Comunidade do Butantã reage ao colapso do HU  e fará marcha à Reitoria para exigir contratações

Em reunião realizada no dia 24/3 no Circo-Escola São Remo, a comunidade do Butantã decidiu reagir ao iminente colapso do Hospital Universitário (HU) e já prepara marcha à Reitoria em 7/4, para reivindicar a imediata contratação de profissionais para o HU, de modo a repor as perdas sofridas com as mais de 200 “demissões voluntárias” incentivadas pelo PIDV, que incluem 18 médicos. 

fotos: Daniel Garcia
Aspectos da visita do ex-presidente ao hospital, em 27/2
Aspectos da visita do ex-presidente ao hospital, em 27/2
Reunião da comunidade realizada no Circo-Escola São Remo em 24/3

Participaram da reunião cerca de 60 pessoas, na sua maioria populares da região do Butantã, mas também vários funcionários da USP e do HU, entre os quais o diretor clínico José Pinhata Otoch, diretores do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp) e um numeroso grupo de estudantes dos cursos de medicina, psicologia e jornalismo. Algumas moradoras vieram acompanhadas dos filhos. 

“É muito importante que a população se engaje com a gente nesta luta para evitar o fechamento do HU. É essencial que ele se mantenha na USP”, disse, ao abrir a reunião, Rosane Meira Santos, diretora do Sintusp e funcionária do HU há vinte e sete anos. Ela pediu a Pinhata que relatasse a atual situação do hospital. 

Populares que participaram da reunião propuseram a “saída do reitor” como um dos itens da agenda de mobilização. Apesar das ponderações de algumas lideranças em sentido contrário, a proposta foi a mais aplaudida ao final da reunião, quando da votação de cada item. “O reitor é médico e não está esquentando a cabeça com a saúde da população”, sintetizou um dos participantes. 

“Esquema inseguro”

O diretor clínico resumiu as duas crises enfrentadas pelo HU. A primeira, segundo ele, provocada pelo surto de dengue que, entre abril e maio de 2014, levou o hospital a fazer cerca de 1.500 atendimentos por dia. A segunda logo em seguida, quando a 

Reitoria deu início à sua tentativa de desvinculá-lo da universidade. “O HU não é foco dos problemas financeiros da USP. O hospital foi punido, e muito punido”, disse. Ele afirmou que duas ações da Reitoria prejudicaram enormemente a capacidade do HU de atender os pacientes: a redução obrigatória da carga de trabalho dos médicos, para adequação ao teto salarial do Estado; e a implantação do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV). 

Pinhata explicou que os médicos do HU realmente ganhavam salários altos, mas que isso se devia às horas-extras correspondentes aos plantões por eles realizados, e especialmente à política da USP de contratação desses profissionais por jornadas reduzidas (por exemplo: 24 horas semanais). A Reitoria se utilizou desse fato para atacar a imagem dos médicos e a do próprio hospital. “A implantação do teto salarial diminuiu o número de médicos disponíveis, porque não podem fazer hora-extra. Há uma redução do número de plantonistas”, esclareceu. Como resultado dessa medida, atende-se um número menor de pacientes. 

Quanto ao PIDV, a seu ver foi “instituído sem uma política adequada”, resultando em uma perda da ordem de 15% dos recursos humanos do HU. “Fecham-se leitos extremamente importantes, de unidade semi-intensiva. Sempre trabalhamos para oferecer mais aos nossos pacientes. Mas, de um ano para cá, só temos oferecido menos”, lamentou, dizendo-se “desconfortável”. 

“É um esquema inseguro para o hospital, para os funcionários e para a população. Estou proibido de dar plantão — eu e outros médicos. E estamos vendo o serviço hospitalar minguando. Por sorte o surto atual de dengue não é tão cruel como o do ano passado”, relatou o diretor clínico aos moradores do Butantã. “Há uma queda de braço entre o reitor e o corpo funcional do HU. Ele quer deixar o hospital à míngua”.

Pinhata reforçou a necessidade de participação da comunidade local na mobilização em defesa do hospital, dando como exemplo a necessidade de pressionar o Ministério Público Estadual (MPE-SP). “A luta pelo HU é da população da região Oeste. Não temos interlocução aceitável nem com a Prefeitura, nem com o Estado”, acrescentou. 

“Os donos do Estado”

Vários funcionários, estudantes e populares apontaram a precariedade do atendimento das UBS e AMAS da região, opinando que nem o governo municipal nem o estadual mostram real preocupação em oferecer adequado serviço de saúde à população. O anunciado fechamento temporário do PS Bandeirante e do PS da Lapa tende a sobrecarregar ainda mais o HU. 

“A região tem 600 mil habitantes, deveria ter 25 unidades básicas de saúde. Mas temos 13, e a última foi inaugurada há 30 anos”, disse Mário de Souza, do Fórum de Saúde do Butantã, que coordenou a reunião no Circo-Escola. “Onde você vai ser atendido à noite, ou num sábado? A Prefeitura não implantou a UBS integral e só nos resta o HU, porque o PS Bandeirante vai ficar fechado por seis meses e o PS da Lapa idem”. Ele afirmou também que uma das UBS da região atendeu 380 casos de dengue. “Temos que nos mobilizar como população”, concluiu. 

“Um dos poucos serviços que a Universidade retorna à comunidade é a saúde”, disse Claudionor Brandão, diretor do Sintusp. “Precisamos exigir desse burocrata [o reitor] que contrate os profissionais necessários. O PS Bandeirante vai fechar. Vocês vão para onde, quando precisarem?” 

Após questionar a gestão do Hospital Universitário (“Waldyr Jorge tem quatro cargos na Universidade. Será que ele cuida bem do HU?”), o morador Geraldo Cunha, também membro do Fórum de Saúde do Butantã, deu ênfase ao envolvimento direto da população: “Solução boa é mobilizar a população. Nós vamos lutar contra os donos do Estado. A mobilização é o mais correto”. O radialista comunitário Sérgio Boiadeiro, por sua vez, declarou apoio e colocou a Rádio Cidadão à disposição do movimento. 

Depois de se juntar às críticas aos postos de saúde estaduais e municipais  (“Temos de entrar na fila às cinco da manhã, para pegar vinte senhas. É uma vergonha não haver hospital público na região”), Cristiano Coronado, presidente da Associação dos Moradores da Raposo Tavares, avisou: “Vamos à luta pelo HU. Podem contar com a gente”. 

Ivo Guterman, presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC), da Faculdade de Medicina da USP, repassou a mensagem dos seus colegas aos moradores do Butantã: “Os estudantes estão com vocês para a melhoria do hospital. Queremos salvar e melhorar o HU e as UBS também. A gente está aqui pelo SUS [Sistema Único de Saúde]”. O presidente do CAOC anunciou que a entidade encaminharia um documento ao MPE-SP pedindo providências contra o desmantelamento do hospital.

Dinizete Xavier, funcionária do Centro de Saúde-Escola da USP, criticou duramente a Fundação Faculdade de Medicina (FFM), que é a “organização social” (OS) gestora do PS Bandeirante e do PS Lapa, porque segundo ela não há transparência quanto aos recursos embolsados pela entidade, no seu entender interessada apenas em lucrar. Outros oradores também citaram a FFM, responsável pela implantação da “segunda porta” e consequente privatização parcial do Hospital das Clínicas e pela gestão de diversas unidades públicas de saúde da região Oeste, bem como do Instituto do Câncer. 

O Informativo Adusp procurou o superintendente Waldyr Jorge, em 30/3, para que comentasse o relatório e a situação vivida pelo HU, encaminhando-lhe algumas perguntas pelo correio eletrônico. O professor entrou em contato com a reportagem em 1º/4, informando que tem máxima disposição de esclarecer as questões pertinentes ao HU, mas se disse sem tempo para elaborar as respostas. Comprometeu-se a receber a equipe do Informativo Adusp na próxima semana.

Também procurado, por intermédio de sua assessoria, até o fechamento desta matéria para publicação o reitor M.A. Zago não havia enviado respostas às três perguntas que lhe foram encaminhadas em 30/3. 

 

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EXPRESSO ADUSP


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