Prestar concursos públicos nem sempre é tarefa fácil. Principalmente quando se pretende um cargo efetivo de professor de educação básica II (PEB II). A Secretaria de Estado da Educação (SEE-SP) determinou que todos os candidatos ao cargo passem pelo Curso de Formação do Concurso Público para Provimento de Cargo Efetivo de PEB II, conhecido como curso de formação de professores. O curso é a terceira e última etapa do Concurso. Participam dele os candidatos classificados na prova objetiva e na avaliação de títulos. A aprovação final depende do êxito no curso, que inclui a frequência mínima de 75%.

No mês de julho de 2010, a SEE-SP convocou para fazer o curso de formação as cerca de 12 mil pessoas aprovadas nas etapas preliminares. O curso teve início em 8/8 e durou 18 semanas, terminando em dezembro. Nesses cinco meses, inúmeros problemas emergiram e poucos foram solucionados. A cursista C. (que preferiu não se identificar com receio de perder a vaga no concurso), estudante de História na USP, conta que os professores que prestaram o concurso público passaram por diversas humilhações.

Os maiores problemas, segundo C., teriam sido o descaso dos organizadores do curso no tocante ao envio de mensagens eletrônicas aos cursistas, para avisá-los dos encontros presenciais (e portanto comprometendo a frequência destes no curso); a inexistência de qualquer tipo de ouvidoria, deixando assim sem esclarecimento inúmeras dúvidas; a desorganização no pagamento de bolsas, que alguns candidatos não conseguiram receber.

Bloqueio

Tamanha desorganização acabou prejudicando diversos cursistas, muitas vezes de forma irreparável. Um deles é o professor de geografia Jackson Albuquerque, que foi desligado do curso por não conseguir postar uma das atividades exigidas, devido a problemas de acesso ao Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), sistema utilizado pelo curso para estabelecer contato com os cursistas. “Você tem um prazo, mas se você não entrega antes o sistema dá pau. Ou seja, o prazo que está lá escrito não é o prazo de fato”, explica Jackson, inconformado com o ocorrido. Quando o cursista é desligado do curso, é também bloqueado seu acesso ao Fale Conosco, serviço que faz (ou deveria fazer) a comunicação dos cursistas com a SEE-SP ou com a coordenação do curso.

O professor buscou informações na sede da Rede do Saber, a estrutura virtual que integra a Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores da SEE-SP, na rua João Ramalho, em São Paulo: “O rapaz com quem falei disse que não sabe quem é o pessoal do Fale Conosco, que eles deveriam ficar em alguma área dentro da Secretaria, pois a Escola de Formação ainda não estava pronta, apesar de ter sido anunciado na mídia que o governo, através de um decreto de 2009, teria criado tal escola”.

A professora de história Joana Salem Vasconcelos aponta outro problema do Curso de Formação: o conteúdo. “De várias leituras propostas nenhuma citou o mais importante historiador do Brasil, Caio Prado Jr., cuja interpretação histórica é a fonte direta daquilo que se ensina nas escolas. O conteúdo era pouco crítico e abordava a história como um conjunto de informações curiosas”, constatou. Também considera problemático o grande distanciamento que há entre as propostas pedagógicas apresentadas no curso e a realidade da escola pública.

A atividade chamada de “vivência”, em que se propõe cumprimento de estágios, é para Joana mais um problema. Na sua grande maioria, os cursistas já atuam profissionalmente na área do ensino, porém tinham que se deslocar para outra escola e assistir a algumas aulas da sua área. Durante a “vivência”, deveriam ser feitos relatórios dizendo como o professor observado utiliza o caderno “São Paulo Faz Escola”, a nova proposta curricular do Estado. “Quando eles pediram para irmos à escola, observar o uso do material e depois fazer um relatório, a atividade me pareceu uma fiscalização do trabalho do professor ‘terceirizado’ por outros professores”, comenta Joana.

“Indiferença”

A posição da SEE-SP em relação às críticas é de indiferença. Por exemplo: segundo o item 16 do Regulamento do Curso de Formação dos Professores, “A não postagem de atividades em função de falhas técnicas ou de conexão é de inteira responsabilidade do cursista não cabendo recurso apresentado à SEE-SP”. Ao ser questionada sobre essa atribuição de responsabilidade ao cursista, a Secretaria desconversou: “Toda a infraestrutura esteve preparada para não haver falha e interrupção no funcionamento do Ambiente Virtual de Aprendizagem. Mas falhas eventuais não impediram o envio de atividades”, declarou ao Informativo Adusp. Em resumo: nada de resposta.

No mesmo Regulamento, é dito no item 34 que “É de reconhecimento público a impossibilidade técnica da manutenção do funcionamento integral e ininterrupto de qualquer sistema de informática. Dessa forma, fica a Secretaria da Educação, desde logo, isenta de qualquer responsabilidade relativa à postagem de atividades web ou de manutenção de equipamentos”. Ou seja, ao mesmo tempo em que o cursista é considerado responsável por falhas na conexão, a SEE-SP assume que é impossível evitar falhas do sistema. Mesmo parecendo contraditório, se o cursista não consegue enviar atividades por falha do sistema, ele é automaticamente desligado do curso. Como recorrer? A SEE-SP também não respondeu a essa pergunta.

Para os cursistas ouvidos, a falta de diálogo acentua a sensação de impotência diante de tal situação. “Não há nada a se esperar desta SEE-SP”, critica Joana. “Vão continuar estimulando a competição dentro da categoria de professores por meio de bônus, rebaixando salários a níveis inéditos, e abarrotando salas de aula com mais de 45 alunos”.

Saúde

Além dos inconvenientes do curso de formação, os candidatos ao cargo de PEB II ainda tiveram que se submeter a uma enorme quantidade de exames laboratoriais necessários para a perícia médica. Tanto mulheres quanto homens são obrigados a realizar, no mínimo, 11 exames; contudo esse número pode chegar a 15 para o sexo masculino e 18 para o feminino. A excessiva preocupação do governo estadual com a “saúde” do corpo docente voltou aos noticiários jornalísticos em fevereiro: professores denunciaram ter sido considerados inaptos para exercer o cargo por “obesidade” ou por “hipertensão”.

 

Informativo n° 320

EXPRESSO ADUSP


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