Saúde
TJ-SP proíbe greve de médicos nas unidades básicas de saúde da capital, mas categoria mantém mobilização por condições de trabalho dignas
21/01/2022 14h44
Liminar de desembargador atendeu a uma ação judicial da Prefeitura, que tem se recusado a dialogar com o Sindicato dos Médicos. No entanto, as UBS estão sobrecarregadas pela enorme procura decorrente das epidemias de Covid-19 e Influenza. As Organizações Sociais de Saúde (OSS) contratadas pela municipalidade para gerir esses equipamentos recusam-se a contratar mais profissionais. Nas UBS faltam remédios e insumos básicos para atendimento de pacientes
A paralisação das médicas e médicos da atenção primária atuantes nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da capital paulista, decidida em assembléia no dia 13/1 e prevista para ocorrer nesta quarta-feira (19/1), foi suspensa pela categoria depois que o vice-presidente do Tribunal de Justiça (TJ-SP), desembargador Guilherme Gonçalves Strenger, atendeu a um pedido da Prefeitura e concedeu liminar na qual ordena a suspensão da greve, por considerá-la “abusiva”.
Segundo o Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (Simesp), a suspensão da paralisação foi deliberada por mais de 200 profissionais presentes em assembleia geral extraordinária realizada nesta terça-feira (18/1). Contudo, eles mantiveram o estado de mobilização permanente e, no dia seguinte, realizaram um ato de protesto em frente à Prefeitura de São Paulo.
“O Simesp e a categoria entendem que a ação da Prefeitura e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) foi arbitrária e um cerceamento ao direito de greve”, declarou a entidade. “Aliás, esse tem sido o modo de agir da Prefeitura e da SMS desde o anúncio do indicativo de paralisação”. Na avaliação do Simesp, as autoridades municipais “ignoram tentativas de diálogo e acordos, enquanto divulgam inverdades contra os trabalhadores e usam da Justiça para impedir a mobilização”.
Ainda de acordo com o sindicato, a suspensão da paralisação foi aceita tão somente pela possibilidade de abertura de negociação, com o Ministério Público, das reivindicações das médicas e médicos atuantes nas UBS, conforme estipula a liminar do TJ-SP. Porém, a data fixada para a audiência de conciliação, 27/1, foi considerada pela assembleia incompatível com o aumento dos casos de Covid-19 e sobrecarga dos equipamentos de saúde e de seus trabalhadores.
“Medidas urgentes devem ser tomadas! Como o veto à paralisação pode ser decidido em menos de 24h e a contratação de profissionais deve aguardar mais de uma semana?”, questiona o Simesp. Durante a assembleia desta terça, o presidente do sindicato, Victor Dourado, alertou para um eventual colapso do sistema de saúde: “As medidas não podem ser para daqui a um ou dois meses, têm que ser tomadas agora!”, disse. Deste modo, o Sindicato solicitará o adiantamento da audiência.
Independentemente dos desdobramentos, houve consenso na assembleia de que a mobilização dos trabalhadores da atenção primária “está sendo muito frutífera”, uma vez que imediatamente após o anúncio do indicativo de paralisação a categoria conquistou o pagamento das horas extras e a SMS anunciou a realização de 700 contratações que, “apesar de não se destinarem às UBS, são fruto inequívoco desta mobilização”. Os profissionais das UBS visitaram diversas unidades e conversaram com colegas de todas as categorias, que apoiam a mobilização. “Apesar do que se divulga e da tentativa de virar os usuários contra as médicas e médicos, a paralisação foi compreendida pela população como fundamental para superação das precárias condições de atendimento a que estão sujeitos”, avalia o Simesp.
Recentemente foi divulgada uma “carta aberta” à população do município de São Paulo, ao secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido dos Santos, e às Organizações Sociais de Saúde (OSS) que gerem as unidades básicas do município, na qual são apontados os graves problemas enfrentados por essas UBS e pelos trabalhadores e trabalhadoras que lá atuam.
O texto denuncia o fato de que, apesar da enorme procura das UBS pela população em razão do surto de Influenza e da pandemia de Covid-19 após o advento da variante Ômicron, as OSS contratadas pela Prefeitura para gerir esses equipamentos recusam-se a alocar os recursos humanos e materiais necessários para um atendimento digno e eficaz dos pacientes.
Os signatários da carta aberta são o Simesp e outros seis sindicatos: dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (SindSaúde), dos Psicólogos (SinPsi), dos Farmacêuticos, dos Nutricionistas (SindiNutri), dos Enfermeiros (SEE-SP) e dos Agentes Comunitários de Saúde (SindiComunitário).
Apesar da elevação exponencial do número de atendimentos, não houve ampliação das equipes
“Profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) que atuam em UBS estão trabalhando desde antes da pandemia com grande sobrecarga, o que só se deteriorou com a atual conjuntura e a demanda dos sintomáticos respiratórios. Hoje, além de mantermos os serviços rotineiros, adicionamos ao escopo de atuação a coleta de exames relacionados aos casos suspeitos de Covid-19, suporte à vacinação, atendimento aos sintomáticos respiratórios e aos pacientes com sequelas da Covid-19”, explica o documento.
“Apesar da elevação exponencial do número de atendimentos, nunca foi oferecido, por parte da Prefeitura ou das OSS parceiras, a contratação de profissionais extras para auxiliar no enfrentamento à pandemia. Pelo contrário, os funcionários responsáveis pela vacinação, coleta de PCR para Covid-19 e atendimento a pacientes com síndrome gripal foram realocados de outras funções nas UBS, deixando profissionais de todos os setores sobrecarregados e a população sem atendimento adequado”.
“Psicólogos, nutricionistas e equipes de saúde bucal, por exemplo, reduziram o tempo de trabalho em suas agendas para realização do telemonitoramento de pacientes sintomáticos respiratórios — negando à população a já tão escassa oportunidade de tratamento de doenças de saúde mental, bucal e nutricional”, destaca. “Agentes comunitários de saúde que já continuamente se expõem ao risco dessa nova doença infecciosa estão sendo deslocados para auxiliar tarefas de vacinação nas unidades e em drive-thrus, e para organização de fluxo do atendimento de sintomáticos respiratórios e filas das UBS, com manutenção da cobrança de metas: 200 visitas domiciliares/mês, sem abatimento dos dias em que ficam nessas atividades extras das unidades ou em drive-thrus”.
As equipes de enfermagem, por sua vez, vêm apresentando “cada vez mais sinais de exaustão por serem cobradas pela organização de fluxos de vacinação, preenchimentos de notificações dos casos atendidos, coletas de exames em pacientes com sintomas respiratórios, além de acumularem as tarefas burocráticas da unidade, sem o devido aumento do dimensionamento de pessoal”. Médicas e médicos, diz a carta, “têm sido obrigados a atenderem num ritmo em que não conseguem prestar boa assistência aos seus pacientes devido à crescente demanda pelo serviço, cumprindo jornadas intermináveis de trabalho”, e vêm experimentando o risco de agressões físicas e verbais, “por lidarem diretamente com a insatisfação da população que, pela superlotação dos serviços, acaba descontando seu descontentamento no trabalhador que está na ponta”.
A carta aberta lembra ainda que faltam insumos mínimos para atendimento de qualidade à população. “Não temos medicamentos básicos para conduzir duas infecções coexistentes (Covid-19 e Influenza): dipirona, ibuprofeno, salbutamol, diclofenaco, loratadina, antibióticos acabam nas prateleiras de nossas farmácias, impactando diretamente a Assistência Farmacêutica”. Também faltam lençol para maca, oxigênio, luvas e muitos outros equipamentos. “Sofremos junto à população, há muitos meses, com desabastecimento de recursos essenciais para atendimentos de APS, como testes de gravidez e espéculos vaginais. Nossa matéria prima e nossas ferramentas têm sido o descaso e a miséria”.
Ironicamente, revela o documento, “mesmo com toda falta referida acima”, a cobrança por metas de atendimento gerais e de alguns programas, como atenção a gestantes, voltou de maneira truculenta. “Em adição, contrariando as recomendações de distanciamento social, foi-nos imposta a retomada das atividades em grupos, o que aumenta a contaminação dos participantes”.
“O SUS de São Paulo enfileira miríades de profissionais doentes, que se doaram ao máximo desde o início da pandemia. Nós não queremos ser enxergados como heróis incansáveis e indestrutíveis. Somos e queremos ser vistos como trabalhadores que, como todos os outros, precisam ter seus direitos respeitados e suas vidas valorizadas. Nós pedimos que nos escutem, pois já não conseguimos seguir nesse ritmo”.
A categoria exige a ampliação dos recursos humanos das UBS do município para esse momento de epidemia de Influenza e a reposição urgente de insumos e medicamentos essenciais para o atendimento de sintomas respiratórios e para manutenção de medidas higiênicas dentro dos serviços de saúde.
Pede, igualmente, maior controle das OSS pelo poder público: “A gestão da SMS deve fiscalizar e organizar a atuação das OSS para que trabalhadoras e trabalhadores de saúde de todo o município recebam uma resposta unificada das OSS, pois profissionais contratados por OSS oferecem serviços e cuidados em saúde para a população do município de São Paulo e observam severas divergências nos serviços geridos por OSS distintas”.
Outra reivindicação importante diz respeito a uma gestão mais democrática das unidades básicas, mediante a criação de um “espaço de diálogo permanente entre representantes de profissionais de saúde (sindicatos, instituições de categorias profissionais) e gestão (SMS, coordenadorias regionais de saúde e OSS)”, com periodicidade mensal. “Trabalhadores que estão no SUS o fazem porque acreditam no compromisso com a assistência à saúde da população num país desigual e socialmente desmantelado, hostil. No entanto, o que recebemos em troca é a aridez de um trabalho insalubre, exploratório, descaracterizado de sua função cidadã e alienado de seus próprios benefícios e direitos”.
Fórum das Seis divulga moção de apoio aos profissionais de Saúde
Nesta sexta-feira (21/1), o Fórum das Seis, que congrega as entidades sindicais e estudantis da Unesp, Unicamp, USP e Centro Paula Souza (Ceeteps), divulgou moção de apoio a todas(os) as(os) profissionais da Saúde que prestam serviços no município de São Paulo, aos quais “presta total e irrestrito apoio e solidariedade”. O texto menciona a carta aberta das categorias que atuam no setor e o “terrível quadro em que se encontram hoje as(os) profissionais desta Saúde”, dado o agravamento da pandemia e do surto gripal.
“Apoiamos todas as formas de expressão da reivindicação de seus direitos. Apelamos às(aos) gestoras(es) que atendam às justas reivindicações das(os) profissionais de saúde (médicas/os, enfermeiras/os, auxiliares e técnicas/os de enfermagem, farmacêuticas/os, recepcionistas, agentes comunitárias/os, nutricionistas, psicólogas/os e outras/os) que atuam incansavelmente no combate à pandemia, contribuindo para salvar vidas”.
“Ratificamos as reivindicações das/os trabalhadoras/es da Saúde”, destaca ainda a moção do Fórum, resumindo-as: “Por contratação de mais equipes para atendimento nas unidades básicas. Por condições adequadas de atendimento: medicamentos, testes, EPIs. Por um plano de enfrentamento à Covid-19 e pela reabertura da mesa de negociação do município. Por mais saúde para todas(os)!”.
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