Foi como um raio em céu azul. Entre a aparição inicial do projeto no Conselho de Cultura e Extensão (CoCEx) e o anúncio de sua implantação pelo governador Serra bastaram 10 dias! Estamos falando dos “Cursos de Especialização para Educadores, Ensino Fundamental II e Médio”, programa de ensino à distância para atender 110 mil professores da rede pública estadual já em 2009. O CoCEx foi convocado para analisar a matéria, em caráter extraordinário, pelo ofício PRCEU 118/2008, de 26/9; reuniu-se no dia 29/9; em 9/10, o governador já anunciava o programa, em cerimônia realizada no Palácio dos Bandeirantes, com a presença do vice-reitor Franco Lajolo.

A convocação do CoCEx, assinada pelo pró-reitor Ruy Altafim, apontava as causas do caráter “extraordinário” da reunião de 26/9: “A pauta da reunião terá como tema Cursos de Especialização destinados a professores da rede oficial de ensino público do Estado de São Paulo, e seu caráter de urgência tem a finalidade de atender à solicitação da Secretaria Estadual de Ensino [sic!] no tocante à manifestação da Universidade de São Paulo” (destaque nosso).

Mais clareza, impossível. Tratava-se de aprovar “a toque de caixa” um projeto de interesse do Palácio. Sinal veemente disso foi a presença, na reunião, do secretário estadual do Ensino Superior, Carlos Vogt, e de Maria Alice Pereira, representante da Secretaria Estadual da Educação (SEE-SP).

“Prazo exíguo”

No CoCEx, que na reunião extraordinária não conseguiu quórum para aprovação do convênio com a SEE-SP, criou-se então um grupo de trabalho informal, com a finalidade de “atuar com o tema e definir proposta da USP”, segundo mensagem encaminhada pela professora Namie Okino Sawada, designada para coordenar o GT. “Dado o prazo exíguo que dispomos para apresentação de manifestação à Secretaria da Educação, como informado aos conselheiros na reunião do CoCEx”, uma reunião foi marcada para o dia 1º/10, “para levantarmos as áreas de interesse, diretrizes das propostas de cursos e cronograma das atividades”. A decisão sobre o assunto seria tomada na reunião ordinária seguinte do CoCEx, de 9/10. Mas não foi o que ocorreu.

“Na reunião extraordinária [de 29/9] disseram que, por não haver quórum, a proposta seguiria para a reunião ordinária do CoCEx, para ser votada”, conta Aline Tavella, representante discente da graduação, que também participou da reunião do GT de 1º/10. No entanto, para surpresa das representantes discentes, o assunto não entrou na pauta do CoCEx em 9/10 e o pró-reitor Ruy Altafim limitou-se a comunicar, logo no início da reunião, que a USP participará do projeto.

“O informe foi o seguinte”, relata Aline: “a USP participará com um curso de gestão, a ser coordenado por professoras da FEA da capital e de Ribeirão Preto”, voltado para coordenadores, diretores e supervisores de escola, e a ser implantado em março de 2009. Questionado pela representação discente sobre qual instância da USP teria aprovado o convênio, o pró-reitor negou que tivesse feito tal afirmação. Afirmou que a USP entrará no programa apenas com o citado curso de gestão. Em 2009, porém, ela ofereceria “oito ou nove cursos”, paulatinamente preparados e aprovados pelo CoCex.

“Cartilha”

Na avaliação da estudante, com base nas declarações do pró-reitor de Cultura e Extensão, o projeto será fatiado em vários convênios. “Ao aprovarem curso por curso, não será uma iniciativa da Secretaria, mas da USP”, aponta Aline. “A idéia é ir aprovando os cursos em separado, para a gente não perceber que o que está no conteúdo é a cartilha”. Ela refere-se à revista São Paulo faz escola – Edição Especial da Proposta Curricular, que a Secretaria pretende ver aplicada uniformemente na rede pública estadual.

O objetivo dos cursos parece ser o de treinar os professores estaduais com base nesta cartilha. O próprio professor Altafim, na reunião do GT ad hoc, declarou que a rigor os cursos propostos não têm caráter de especialização, devendo ser considerados “cursos de reciclagem”.

O professor César Minto, vice-presidente da Adusp, critica a forma autoritária e acelerada de encaminhamento do projeto, sem qualquer discussão com a comunidade. “Além do mais, quando se lê o documento da SEE-SP para a contratação das universidades públicas, que é um misto de minuta de edital, esboço de contrato de gestão e diretrizes para um novo currículo, fica claro que se trata de treinamento para implantação de mudança curricular”, declara. “Como é possível a USP compactuar com isso?”

Para o professor, há muitas semelhanças entre o projeto atual e o Programa de Educação Continuada-Formação de Professores (“PEC/For-Prof”), lançado, com a participação da USP, em 2001. “Esse processo é irmão gêmeo do PEC, valendo-se da velha tática do fato consumado, antes que se esboce qualquer resistência maior”, destaca. “É lamentável um governante fazer isso, e mais lamentável que a USP esteja se prestando a esse tipo de coisa”.

Adusp e Andes-SN têm consolidado, ao longo dos anos, uma posição contra o uso indiscriminado do ensino à distância, especialmente nos cursos de formação inicial, mas não questionam o emprego de técnicas e tecnologias, modernas ou não, em atividades didáticas.

Ainda segundo o vice-presidente da Adusp, há em comum entre o programa atual e o PEC tanto eventuais interesses eleitorais (de modo que os prazos são determinados por razões políticas e não pedagógicas), como certos interesses que se articulam em torno do ensino à distância — caso da Fundação Vanzolini, responsável pela coordenação editorial da cartilha São Paulo faz escola e também presente no PEC.

Procurado pelo Informativo Adusp, o pró-reitor de Cultura e Extensão não deu retorno até o fechamento desta edição.

 

Matéria publicada no Informativo nº 269

EXPRESSO ADUSP


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