Defesa do Ensino Público
Aos docentes e estudantes dos cursos de Pedagogia e de Licenciaturas das instituições de ensino superior públicas paulistas
Leia aqui os dois textos sobre a interferência da Deliberação 154/2017 do CEE-SP na organização dos cursos de Pedagogia e das Licenciaturas.
Deliberação do CEE prejudica cursos de Licenciatura e Pedagogia (Originalmente publicado no Informativo Adusp 440, em 13/09/2017) No dia 7/6/17, o Conselho Estadual de Educação (CEE-SP) publicou uma deliberação que estabelece um conjunto de normas a cursos de formação inicial de professores, o que leva a uma reforma curricular nos cursos de Pedagogia e licenciaturas das três universidades estaduais paulistas. A deliberação, de número 154/2017, substitui o texto de sua versão anterior, 111/2012 (já modificada em 2014) e suscitou reações negativas entre professores e estudantes. Seguindo as Diretrizes Nacionais para Formação de Professores (resolução 2/2015 do CNE), a normativa reitera a necessidade de os cursos terem 3.200 horas como carga horária mínima, contando neste total 400 horas de estágio e 400 horas de Práticas como Componente Curricular (PCCs). Contudo, entre os principais problemas está a forma como a deliberação normatiza o restante das horas de curso. Para o caso das pedagogias, das 2.000 horas destinadas aos diferentes conhecimentos necessários a educadores, 600 horas deverão ser destinadas "à revisão e enriquecimento de conteúdos curriculares do ensino fundamental e médio", sendo que estes devem ter como referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No caso das licenciaturas, o total de horas para este fim é reduzido a 200. Contudo, outro problema emerge. Das 2.000 horas de formação de conhecimentos específicos, 1.040 são destinadas à formação na área de atuação do docente e 960 à formação didático-pedagógica. Uma carga horária organizada com este perfil impede que futuros docentes tenham uma formação intelectual com bases sólidas, necessária a docentes de perfil crítico. BNCC em debate Cláudia Galian, professora da Faculdade de Educação da USP (FE) e membro da Comissão Coordenadora dos Cursos (CoC) de licenciatura, considera justificada a reação negativa no magistério. "Primeiramente porque a BNCC ainda não foi aprovada, está sofrendo debates nas audiências públicas, que por sinal estão sendo muito mal divulgadas", disse em uma discussão sobre a reforma, organizada por estudantes da FFLCH. "Essencialmente, as mudanças dizem respeito ao curso de pedagogia, no acréscimo de 600 horas de aprofundamento do conteúdo do ensino com ligação direta à BNCC. Nas demais licenciaturas, esse acréscimo é de 200 horas. Essas 600 horas e 200 horas não poderão estar vinculadas às disciplinas de metodologia", explicou a professora. "Essa reforma recupera uma cisão entre teoria e prática na licenciatura que historicamente a gente luta para não ocorrer. Não é o momento de retornar à ideia de que você forma para os conteúdos de um lado e para a prática pedagógica de outro". Na avaliação da professora Lisete Arelaro, ex-diretora da FE, a reforma esvaziará a formação científica dos estudantes de licenciatura. "Serão duas formações, a menor, desqualificante e desqualificada, chamada formação do professor. Um historiador, por exemplo, terá que fazer outro curso. Passará a ser incompatível o conteúdo dos dois cursos. Para eles [CEE], quanto mais desqualificado o professor, melhor". Pressão A situação é agravada pela submissão do reitor M. A. Zago aos interesses do governo estadual, observou Lisete Arelaro. "Para qualquer reitor ou diretor de unidade, uma deliberação dessas seria motivo não só de revolta, mas de ingressar com um mandado de segurança, no mínimo. O que eles [CEE] estão falando é: a universidade não tem mais autonomia, quem manda em vocês somos nós, inclusive para dizer o que deve ser ensinado", protestou. No dia 29/5/17, o CEE convocou representantes das três universidades estaduais para uma reunião, cujos relatos apontam como tendo sido "difícil" e "desrespeitosa". A deliberação sobre as licenciaturas foi apresentada ainda sem número e só seria publicada no Diário Oficial do Estado no dia 7/6. "Na semana passada, recebemos um ofício da PRG para que os institutos façam as adequações [curriculares] de acordo com as exigências da deliberação, para serem enviadas até novembro deste ano. Eles colocam que podemos indicar o que vai ser mudado só em 2018 e em 2019, porque 'talvez não tenha dado tempo'. Mas é porque esse documento [BNCC] não existe oficialmente", explica Cláudia Galian. "A pressão é no sentido de que se você não faz a modificação, o curso não recebe reconhecimento [do CEE], o que compromete a impressão dos diplomas".
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Qual seria o real objetivo da Deliberação 154/2017 do CEE-SP? (texto elaborado com base nas discussões ocorridas na reunião pública promovida pela Adusp, no Auditório da Escola de Aplicação da FE-USP em 18/9/2017, sobre a Deliberação 154/2017 do CEE-SP) O texto a seguir apresenta uma breve análise da Deliberação 154/2017 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP), com vistas a contribuir para a promoção do diálogo e da mobilização, em especial de docentes e estudantes da Pedagogia e das licenciaturas da USP, bem como das demais universidades estaduais paulistas, Unesp e Unicamp. Tal análise aponta para a recusa da referida normativa, com o objetivo de exortar um posicionamento crítico das pró-reitorias de graduação da USP, Unesp e Unicamp, no sentido de amparar suas licenciaturas diante da ação autoritária do CEE-SP. No caso da USP, que não conta mais com a Comissão Interunidades das Licenciaturas (CIL), por enquanto, sua Pró-reitoria de Graduação vem adotando uma postura submissa, determinando que seus cursos de Licenciatura se adequem à referida Deliberação. Por que questionar a Deliberação 154/2017 do CEE-SP? O CEE-SP não apresenta, em nenhum momento, um estudo com diagnóstico acerca de problemas detectados no que se refere à formação de professores para a educação básica promovida pelas instituições de ensino superior públicas paulistas, estaduais e municipais. Ao contrário, o órgão normativo trabalha com uma concepção não-científica, pois apresenta uma suposta solução para eventuais problemas cujos diagnósticos não são dados a conhecer, se é que existem; ou seja, o CEE-SP adota uma postura implícita de oferecer solução para um problema não explicitado, o que nos obriga a questionar: qual seria sua real intenção? Pois, convenhamos, tal postura só alimenta desconfianças. Há muito e em geral, o problema de fundo da educação básica no Estado reside no descaso de sucessivos governos para com a educação pública em todos os níveis e modalidades. Um exemplo contundente disso diz respeito ao fato de que a maioria das escolas estaduais e municipais não está devidamente equipada com laboratórios e bibliotecas instalados e permanentemente mantidos, ou seja, em condições de uso efetivo — pior que isto, não há qualquer previsão para solucionar tal problema, na medida em que o mesmo sequer é reconhecido pelas autoridades educacionais constituídas. Já no tocante ao pessoal, o problema de fundo tem a ver com as condições inadequadas de trabalho, a ausência de planos de carreira dignos, a péssima remuneração e, no caso dos docentes, mais grave ainda, o governo do Estado sequer cumpre a Lei nº 11.738/2008 (que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional), seja no que diz respeito ao piso salarial propriamente dito, seja no que se refere a preservar 1/3 da jornada de trabalho para preparação de aulas, atendimento de estudantes, correção de provas etc.. Está mais do que na hora de o CEE-SP apresentar Deliberação a este respeito! Afora tudo isso, não é lícito ignorar que houve, nos últimos anos, um recrudescimento de situações de assédio moral, de violência institucional e cotidiana, de perda progressiva da autonomia do professor devido ao uso de sistemas apostilados de ensino e ameaças representadas por projetos tais como o "escola sem partido". A administração educacional no Estado permanece absolutamente alheia a estas questões, no que acabam por contribuir, voluntariamente ou não, para sua reprodução. Acusações aleatórias e não fundamentadas de que as universidades públicas paulistas não formam docentes para a prática da sala de aula na educação básica, e de que apenas 1% dos egressos de suas licenciaturas vai para a escola pública, também podem ser questionadas por meio da constatação de que, há muito, a carreira docente na rede pública paulista não tem sido nada atrativa, devido às questões já citadas anteriormente. Em contraposição, cabe registrar que a iniciativa privada reconhece a excelência da formação promovida pelas universidades públicas paulistas, pois os egressos de seus cursos estão aptos a pleitear as melhores vagas existentes no mercado. Mesmo assim, significativa porcentagem deles, em especial os que mantêm forte compromisso com o direito à educação de toda a sociedade, escolhe atuar na escola pública e, em geral, são muito bem sucedidos no que se refere à aprovação em concursos públicos, seja para o magistério, seja para outras áreas de trabalho. Afinal, o que seria um melhor indicador de qualidade da formação (segundo o próprio mercado…) do que a capacidade de "empregabilidade" adquirida por esses estudantes? Nesse sentido, considerando que a Deliberação 154/2017 do CEE-SP regula apenas as instituições de ensino superior estaduais e municipais (não as federais e as privadas), é possível questionar se sua intenção não explícita, ao impor alterações que descaracterizam projetos de formação de professores, não seria contribuir para desqualificar o trabalho que tem sido realizado pelos cursos de Pedagogia e de licenciaturas daquelas instituições. De fato, a essência das alterações — sugere-se ver os textos das deliberações 111/2012, 126/2014 e 154/2017 — diz respeito ao esvaziamento da formação crítica e científica (previsões estas literalmente apagadas na sequência mencionada de deliberações), à dicotomia entre teoria e prática de ensino; à dissociação entre pesquisa e ensino, entre outras determinações obscuras. Na USP, essa concepção de formação docente se coaduna, em certa medida, com a visão que referenciou a constituição da Câmara Permanente de Avaliação ("nova CPA") e o Estatuto do Docente, onde nota-se também a tendência à dissociação entre ensino e pesquisa. Assim, cabe questionar se não estaríamos sendo submetidos a uma verdadeira apartação: por um lado, os "centros de excelência", onde ainda pode-se contar com financiamento e estrutura para realizar pesquisa, com docentes em regime de dedicação exclusiva (RDIDP) e, por outro lado, os cursos de licenciatura com parcos recursos disponíveis, com professores "dadores de aulas", em regime de trabalho parcial, destinados apenas a transferir saberes técnicos que, pretensamente, os licenciandos deverão aplicar mecanicamente nas salas de aula da educação básica. Além disso, a Deliberação 154/2017 do CEE-SP articula "uma melhor formação docente" a uma pretensa Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja 3ª versão é ainda mais empobrecida em conteúdos e enfrenta inúmeras e fundamentadas críticas de instituições e educadores preocupados com a formação básica dos estudantes, para além do fato de que sua "versão final" sequer ainda foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). O que esperar de uma formação crítica segundo tais parâmetros? Ao normatizar que conteúdos dos ensinos fundamental e médio sejam repetidos no ensino superior, além de naturalizar um suposto fracasso da educação básica, o CEE-SP não estaria criando um problema de desautorização e esvaziamento dos certificados de seu próprio sistema de ensino? Não seria razoável supor que, assim procedendo, estaria obrigando egressos da educação básica a cursar novamente disciplinas correspondentes a este nível de ensino e que podem passar a pleitear o "aproveitamento de estudos" nos cursos de graduação das instituições de ensino superior estaduais e municipais? Será que os processos seletivos realizados para ingresso nessas instituições (que exigem conhecimentos e certificados do ensino médio) não estariam à altura do que espera o CEE-SP? Tratar-se-ia, no mínimo, de uma situação inusitada. Será que o CEE-SP ignora tais aspectos? Ademais, não deveria ser objeto prioritário de este órgão normativo preocupar-se com a precária situação dos ensinos fundamental e médio nas redes públicas paulistas? E, no momento, outro questionamento se impõe: considerada a atual composição do Conselho Nacional de Educação (CNE), completamente alterada pelo ilegítimo governo Temer e, ademais, apresentando sintonia com a composição do CEE-SP, não seriam as imposições deste um indicativo do tipo "balão de ensaio" para determinações análogas a serem adotadas mais amplamente? O eventual "êxito" desse tipo de proposta no sistema de educação superior público paulista não facilitaria sua imposição, por meio do CNE, em âmbito nacional? Outrossim, na hipótese de vingar tal estratégia, ela não impulsionaria o intuito governamental de implantar a enganosa e tão propagandeada BNCC? Colocados esses questionamentos, parece-nos essencial que haja uma maior articulação entre os vários cursos de Pedagogia e de licenciatura, tanto da USP como também da Unesp e da Unicamp, com o objetivo de oferecer bases à resistência contra a Deliberação 154/2017 do CEE-SP, pois esta constitui de fato uma séria afronta à autonomia universitária e, intencionalmente ou não, pode detonar as possibilidades de formação qualificada de professores no âmbito dessas instituições educacionais públicas paulistas.
São Paulo, 22 de setembro de 2017 Associação de Docentes da USP – Adusp |
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