Defesa do Ensino Público
Não podemos permitir que a “degradação da qualidade do ensino médio público em São Paulo” repita-se no ensino superior público, adverte Carlotti a propósito do PL 529
02/09/2020 17h08
O pró-reitor de Pós-Graduação, Carlos Gilberto Carlotti Junior, dirigiu à “Comunidade de Pós-Graduação da USP” uma nota nesta quarta-feira (2/9) em que aponta “duas situações que colocam em risco” a autonomia da universidade — “uma das maiores do mundo, com cerca de 55 mil alunos de graduação e 30 mil alunos de pós-graduação” — e sua “capacidade de formar bons profissionais e gerar conhecimento”. A primeira situação é a existência de um “processo judicial para julgar a posição dos reitores das Universidades Públicas Estaduais” por haverem definido o índice dos reajustes salariais nas três últimas décadas. A segunda decorre do projeto de lei (PL) 529/2020, o qual “no seu artigo 14, determina que ao final dos exercícios anuais os eventuais superávits das autarquias devem retornar ao Tesouro Estadual”.
A eventual aprovação do PL 529/2020 seria “extremamente grave para a gestão da USP, Unicamp e Unesp assim como para a Fapesp”, adverte o pró-reitor. “Mesmo não sendo conhecedor profundo de economia, não é difícil entender que esta proposta inviabiliza a autonomia financeira das Universidades, pois o valor destinado a elas depende de uma porcentagem do ICMS. É, portanto, variável entre o previsto no orçamento e o repasse real para as Universidades”.
Na nota, Carlotti Jr. afirma que autonomia implica “obrigação, qualidade e responsabilidade”, ao invés de descompromisso e isolamento como alegam certos críticos. Por esse motivo — e seguindo a trilha aberta por recente manifestação do reitor — o pró-reitor cita de modo elogioso os “Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira da USP”, pacote de austeridade fiscal aprovado em março de 2017, durante a gestão M.A. Zago-Vahan Agopyan, que recorreu à violência policial para debelar a resistência de funcionários, estudantes e docentes àquelas medidas.
“Recentemente a Universidade enfrentou, por fatores internos e externos, dificuldades financeiras, e a resposta surgiu dentro da própria universidade, com um plano de demissão voluntária [PIDV], restrições de contratações e impossibilidade de conceder reajustes salariais. Ao final do processo, sem interferência externa [à exceção do Pelotão de Choque da Polícia Militar], a Universidade aprovou um plano de responsabilidade financeira, com parâmetros objetivos de comprometimento da folha de servidores docentes e técnico-administrativos”. Ele lamenta que “todo este histórico” não tenha poupado a USP, Unesp e Unicamp de serem submetidas à CPI na Alesp em 2019.
Diferentemente de outros órgãos estaduais, como as secretarias, prossegue Carlotti Jr., “o pagamento da folha salarial dos servidores técnicos administrativos e docentes, assim como dos aposentados, é realizado pela Universidade: como honrar os compromissos nos anos de inadimplência?” Para resolver este problema, diz, as Universidades há anos possuem um fundo de reserva, que recebe os superávits e faz o aporte em momentos de déficits. “Além desta função, estes fundos permitem que as Universidades, e a Fapesp, possam realizar investimentos planejados plurianuais como, por exemplo, a construção de salas de aulas, laboratórios e financiamento de pesquisas. Esses investimentos seriam inviabilizados se considerados somente orçamentos anuais que variam com a arrecadação e são, portanto, incertos”.
Assim, as universidade e a Fapesp necessitam “que estas diferenças sejam consideradas na avaliação do PL 529, e que suas particularidades sejam reconhecidas”. Ele conclui fazendo uma constatação rara entre os gestores da USP, porque representa uma condenação implícita do sucateamento da rede pública estadual de ensino, promovido ao longo de décadas por sucessivos governadores: “Minha geração vivenciou a degradação da qualidade do ensino médio público no Estado de São Paulo. Não podemos permitir que esta situação se repita no ensino público superior de São Paulo: o preço será muito caro para as futuras gerações e para a qualidade de vida paulista”.
Íntegra da nota emitida pelo pró-reitor de Pós-Graduação
“A USP foi criada em 1934, após o movimento constitucionalista de 1932, para que o estado de São Paulo conseguisse se desenvolver através da ciência. Desde então se coloca como a melhor Universidade do Brasil, mantendo os ideais de sua criação. Vários desafios históricos foram vencidos pela Universidade e ela sempre se manteve na liderança da produção científica brasileira, para citar alguns
- Interiorização do ensino superior no estado, com a criação de campi no interior que foram responsáveis por importantes desenvolvimentos regionais.
- Expansão de seus cursos, sendo a maior Universidade do país e uma das maiores do mundo, com cerca de 55 mil alunos de graduação e 30 mil alunos de pós-graduação.
- Criação de sistema de inclusão social no processo de ingresso, com aumento dos recursos para a permanência estudantil.
Durante todas estas ações a Universidade se manteve na liderança em rankings internacionais, como a melhor posicionada no Brasil e na América Latina, mostrando a capacidade de seus alunos, professores e servidores. É raro no cenário internacional uma universidade das dimensões da USP se manter em posições de destaque nestes rankings.
Desde o início da pandemia de Covid 19, ficou claro o papel da USP para a sociedade. O Governo de São Paulo contou com diferentes profissionais formados ou atuando na Universidade para o planejamento do enfrentamento da pandemia. O desempenho dos Hospitais Universitários, com rapidez e qualidade, foi fundamental para que o SUS pudesse enfrentar seu maior desafio na atenção terciária desde sua criação, os pacientes puderam ter tratamento em terapias intensivas de qualidade, sem levar à desorganização do sistema público de saúde. Todas as Unidades da USP tiveram colaborações significativas, com o desenvolvimento de equipamentos, testes diagnósticos e outras ações.
A situação de excelência acadêmica da Universidade se deve, em grande parte, à autonomia didática, administrativa e financeira ao longo dos últimos 31 anos, permitindo o planejamento de suas atividades. A palavra autonomia pode sugerir para alguns falta de comprometimento com a sociedade e isolamento nas decisões, mas na verdade, significa obrigação, qualidade e responsabilidade. Recentemente a Universidade enfrentou, por fatores internos e externos, dificuldades financeiras, e a resposta surgiu dentro da própria universidade, com um plano de demissão voluntária, restrições de contratações e impossibilidade de conceder reajustes salariais. Ao final do processo, sem interferência externa, a Universidade aprovou um plano de responsabilidade financeira, com parâmetros objetivos de comprometimento da folha de servidores docentes e técnico-administrativos.
Mesmo com todo este histórico, a USP e as universidades públicas estaduais foram submetidas no ano passado a uma CPI na Alesp que, como antecipávamos, ao final não encontrou nenhum fato negativo nas suas últimas administrações.
No momento a Universidade está diante de duas situações que colocam em risco a sua autonomia e capacidade de formar bons profissionais e gerar conhecimento. A primeira é a criação de um processo judicial para julgar a posição dos Reitores das Universidades Públicas Estaduais em definirem os reajustes salariais, fato que ocorre há 31 anos. Reajustes que, nos últimos anos, estiveram abaixo da inflação ( 2015 a 2019 – Inflação IPC-FIPE 30,13% e reajuste 14,55% ).
A outra situação negativa é decorrente da PL 529 que, no seu artigo 14, determina que ao final dos exercícios anuais os eventuais superávits das autarquias devem retornar ao tesouro estadual. Este fato será extremamente grave para a gestão da USP, Unicamp e Unesp assim como para a Fapesp. Mesmo não sendo conhecedor profundo de economia, não é difícil entender que esta proposta inviabiliza a autonomia financeira das Universidades, pois o valor destinado a elas depende de uma porcentagem do ICMS. É, portanto, variável entre o previsto no orçamento e o repasse real para as Universidades. Nos anos em que houver superávits os valores retornam para o estado, e as universidades se tornarão inadimplentes nos anos [em] que o valor decorrente do ICMS não for suficiente para pagar todos os gastos. Diferentemente de outros órgãos estaduais, como as secretarias, o pagamento da folha salarial dos servidores técnicos administrativos e docentes, assim como os aposentados, é realizado pela Universidade: como honrar os compromissos nos anos de inadimplência? Para resolver este problema as Universidades há anos possuem um fundo de reserva, que recebe os superávits e faz o aporte em momentos de déficits. Além desta função, estes fundos permitem que as Universidades, e a Fapesp, possam realizar investimentos planejados plurianuais como, por exemplo, a construção de salas de aulas, laboratórios e financiamento de pesquisas. Esses investimentos seriam inviabilizados se considerados somente orçamentos anuais que variam com a arrecadação e são, portanto i ncertos.
O que as Universidade e a Fapesp necessitam é que estas diferenças sejam consideradas na avaliação da PL 529, e que suas particularidades sejam reconhecidas.
Minha geração vivenciou a degradação da qualidade do ensino médio público no Estado de São Paulo. Não podemos permitir que esta situação se repita no Ensino Público Superior de São Paulo: o preço será muito caro para as futuras gerações e para a qualidade de vida paulista”.
Prof. Dr. Carlos Gilberto Carlotti Junior
Pró-reitor de Pós-graduação da USP
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