A resistência de funcionárias e funcionários lotados no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC) a assinar um “termo de anuência”, mediante o qual concordariam expressamente em migrar para o Hospital das Clínicas (HCB), e passar a receber ordens e orientações laborais de gestores privados a serviço da “organização social” Faepa, parece estar desnorteando a Reitoria da USP e os próprios dirigentes daquela fundação privada.

A Faepa, ou Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), foi contratada diretamente (sem licitação) pelo governo Rodrigo Garcia (PSDB) para realizar por cinco anos a gestão do HCB, devendo receber R$ 309 milhões por esse serviço.

Porém, a mídia de Bauru vem denunciando atrasos no cumprimento do cronograma previsto no contrato e perseguições da Reitoria e da Faepa ao corpo funcional do HRAC. Como agravante, o prédio do HCB ainda não contaria sequer com o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).

Mantida por docentes da FMRP, a Faepa controla inteiramente o HC de Ribeirão Preto (autarquia estadual), onde mantém uma lucrativa “clínica civil” para atender pacientes particulares e de convênios (em prejuízo do Sistema Único de Saúde), e obteve em 2021, segundo ano da pandemia de Covid-19, um notável superávit de R$ 47,5 milhões.

O reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. é docente da FMRP e, no período 2013-2016, presidiu o Conselho de Curadores e de Administração da Faepa, principal colegiado daquela fundação privada. Em junho último, 30 integrantes do Conselho Universitário (Co) assinaram petição para que a “desvinculação” do HRAC, aprovada irregularmente em 2014, volte a ser discutida, mas Carlotti Jr. recusa-se a incluir o assunto na pauta do Co.

Embora o HRAC não seja citado no contrato de gestão firmado entre a Secretaria de Estado de Saúde (SES) e a Faepa, um Acordo Técnico de Cooperação, assinado em dezembro de 2021 pelo então reitor Vahan Agopyan e pelo secretário estadual da Saúde Jean Gorinchteyn, define que “as atividades assistenciais” executadas pelo HRAC seriam assumidas pela SES “após a definição, pela pasta, da modalidade de gestão dentre aquelas permitidas pela legislação vigente, incluindo a operacionalização e a gestão da unidade por meio de contrato de gestão com Organização Social de Saúde nos termos da Lei Complementar 846/1998”.

Como já assinalado em janeiro de 2022 pelo Informativo Adusp, a cláusula décima do Acordo de Cooperação Técnica prevê que a(o)s servidores da USP que atuam no HRAC ficarão “sujeitos à observância dos regulamentos internos do local onde estiverem atuando e cabendo-lhes cumprir as diretrizes, normas gerenciais e hierarquias funcionais emanadas da Secretaria [de Saúde] ou da organização social contratada”. Servidore(a)s público(a)s são assim entregues à disposição do capital privado, e passam a subordinar-se a gestores privados, como é próprio dos contratos de gestão.

O mais extraordinário nessa possível migração do HRAC para o HCB, caso realmente ocorra, é que caberá à USP continuar pagando os salários de cerca de 530 funcionária(o)s. Portanto, uma expressiva parcela dos custos da “organização social” Faepa com a remuneração da força de trabalho empregada no HCB seria, na realidade, coberta pela USP, tornando o “negócio” ainda mais atraente para a fundação privada.

Assim, a resistência do corpo funcional do HRAC a assinar o termo de anuência introduz incertezas para a Faepa, que a Reitoria tenta contornar pressionando trabalhadoras e trabalhadores para que assinem o documento. Na segunda-feira 31/10 encerra-se o segundo prazo fixado pela Reitoria, que teve de recuar em relação ao prazo inicial de 14/9. No dia 13/9, uma inédita paralisação do HRAC, liderada pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), demonstrou a força do movimento de resistência às condições que a Reitoria busca impor.

Funcionário(a)s exigem representação paritária na Comissão de Transição

Quem se negar a assinar o termo de anuência é alvo de chantagem laboral, pois terá de concordar em se transferir de Bauru para outra cidade onde houver campus da USP. Ou, ainda pior, caso recuse essa transferência poderá ser objeto de demissão, como denunciou Neli Paschoarelli Wada, diretora do Sintusp, em entrevista à Jovem Pan News, em 21/10. Mas, apesar de todas as pressões, destaca Neli, até esta data apenas quatro pessoas assinaram o documento de aceite.

A absurda situação provocada pela Reitoria e pelo governo estadual foi relatada em 5/10 à Comissão de Gestão do Trabalho e Funcionamento dos Serviços de Saúde, órgão vinculado à própria pasta estadual da Saúde, em reunião que contou com a participação de diversos convidados, como Paulo Lotufo, superintendente de Saúde da USP, Carlos Ferreira dos Santos, superintendente do HRAC, e representantes da Faepa e do Sintusp.

“Suspensão da assinatura do Termo de Anuência proposto pela USP para ciência dos conselheiros e melhor entendimento dos trabalhadores, diante da ausência de informações e esclarecimentos da USP, da Faepa e Secretaria de Saúde [SES], sobre Regimentos, Normas e Diretrizes do HCB-Hospital das Clínicas de Bauru, bem como sobre a falta de representação paritária na Comissão de Transição”, foi a principal deliberação da Comissão na reunião citada, de acordo com documento encaminhado ao Conselho Estadual de Saúde.

Criada em 25/8 para acompanhar o processo de migração do corpo funcional do HRAC (Portaria GR 7.784/2022), a Comissão de Transição foi composta exclusivamente por pessoas escolhidas e nomeadas pela Reitoria. Por essa razão, uma assembleia da categoria realizada em 6/9 decidiu reivindicar a participação paritária na Comissão de Transição.

Na reunião de 5/10, a Comissão de Gestão do Trabalho e Funcionamento dos Serviços de Saúde deliberou, ainda, solicitar que a SES encaminhe o Regimento Interno do HCB, mencionado no termo de anuência e de responsabilidade da pasta, bem como solicitou à Faepa que encaminhe “seu Regimento Interno, Normas e Diretrizes, ainda não divulgados para os funcionários do HRAC e mencionados no termo de anuência”.

Diante dessas solicitações, enfatiza o documento, “é fundamental que se suspenda o prazo imposto pela USP, para assinatura do referido Termo, para que o Conselho Estadual de Saúde tome ciência de toda a documentação, conforme aprovado nesta reunião”. Registra, ainda, “o nosso estranhamento quanto à ausência do reitor, previamente convidado, e à saída da Superintendência e assessores do HRAC, que se apresentaram, não permanecendo para explicações e respostas às perguntas dos membros”.

Ação civil coletiva do Sintusp tramita na 2ª Vara do Trabalho de Bauru

O Sintusp ajuizou ação civil coletiva (ACC), em 8/9, contra a Universidade de São Paulo e a SES, buscando “garantir condições mínimas de segurança jurídica aos empregados celetistas da Universidade de São Paulo” alcançados diretamente pelos termos do Acordo de Cooperação Técnica firmado em 2021. A ACC tramita na 2ª Vara do Trabalho de Bauru e, quando foi ajuizada, ainda estava em vigor o prazo de 14/9 para assinatura do termo de anuência, cuja suspensão é requerida pelo Sintusp.

“Os empregados representados pelo Sindicato Autor estão sendo obrigados a decidirem sobre se aceitam, ou não, prestarem serviços subordinados a uma Organização Social privada […] ou, em caso de não aceite, serem transferidos para outras localidades da Universidade de São Paulo”, diz a inicial. “Entretanto, as mais diversas dúvidas suscitadas antes da assinatura do referido Termo de Aceite, ou de Anuência, não estão sendo esclarecidas pelas requeridas [USP e SES], assim como não estão sendo definidas regras de transparência quanto ao futuro dos trabalhadores representados pelo Sindicato Autor, seja os que aceitarem ou os que não aceitarem, o que vem causando um verdadeiro terror em relação ao futuro profissional e pessoal de cada um dos 535 trabalhadores afetados […], principalmente face à imposição de um prazo absolutamente exíguo para tomarem uma decisão de tamanha grandeza”.

Em 23/9, o Sintusp protocolou um pedido de tutela cautelar (liminar), para solicitar à 2ª Vara do Trabalho de Bauru que fosse garantido ao(à)s trabalhadore(a)s do HRAC, “por meio da presença de um representante, a ser indicado livremente pelos trabalhadores”, a participação nas “rodas de conversa” que a Faepa, com a anuência da Superintendência do HRAC, promoveu no hospital entre os dias 26/9 e 28/9.

O objetivo propalado das “rodas de conversa”, propostas e organizadas pelo diretor geral do HCB, Danilo Arruda de Souza (nomeado pela Faepa), seria o de “esclarecer dúvidas relacionadas à atuação dos servidores”. Contudo, a participação em tais reuniões seria restrita, literalmente, a “chefias e lideranças”, segundo o comunicado da Superintendência do HRAC.

No entanto, alegou o Sintusp, apesar de todos os seus esforços “até o momento nenhuma dúvida foi esclarecida”, e a intenção “de reunir chefias escolhidas a dedo”, adverte, “nem de longe conseguirá, realmente, esclarecer as dúvidas dos servidores”, até porque “a ampla maioria encontra-se completamente desorientada quanto às regras de transição”.

No entender do Sintusp, as reuniões ou “rodas de conversa” precisariam ser abertas, “ter a participação dos trabalhadores, e não apenas de chefias convidadas, sob pena de afetação à garantia mínima dos trabalhadores de serem informados acerca das condições que serão impostas a cada um, após a aceitação, ou não, da transferência para a nova unidade hospitalar, gerida pela organização social denominada Faepa”.

Nova assembleia geral de funcionárias e funcionários do HRAC deverá ocorrer nesta quinta-feira (27/10), a partir das 12 horas, no Quiosque.

EXPRESSO ADUSP


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