Carta Aberta ao Professor Marco Antonio Zago, reitor da Universidade de São Paulo

Prezado professor, 

Em texto enviado à comunidade estudantil uspiana, o senhor cita algumas das medidas que vem tomando para sanear as contas da universidade, e diz que “esses procedimentos podem ser aperfeiçoados e ampliados”, acrescentando ainda o desejo de poder contar “com as sugestões de todos”. 

Pois bem, vamos às sugestões solicitadas, várias delas já apresentadas anteriormente a V. Sa.. 

Em primeiro lugar, gostaríamos de lembrá-lo de que o repasse da arrecadação do ICMS para as universidades públicas do Estado de São Paulo ocorre de maneira irregular ao longo do ano. No último triênio o crescimento observado  de janeiro a dezembro girou em torno de 20%. Quando se refere ao dispêndio com salários – não entendemos bem por quê –  o senhor faz o cálculo baseado no repasse de um único mês, no início do ano, ou seja, com valor bem abaixo de sua média anual. Além disso, ao contrário do que alegam alguns, a arrecadação do ICMS vem crescendo ano a ano.

Há anos o Fórum das Seis e a Adusp vêm denunciando que o repasse realizado pelo Governo do Estado desconsidera frações expressivas do ICMS, em particular o montante referente à habitação. Além disso, as três universidades têm crescido nas últimas décadas. Trata-se de novas unidades, de novos campi e de um número sempre crescente de estudantes nos programas de graduação e de pós-graduação. Para citar apenas dois exemplos recentes no âmbito da própria USP: na zona leste da cidade de São Paulo temos a criação da EACH, que conta hoje com uma comunidade acadêmica de aproximadamente 5 mil pessoas, e temos a incorporação da Escola de Engenharia de Lorena. Não obstante, a despeito da promessa de aumento do repasse para custear as despesas com essas unidades, a USP não recebeu nem um tostão a mais.

Sua colega, a professora Marilza Vieira Cunha, reitora em exercício na Unesp e atual presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, já se pronunciou sobre a necessidade de aumento dos recursos para as universidades e diz que fará gestões pela mudança da alíquota do ICMS e por seu repasse integral, sem os cortes que o Governo do Estado vem realizando. 

E o senhor, professor? Qual tem sido a sua postura diante da crise? Em entrevista recente a um jornal de grande circulação, o senhor afirma estar plenamente satisfeito com as verbas recebidas. Nenhuma palavra sobre a injustiça dos cortes no montante do imposto que sustenta a pesquisa, a docência e as iniciativas de extensão do conhecimento acadêmico. São cerca de 1,4 bilhões de reais, se descontarmos o montante referente à Nota Fiscal Paulista, que o governo estadual tem deixado de repassar às universidades desde 2008. Nenhuma palavra sobre a necessidade de aumento da alíquota frente ao crescimento e às novas responsabilidades assumidas pelas instituições paulistas.

Em sua campanha para a eleição como reitor, o senhor alardeou aos quatro ventos que, caso eleito, iria pautar sua gestão pelo diálogo e pela transparência. Será preciso mais uma vez lembrá-lo de que a comunidade da EACH já protocolou dois pedidos de conversa com o senhor, sem que tenha recebido uma única resposta? Está o senhor ciente da gravidade dos problemas enfrentados por uma população acadêmica de milhares de pessoas, no momento desprovidas de lugar minimamente adequado para o exercício da docência e da pesquisa? Está lembrado de que a administração universitária até o momento não informou os colegas, funcionários e alunos da EACH sobre o lugar onde irão trabalhar e estudar a partir do próximo dia primeiro de agosto? É esse o diálogo que propõe?

Agora o senhor anuncia mais um gasto, desta feita com uma “auditoria externa”. Gostaríamos que o senhor explicasse por que, afinal, se recusa a abrir as contas da universidade para conhecimento da comunidade interna. Nos dicionários que costumamos consultar, o termo transparência, prodigamente utilizado por V. Sa., não deixa margem para dubiedades. Significa simplesmente a qualidade ou condição daquilo que se deixa ver inteiramente, vale dizer, daquilo que se revela a todos e não a uma seleta minoria de privilegiados. A USP tem uma série de contratos a pagar, estimados em mais de 600 milhões de reais. Trata-se de compras e da contratação de serviços que, segundo o seu próprio relato, foram realizados na surdina por seu antecessor. Diz o senhor que João Grandino Rodas não teria comunicado esses gastos nem mesmo aos pró-reitores e, além disso, teria evitado ou impedido sua fiscalização pelo Conselho Universitário. E no entanto, a Reitoria opta por honrar compromissos que o senhor, desde o início de seu mandato, coloca sob suspeita. 

O maior patrimônio da universidade, constituído pela dedicação, competência e experiência de seus servidores docentes e técnico-administrativos pode, a seu ver, ser desconsiderado no momento da reposição salarial. Na hora de pagar empreiteiras e serviços contratados, todos acobertados por um sigilo incompreensível, desaparece o empenho em promover cortes. Por quê? 

Sua gestão iniciou-se há apenas cinco meses. Antes de naufragar como dirigente universitário, ouça um bom conselho: 

Não se apequene diante da crise. 

A USP cresceu, e muito, para prover mais vagas em seus cursos e para cobrir áreas antes não atendidas pelo ensino público, gratuito e de qualidade. Não faça coro com um governo que já sucateou as escolas da educação básica no estado de São Paulo. Faça coro com aqueles que defendem a USP e cobram os recursos necessários para mantê-la como instituição de ensino superior de alta qualidade.

Abandone sua atitude subserviente ao Governo do Estado e vá à Assembleia Legislativa. Exerça ao lado de sua colega de Cruesp a pressão necessária para que a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015 contemple de fato as necessidades financeiras da USP.

Arregace as mangas, vá ao Palácio dos Bandeirantes e cobre do Governo do Estado o dinheiro a que a USP tem direito.

Assuma suas responsabilidades diante da greve, com honradez e integridade. Não se trata de favor, mas de uma obrigação moral e legal sua, negociar com seus colegas e funcionários, de maneira franca e sem subterfúgios. 

Seu outro parceiro de Cruesp, o professor José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp, já disse publicamente que é contra o arrocho salarial e que desejaria negociar. A afirmação implica tacitamente o fato de que a intransigência na mesa do Cruesp corre por conta de V. Sa. Aproveite a oportunidade para demonstrar disposição verdadeira e incondicional para a negociação.

Finalmente, gostaríamos também de alertá-lo para o fato de que –  ao contrário do que o senhor insinua no email enviado aos estudantes – a greve em curso é também deles, dos estudantes da USP. Também eles não aceitam os termos de seu “diálogo” sem negociação e da “transparência” sem abertura das contas.

Saudações universitárias,

São Paulo, 16 de junho de 2014

Comissão de Mobilização da Adusp

EXPRESSO ADUSP


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