Saúde
Permanência do HRAC na USP continua a mobilizar pacientes e servidora(e)s, e campanha contra “desvinculação” repercute na mídia
Nos últimos dias, a mobilização em defesa da sobrevivência institucional do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC), conhecido como “Centrinho” e que está na iminência de encerrar suas atividades para dar lugar ao futuro Hospital das Clínicas de Bauru (HCB), teve continuidade com a realização de protestos e de uma audiência pública informal na Assembleia Legislativa (Alesp).
Nesta terça-feira (29/3), a bandeira de revogação da “desvinculação” do HRAC chegou ao Conselho Universitário (Co), que se reuniu, extraordinariamente, para apreciar a proposta do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) de reajustar os salários em 20,67% (depois de anos de arrocho salarial).
Em 2014, ao apreciar proposta de resolução apresentada pelo reitor M.A. Zago e endossada pela então diretora da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) e superintendente do HRAC, Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado, conhecida como Cidinha, o Co decidiu, por maioria simples, “desvincular” o hospital.
O movimento em defesa do HRAC decidiu pressionar o Co para que reveja a “desvinculação”, levando em conta não só o fato de que essa decisão não contou com maioria qualificada (dois terços), como todas as irregularidades e inconsistências do processo. Por essa razão dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e a vereadora Estela Almagro (PT), de Bauru, estiveram na entrada da Reitoria nesta terça para dialogar com conselheira(o)s e apresentar o pedido de anulação daquela desastrosa medida.
A questão do HRAC foi abordada durante a reunião do Co por alguns da(o)s participantes, como o professor Adrián Fanjul, representante da Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Reinaldo Souza e Barbara della Torre, representantes da(o)s funcionária(o)s técnico-administrativa(o)s.
Também na terça, em Bauru, um grupo de familiares de pacientes manifestou sua forte insatisfação com a extinção do Centrinho, na entrada do hospital. O protesto foi registrado pela repórter Ana Paula Gonçalves, do telejornal Balanço Geral do Interior (BGI), da TV Record. Participaram dele várias famílias de pacientes, oriundas do Tocantins, Maranhão, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e de diversas cidades paulistas.
Outro telejornal que abordou o assunto foi o Brasil Urgente, da TV Bandeirantes. “Em cinco décadas, o Centrinho já atendeu mais de 122 mil pacientes de todo o Brasil, e já formou mais de 1.700 mestres, doutores e especialistas”, registrou a repórter Isadora Venturini. “O que eles pensam é só enxugar custo, e saúde não é custo, saúde é essencial”, declarou Cláudia Carrer, funcionária do HRAC e diretora do Sintusp, ao criticar a planejada transferência da gestão para uma “organização social de saúde”, ou OSS.
“Não faz nenhum sentido privatizar o sistema de saúde das universidades”
Na segunda-feira (28/3), por iniciativa do deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), um ato solene virtual em defesa do HRAC, que funcionou como uma espécie de audiência pública extraoficial, foi realizado pela Alesp, contando com a participação de muita(o)s pacientes e familiares que, por meio de depoimentos tocantes, defenderam a continuidade do Centrinho como um órgão da USP.
De Porto Alegre, onde participava do 40o Congresso do Andes-Sindicato Nacional, o professor Paulo César Centoducatte (Unicamp), coordenador do Fórum das Seis, expressou apoio irrestrito à luta em defesa do Centrinho e à sua permanência na USP. “O Fórum das Seis sempre defendeu não só o HRAC, mas todo o sistema de saúde das universidades, vinculado ao SUS. Não faz nenhum sentido privatizar o sistema de saúde das universidades”, disse.
“O estado tem recursos mais que suficientes para manter esses hospitais, o que falta realmente é só vontade política do governo e infelizmente também da Reitoria da USP. Estamos nessa luta, o pessoal de Bauru pode contar com todo nosso apoio, nossa força, nosso empenho para manter o HRAC na USP”, completou ele.
Vária(o)s pacientes expressaram seu profundo afeto pelo hospital e sua oposição à transferência pretendida pelo governo João Doria-Rodrigo Garcia (PSDB) e autorizada pela Reitoria. “Tem que deixar do jeito que está. Deixar para OSS, está louco?”, resumiu Adriano Rodrigues Silva, de 32 anos, atendido desde os dois meses de idade no HRAC.
“Há mais de trinta anos faço tratamento no Centrinho, e ainda não terminei. Vi numa reportagem o reitor dizendo que é inviável o Centrinho ficar na USP. Inviável por quê?”, questionou Katilaene Ayroso da Cruz, técnica de enfermagem de Rio Negrinho (SC). “O Centrinho para mim é uma família. A gente precisa do Centrinho sempre na USP. Todos os fissurados e também as gerações futuras que vão precisar”.
Alexandre Pitolli, jornalista da TV Jovem Pan, considera que o hospital “foi passado para trás” por dirigentes da USP interessada(o)sem cargos: “Para esses que negociaram, o Centrinho não passou de uma moeda de troca, infelizmente”, disse. “Há uma articulação nítida do governo do Estado para o desmonte do Centrinho”, assegurou, acrescentando ter informações de que esse movimento para fechar o HRAC teve início já em 2010.
Na avaliação de Pitolli, o curso de Medicina da FOB também é tratado como uma moeda de troca: “Tentaram criar uma dicotomia: ou o curso de Medicina ou o Centrinho”. O jornalista denunciou que o governo estadual quer transferir o centro cirúrgico do HRAC para o Prédio 2, onde será instalado o Hospital das Clínicas. Caso isso ocorra, advertiu, a(o)s pacientes portadora(e)s de anomalias craniofaciais serão prejudicada(o)s, uma vez que o centro cirúrgico passará a ter como prioridade atendimentos de emergência, como cirurgias de apêndice por exemplo.
Maria Inês Gandra Graciano, presidente da Rede Profis, que congrega quarenta associações de familiares de pacientes portadora(e)s de fissuras labiopalatinas, deixou um recado claro: “Somos contrários à desvinculação do Centrinho da USP, essa desvinculação não pode acontecer. Esse hospital é da USP”.
Quanto à suposta “inviabilidade” da manutenção do HRAC, alegada pelo reitor Carlotti Jr. (e contestada pela paciente Katilaene), o deputado Giannazi lembrou que a USP é a “maior universidade pública da América Latina, com orçamento de R$ 7,5 bilhões em 2022”.
No dia seguinte ao ato virtual, Giannazi apresentou o projeto de lei 152/2022, que proíbe a desvinculação do hospital da estrutura administrativa da USP, “diante de sua natureza primordial de ensino, pesquisa e formação acadêmica”; veda a celebração de “contratos de gestão previstos pela Lei Complementar 846, de 1998, entre organizações sociais de saúde e a USP”; e considera “inválidas e nulas de pleno direito as deliberações e decisões de desvinculação ou a concessão a organização social referentes ao HRAC-Centrinho”.
Estudantes denunciam problemas do curso de Medicina de Bauru
No dia 25/3, numeroso grupo de estudantes do curso de Medicina de Bauru da USP aproveitou a cerimônia de posse da nova diretora da FOB, Marília Afonso Rabelo Buzalaf, à qual compareceu o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., para realizar uma polida, porém contundente manifestação contra as condições em que vem ocorrendo sua aprendizagem.
Embora o objetivo central do protesto não tivesse relação direta com a situação do HRAC, vale lembrar que o surgimento do curso (em 2017) resultou da “desvinculação” do hospital (em 2014). Disposta a livrar-se dele, a Reitoria decidiu ceder ao governo estadual o prédio novo do HRAC (“Prédio 2”), para que fosse montado ali o HCB — que seria o futuro hospital do curso de Medicina. Esse era o acordo com o então governador Geraldo Alckmin (à época no PSDB) e outros interessados nos dividendos eleitorais do projeto. Tudo foi realizado no improviso.
Criado às pressas pelo Conselho Universitário apesar das ponderações e advertências de integrantes do colegiado, o curso nasceu como graduação da FOB e não de uma nova faculdade de medicina, como seria lógico. O casuísmo (curso de Medicina criado em faculdade de Odontologia, por pura conveniência) decorreu do fato de que a Reitoria, pela própria natureza arbitrária do projeto, não dispunha dos votos necessários para aprovar no Co a criação de uma nova unidade, o que exigiria quórum de 2/3 do colegiado.
As frases estampadas nos cartazes levados ao teatro da FOB, local onde ocorreu a cerimônia de posse da diretora, condenavam o produto do comportamento irresponsável da gestão reitoral M.A.Zago-V.Agopyan: “Precisamos de estágios e professores”, “R$ 5 bilhões [de orçamento anual] e cadê meu professor?”, “8 alunos para 1 leito”, “Nenhum direito a menos, HC + HRAC” — esta última contrapondo-se ao ponto de vista da Reitoria de “ou um ou outro” hospital.
Reitor incorre em contradições ao falar do HRAC e do HCB
O telejornal BGI, da TV Record, levou ao ar reportagem sobre a manifestação estudantil de 25/3 e a situação do HRAC, informando que o Centrinho vem sendo submetido a um processo de desmanche, que inclui a redução dos atendimentos, e a fila de espera para cirurgias já tem mais de 10 mil pacientes.
“Nós não sabemos ainda quais departamentos terão [sic] dentro do HC, mas certamente o Centrinho vai ser um local preponderante dentro do HC”, vaticinou o reitor Carlotti Jr., nas declarações que prestou à mídia local em 25/3 e foram reproduzidas pelo BGI. “A clínica mais importante dentro do HC, dentro desse contexto de Bauru, certamente vai ser o tratamento das fissuras [labio]palatinas. Não tenho dúvida nenhuma de que essa excelência precisa ser mantida pela universidade” declarou, contraditoriamente.
A alegada “preponderância” não consta do Acordo Técnico de Cooperação firmado entre a USP e o governo estadual em dezembro de 2021, no qual não existe menção ao tratamento de fissuras labiopalatinas. Por outro lado, a universidade não terá como manter a “excelência” do tratamento, uma vez que a Reitoria transferiu a gestão do hospital ao governo estadual, que por sua vez a confiará à “organização social de saúde” que sair vitoriosa no chamamento público divulgado em janeiro último.
Na mesma entrevista, o reitor concedeu declarações igualmente confusas sobre o destino do atual corpo funcional do HRAC. “Parte dos servidores do Centrinho continuarão [sic] no Centrinho, porque ele vai continuar a existir, a parte acadêmica do Centrinho vai continuar a existir. Parte dos funcionários, se tiverem interesse, vão ficar nos outros departamentos da Faculdade de Medicina, se ela for criada, e mesmo dentro do hospital. Porque você precisa ter uma estrutura acadêmica dentro dessa estrutura assistencial” (destaques nossos).
Em reunião mantida em 10/2 com o corpo funcional, o superintendente do “Centrinho”, Carlos Ferreira dos Santos, não mencionou a continuidade do hospital em hipótese alguma, nem mesmo para abrigar a “parte acadêmica” citada por Carlotti Jr. Também não aludiu à possibilidade de remanejamento de funcionária(o)s para a eventual Faculdade de Medicina. Ferreira aludiu a duas hipóteses apenas: trabalhar no futuro Hospital das Clínicas, ou procurar alguma unidade da USP em outro câmpus, uma vez que a FOB não teria como absorver cerca de 500 funcionárias(os) do Centrinho.
Ademais, se nem o próprio reitor sabe se a Faculdade de Medicina será criada (e quando), parece extravagante dizer-se que uma parte da(o)s funcionária(o)s, se quiser, poderá optar por algum departamento dessa possível unidade de ensino.
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