A “reversidade” de Zago e Vahan

Great mistakes in the ruling part, many wrong and inconvenient laws, and all the slips of human frailty will be borne by the people without mutiny or murmur. But if a long train of abuses, prevarications, and artifices, all tending the same way, make the design visible to the people, and they cannot but feel what they lie under, and see whither they are going, it is not to be wondered that they should then rouse themselves, and endeavor to put the rule into such hands which may secure them the ends for which government was first erected… the good of mankind.

An Essay Concerning the True Extent and End of Civil Government
John Locke (1632-1704)

Daniel Garcia
Assembleia de 15/7 vota a continuidade da greve

Os ataques da Reitoria da USP ao corpo da universidade só encontram eco nas parcelas mais conservadoras e retrógradas tanto da sociedade, quanto de dentro da USP. Não se trata apenas de arrocho de salário, sem justificativa convincente; acompanham-no as ameaças de demissões, as agressões ao RDIDP, as referências depreciativas a docentes e funcio­nários técnico-administrativos, o desrespeito às sugestões encaminhadas por um número significativo de Congregações, o aceno à cobrança de mensalidades, e outras atitudes similares.

Ao mesmo tempo e no mesmo movimento, propala-se todo um projeto de privatização e empresariamento da universidade, na realidade um projeto do reverso de uma universidade, do seu avesso, segundo a receita originária do Banco Mundial, consolidada no chamado Pacto de Bolonha (1999). A tudo isto assiste, sorridente, o governo Alckmin: será que esperava ver à frente da USP um representante tão aguerrido do descompromisso governista com os direitos sociais fundamentais, em particular, com a Educação Superior Pública e Gratuita?

Não à toa, a bibliografia recomendada pela Reitoria da USP inclui José Goldemberg (ministro de Collor, lembra?, e patrocinador da “lista dos improdutivos” quando reitor) e Simon Schwartzman, porta-voz de um ataque frontal ao tripé ensino-pesquisa-extensão e aos profissionais que trabalham na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Este discurso que fazem representa os interesses dos que consideram imprescindível impedir que o Brasil seja sede de produção soberana de ciência e tecnologia, ao mesmo tempo em que tentam relegar o desenvolvimento cultural, artístico e crítico do pensar ao plano do completamente dispensável: as Humanidades, a Política, a Filosofia, as Letras são por eles tidas e havidas como inúteis, mero desperdício de dinheiro e esforço (sobre Schwartzman).

Já enfrentamos investidas deste tipo antes e foi possível, por meio de luta renhida, fazê-las retroceder. Seria equivocado, contudo, imaginar que esta perspectiva será definitivamente derrotada, pelo menos enquanto durar o modo de produção capitalista e a capacidade da burguesia de controlar forças políticas que estão dispostas a representar seus interesses, ao mesmo tempo em que tenta criminalizar e ou desmoralizar todos os que resistem a políticas que submetem a maioria da população a condições sub-humanas e subalternas.

Um exemplo do que conquistamos nesta luta é que conseguimos inscrever na Constituição que o ensino público é gratuito. Já foram criados muitos “passa-moleques” para driblar a Constituição, como as fundações privadas ditas “de apoio” e as organizações sociais (OS), porém possuímos recursos legítimos e legais para enfrentar essas “molecagens”.

“Mercado”, não

Dado o estado de calamidade em que se encontra a República no Brasil, com a absoluta preponderância do Executivo sobre os outros poderes, em particular sobre o Parlamento (como ilustra nossa recente experiência na LDO-2015 na Assembleia Legislativa), os órgãos de controle do devido exercício do poder; e dada a submissão do Legislativo ao poder econômico (já dizia Mark Twain: “Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”), a nossa luta tem sido contínua para evitar a implantação do projeto de submissão da Educação, da Saúde e de outros direitos sociais ao “mercado”, isto é, da sua transformação em mercadoria, com a consequente cassação destes direitos fundamentais para a maioria da população brasileira. 

Nossa luta em defesa de uma universidade pública, gratuita, de qualidade, laica e socialmente referen­cia­da nunca esteve ou estará sepa­ra­da das reivindicações e neces­si­da­des da maioria da sociedade. 

Nossos enfrentamentos aqui na USP hoje são estrategicamente importantes. Que o diga a atenção com que a chamada grande imprensa acompanha o que aqui acontece — em geral de forma desqualificadora. Que o diga a preocupação do governo Alckmin em encontrar representantes de sua posição dentro de sucessivas reitorias. Que o diga o enorme desgaste acumulado por estas forças, fruto do nosso movimento. 

Pensar criticamente não é crime: é nossa obrigação. Legar ao futuro uma universidade onde o trabalho intelectual viceje de forma autônoma, sem ser submetido a critérios mercantis ou de produção industrial, também faz parte das nossas obrigações como intelectuais responsáveis, independentemente das mais variadas posições que precisam subsistir no interior de uma universidade que mereça este nome. Hoje, a Reitoria da USP está longe de representar estes ideais, que constituem a base na qual está cons­truí­da a enorme indignação presente em parte muito significativa do corpo docente da USP; que Zago e Vahan não a subestimem, pois a paciência da maioria dos estudantes, dos funcionários técnico-administrativos e de parcela expressiva dos docentes da USP com o rumo que adotaram é limitada.   

Permanecemos rejeitando, enfaticamente, o arrocho de salários; com a mesma energia, luta­mos e lutaremos contra o projeto de empresariamento e destruição de uma universidade pública dedicada ao trabalho intelectual de qualidade, contra a sua submissão ao reverso do pensar, cônscios da realidade social e econô­mica brasileira.

Informativo nº 385

EXPRESSO ADUSP


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