravar com o Auxílio Brasil, que distribui o mesmo valor por família (R$ 600), independentemente de seu número de membros, provocando degradação da renda dos domicílios com mais crianças. Por fim, ele apresenta a perspectiva de dois cenários, a depender do desfecho do segundo turno da eleição presidencial, no dia 30/10.
A continuidade do projeto dos últimos quatro anos seria tenebrosa, a seu ver, pois Menezes acredita que mesmo as políticas de distribuição de renda realizadas durante a pandemia e mantidas no ano eleitoral — Auxílio Emergencial e Auxílio Brasil — não devem ser mantidas, agravando-se o quadro de fome e insegurança alimentar. A outra hipótese é a possibilidade de retomada de experiências importantes, com inovações em projetos para viabilizar a segurança e soberania alimentar, sem que seja possível uma reedição do que ocorreu no passado.
No entanto, ele pondera que mesmo sob um possível governo Lula será necessário definir prioridades, pois os escombros são demasiados. Entre as prioridades, avaliou, deve estar o enfrentamento à fome. Aos interessados no tema, Menezes sugere os estudos da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), realizados em 2020 e em 2022 e disponíveis no site <olheparaafome.com.br>.
Nas palestras finais sobre ações locais, tanto da secretária municipal de Agricultura, Nancy Thame, quanto de Valéria Freixedas e Fernanda Veirano, representantes do movimento Tô Aqui, bem como no debate que se seguiu, foi recorrente a ideia da importância de articulação de esforços e de realização de mais fóruns desta natureza para obter maior força para enfrentar os grandes desafios agroalimentares atuais. Tô Aqui é uma iniciativa de fortalecimento da agroecologia e de economia solidária, por meio do financiamento coletivo para enfrentamento da insegurança alimentar.
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