A Unicamp está se destacando como a universidade pública estadual que mais energicamente se opõe aos decretos do governo Serra. José Tadeu Jorge foi o único dos três reitores a manifestar-se publicamente contra as medidas, em artigos publicados nos principais jornais diários. Outro contundente protesto é a “Carta Manifesto dos Diretores de Unidades Acadêmicas da Unicamp”, assinada por 21 dos 23 diretores.

“A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 207”, destaca logo de início o texto, “define perfeitamente o princípio da autonomia universitária: ‘As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão’.”

Para os signatários, tal formulação “contém dois aspectos decisivos”: primeiro, “a universidade firma-se como sujeito capaz de criar e de aplicar a si a sua própria normatividade, tendo como pressuposto a sua vocação de busca de conhecimento crítico e autocrítico”, e segundo, “a idéia de autonomia implica a indissociabilidade entre três práticas constitutivas da identidade acadêmica: a investigação livre, o rigor teórico e a transmissão do conhecimento através do ensino e da extensão”.

De acordo com os diretores, o “compromisso social é intrínseco ao princípio de autonomia universitária, pois ela se afirma na medida em que tanto a produção quanto a transmissão e a extensão do conhecimento passam por avaliação séria, através da mediação de pares, e são postas a serviço da sociedade”.

Prossegue o Manifesto: “A experiência das universidades estaduais paulistas foi certamente a que mais avançou no sentido da consolidação da autonomia universitária no Brasil, nessas últimas duas décadas. Após uma longa greve de docentes e funcionários em fins de 1988, o então governador de São Paulo, Orestes Quércia, assinou a autonomia de gestão financeira dessas instituições, através do Decreto no. 29.589, editado em 2/2/1989. Ficou estabelecido a partir de então que as universidades passariam a receber mensalmente 8,4% da quota parte do ICMS arrecadado destinada ao Estado. A partir de 1995, o percentual, que vigora até hoje, passou para 9,57%”.

Para os diretores, o decreto citado representou “a efetuação da autonomia da gestão financeira da Universidade, aspecto essencial do princípio maior da autonomia”. Assim, as universidades “se livraram das incertezas orçamentárias que tumultuavam as comunidades acadêmicas no início de cada exercício”. A carta afirma ainda que ao longo dos anos de vigência da autonomia financeira “as universidades públicas do Estado de São Paulo apresentaram concretamente um desempenho muito positivo”.

“Desse modo”, continua o documento dos diretores, “revelam-se desnecessários e extemporâneos os decretos do governador que ferem frontalmente o princípio constitucional da autonomia”, pois “não apenas sinalizam a tentativa de submeter o Conselho de Reitores à tutela da Secretaria de Ensino Superior, mas produzem dois efeitos ainda mais nocivos”.

Separação arbitrária

O primeiro desses efeitos seria “a intervenção sobre a autonomia financeira das Universidades ao dificultar os repasses do ICMS mediante atos difusos de operações financeiras, nas quais fica evidente o propósito de controle burocrático do orçamento”, porque, “ainda que o governo anuncie a disposição de acatar os remanejamentos de recursos necessários à gestão quotidiana dessas instituições, a simples obrigatoriedade de anuência do sistema burocrático externo à Universidade para efetuação de seus recursos significa ingerência na ‘autonomia de meios’ fundamental para a ‘autonomia de fins’ garantida constitucionalmente”.

Já o segundo efeito nocivoseria “a transferência das três universidades públicas paulistas da antiga Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico para a recém-criada Secretaria de Ensino Superior, a qual, por sua vez, abriga igualmente as cerca de 500 instituições de ensino superior privadas do Estado”. Tais alterações, “produzem a separação arbitrária e inaceitável entre ensino e pesquisa ou, o que é pior, deixa-se de distinguir Universidade que produz ensino e pesquisa daquelas que apenas fornecem ensino, que passam a formar a grande massa de filiados da Secretaria de Ensino Superior”.

A carta termina por fulminar o “pacote” de Serra: “Nós, Diretores das Unidades Acadêmicas da Unicamp, não seremos coniventes com essas anomalias institucionais, de duvidosa base constitucional. Nenhum ajuste fiscal que eventualmente interesse ao governo, qualquer governo, assim como nenhuma alegação populista ou demagógica, movida afinal pelo mal disfarçado desejo intervencionista, será bastante para justificar a perda irreparável daí decorrente: a liberdade de criação científica e cultural das Universidades”.

Na mesma data, o Conselho Universitário (Consu) manifestou “completo desacordo com os decretos do Governo do Estado de São Paulo que dizem respeito à reorganização do ensino superior, por ferirem os princípios da autonomia universitária em seus meios e seus fins”.

O Consu solidarizou-se, na mesma nota, com o Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), repudiando “as declarações desqualificadoras do secretário adjunto da Secretaria de Ensino Superior, o sr. Eduardo Chaves, contra o Cemarx, interferindo com isso na liberdade de criação e de pesquisa da Universidade”.

 

Matéria publicada no Informativo nº 233

EXPRESSO ADUSP


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