Defesa do Ensino Público
Corte nas bolsas prejudica programas na USP
Novos pesquisadores não podem ser registrados no sistema por conta do “congelamento” na concessão dos benefícios da Capes. Candidatos já estão desistindo de concorrer em processos para o segundo semestre pela perspectiva de não ter as bolsas. Na “fase 2” da tesourada prevista pela agência, programas com notas 4 e 3 estão ameaçados de perder, respectivamente, 30% e 70% dos benefícios
Quando tentou cadastrar um pesquisador com bolsa do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no último dia 6/5, a professora Tatiana Teixeira Torres, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Biologia Genética) do Instituto de Biociências (IB), percebeu que o sistema online da agência estava bloqueado.
“A partir do dia seguinte, começamos a ter muitos relatos de outros programas em que estava ocorrendo a mesma coisa. No nosso caso, a bolsa havia desaparecido. Ou seja, tínhamos três e passamos a ficar com duas”, conta ao Informativo Adusp a professora. Em contato com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) da USP no dia 8/5, Tatiana ficou sabendo que a unidade havia perdido, na realidade, um total de vinte bolsas: além de uma de pós-doc, foram 14 de doutorado e 5 de mestrado.
O programa, que tem conceito 5 na Capes, está com um edital aberto para o segundo semestre, com 18 vagas para mestrado e 15 para doutorado. “Mas quem entrar com base nesse edital deve ficar sem bolsa”, diz a professora. Por conta disso, já têm havido desistências. “Muitas pessoas sequer vão participar da seleção, porque há todo um investimento de tempo, dinheiro e planejamento que o pesquisador precisa fazer, o que fica muito difícil sem a perspectiva de bolsa.”
O corte de bolsas de pós-graduação foi divulgado em ofício circular enviado pela Capes aos pró-reitores de pós-graduação de todo o país no dia 8/5. O texto informava que “o bloqueio de dotações orçamentárias imposto pelo Ministério da Economia ao Ministério da Educação (MEC) resultou em um contingenciamento orçamentário na Capes”. Diante disso, prosseguia o ofício, a agência decidiu “recolher as bolsas e taxas escolares não utilizadas no último mês de abril” de cinco programas: Demanda Social (DS), Excelência Acadêmica (Proex), Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino Superior (Prosuc), Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (Prosup) e PNPD.
No mesmo dia 8, o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, divulgou nota de esclarecimento na qual informava à comunidade que os sistemas da Capes para inclusão e exclusão de bolsas não haviam sido abertos no mês de maio e que “as bolsas que não estavam ocupadas deixaram de constar no sistema”. Carlotti procurou tranquilizar os alunos dizendo que o corte não interferiria nos bolsistas “que já estão recebendo seus benefícios”, não havendo portanto suspensão das bolsas vigentes. “Entendo que o momento é de preocupação, mas é importante que aguardemos novas informações e continuemos nossas atividades para termos uma pós-graduação de excelência na USP com o apoio da Capes”, finalizou o pró-reitor.
“Fase 1” cortou quase 5 mil bolsas
A “fase 1” dos cortes resultou na retirada de 4.798 bolsas consideradas “ociosas”, apontou Darson Astorga de La Torre, diretor da Coordenação Executiva dos Órgãos Colegiados da Capes, em reunião com o Diretório Nacional do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop), realizada no dia 9/5 em Brasília.
De acordo com o relato da reunião divulgado pelo Foprop, para a Capes “ociosidade” corresponde à “não utilização da bolsa no mês de abril do corrente ano, independentemente do tempo que esta esteve ociosa”. A agência justificou a medida dizendo que a iniciativa buscava “garantir o pagamento das bolsas contratadas até o momento”.
A “fase 2”, conforme definição de Lucas Resende Salviano, da Diretoria de Programas e Bolsas da Capes, vai considerar o “congelamento” das bolsas à medida que elas “fiquem vagas dos atuais usuários, no percentual de 30%, no caso de cursos nota 4 nas duas últimas avaliações periódicas e de 70% no caso de cursos nota 3 nas duas últimas avaliações periódicas, ou que caíram de nota 4 para 3”.
O representante da Diretoria de Relações Internacionais, Adir Balbinot Júnior, informou que, na área internacional, a “economia” da Capes com os cortes seria de R$ 80 milhões em 2019. Balbinot disse também que as bolsas dos estudantes que estiverem no exterior serão mantidas e que os pesquisadores em Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE) deverão ter suas bolsas no país garantidas quanto retornarem.
Ainda em relação ao PDSE, a Capes prevê que no próximo dia 17/5 o sistema para homologação dos bolsistas será reaberto. “Uma vez que que se identifique qualquer erro ou ausência de documentação” no preenchimento dos dados, “as bolsas devem ser recolhidas”. As bolsas PDSE que estiverem “ociosas” também “serão recolhidas”. “As cotas de bolsas do programa, que consideram o período máximo de 12 meses, com a possibilidade de serem divididas em 2 parcelas de 6 meses, para o corrente ano terão atendimento de apenas uma cota de 6 meses”, prossegue o relato emitido pelo Foprop.
Na reunião, os pró-reitores encaminharam propostas a serem consideradas pela Capes – como o retorno das cotas de bolsas aos programas com notas 6 e 7 e o descongelamento das bolsas desativadas caso haja “descontingenciamento do orçamento do MEC”.
A perspectiva do corte de 30% em programas com nota 4 afetaria diretamente, por exemplo, a Pós-Graduação em Fisiologia Geral do IB da USP. “É um problema muito sério. Já não tínhamos bolsas para oferecer, tanto que estamos utilizando sete bolsas emergenciais da PRPG. Se houver mesmo essa redução, aí seremos muito menos atrativos para os alunos. O programa de pós pode ser asfixiado por uma decisão como essa”, diz o coordenador, professor Fernando Ribeiro Gomes. “É difícil sustentar um programa de pós-graduação de qualidade sem recursos.”
“Pós-graduandos estão envolvidos em 90% da produção científica do país”
De acordo com reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta terça-feira (14/5), nos últimos cinco anos a Capes perdeu 24,4% dos recursos destinados a bolsas de pós-graduação e formação de professores. Em 2014, eram R$ 4,6 bilhões (valores corrigidos pela inflação acumulada até janeiro), e neste ano ficaram em R$ 3,4 bilhões, antes do contingenciamento de 23%. No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a redução foi de 40,6% no mesmo período.
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, declarou ao jornal que a redução pode abalar a posição do Brasil como 13o país com maior produção de publicações científicas do mundo. “Há o risco de perdermos muito rapidamente o que levamos décadas para conseguir. Nem mesmo durante a Ditadura se reduziu tanto o investimento em ciências, porque já havia a compreensão de que é através delas que o país se desenvolve economicamente”, afirmou ao Estadão.
O conceito de “ociosidade” utilizado pela Capes é questionado por Flávia Calé, presidenta da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) e mestranda do programa de Pós-Graduação em História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em declarações prestadas ao Informativo Adusp. “Não existe bolsa ociosa”, contesta ela. “Existe na verdade um déficit, porque 50% dos pós-graduandos do país não têm bolsa”.
Para Flávia, o corte representa na verdade “um crime” e expressa o entendimento de que sua concessão é um “auxílio”. “Na verdade, as bolsas são a remuneração de um trabalho fundamental para o país, que é a pesquisa. Cerca de 90% do que se produz na ciência nacional se dá na pós-graduação. Ou seja, esses alunos estão diretamente envolvidos nisso”, diz a presidenta da ANPG.
A greve nacional da educação, nesta quarta-feira (15/5), “é uma afirmação de que vamos resistir e lutar para reverter esses cortes”, defende Flávia. No seu entender, as declarações de representantes do governo Bolsonaro de que o congelamento poderia ser revisto com a aprovação da reforma da Previdência não passam de “chantagem”. “Conseguimos uma vitória importante com a grande mobilização da greve nacional do dia 15, que se transformou num ato em defesa da educação e da ciência. Isso revela o entendimento da população sobre o quanto é danoso esse projeto em andamento no Brasil”, afirma.
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