Defesa da Universidade
Em carta ao secretário estadual da Saúde, corpo clínico do Hospital Vital Brazil reage à ameaça de fechamento
Documento redigido pela equipe médica aponta, com grande clareza, os riscos à vida de pacientes picados por animais peçonhentos e os danos à pesquisa científica e à formação de estudantes de medicina que a intenção absurda do governo estadual provocaria. O hospital pertencente ao Instituto Butantan é referência internacional na sua especialidade
Em carta enviada em 3/6 ao secretário estadual da Saúde, José Henrique Germann Ferreira, e ao diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, o corpo clínico do Hospital Vital Brazil reagiu ao encerramento, subitamente anunciado, das atividades dessa instituição, especializada no atendimento a vítimas de picadas de animais peçonhentos. Sem apresentar qualquer justificativa, o governo estadual avisou que pretende encaminhar esses pacientes ao Hospital Emílio Ribas.
“No dia 28/5 o corpo clínico do Hospital Vital Brazil tomou ciência, através da Diretoria do Instituto, da decisão consumada sobre o encerramento das atividades do Hospital Vital Brazil realizadas dentro Instituto, e da transferência dos atendimentos para o Instituto de Infectologia Emílio Ribas”, diz a carta.
“Para nós, infelizmente, essa mudança encerrará o bem sucedido modelo de atendimento no Hospital Vital Brazil, que é referência internacional no atendimento dos pacientes acidentados por animais peçonhentos, com resolutividade de mais de 98% dos casos no próprio hospital”.
Em 2018 foram registrados 2.292 casos de pronto atendimento no Hospital Vital Brazil, além de 1.756 teleconsultorias. A carta informa que a instituição “já interna todos os casos de acidentes por animais peçonhentos da Grande São Paulo com indicação de internação, exceto uma minoria que necessita de UTI, sendo a unidade que mais atende acidentes ofídicos de todo o Estado, estando integrado ao SUS”.
Germann Ferreira e Dimas Covas são convidados pelo corpo clínico “ao debate dos pontos que consideramos os mais críticos com essa mudança do atendimento para o Hospital Emílio Ribas”. Apontados com grande clareza no documento, os problemas que o fechamento do Hospital Vital Brazil acarretará são graves e impactantes, não apenas por se tratar de um atendimento altamente especializado, mas por envolver, ainda, importante conexão com as pesquisas realizadas pelos pesquisadores do Instituto Butantan.
“A localização dentro do Instituto Butantan é estratégica para interação entre os pesquisadores e médicos. Essa proximidade entre hospital e as áreas de pesquisas é o grande diferencial que permite torná-lo um centro de referência, prestando serviço a unidades de saúde de todo o Brasil e, por vezes, até do exterior”, informam médicos e médicas signatárias.
Nos acidentes com najas, só atendimento imediato evita morte
“Devido ao seu grau de especialização e à concentração dos casos, o Hospital Vital Brazil permite a integração dos atendimentos realizados aos pacientes acidentados por animais peçonhentos com a pesquisa cientifica realizada no próprio Instituto Butantan”, prossegue a carta. “A título de exemplo, atualmente temos um protocolo extenso de estudo prospectivo de picadas por aranha marrom (Loxosceles sp.), que seria descontinuado com a mudança”.
O exemplo seguinte é uma impressionante advertência: “No Instituto Butantan há serpentes de gêneros pertencentes e não pertencentes à nossa fauna. No Hospital Vital Brazil, mantemos soros específicos para estas cobras, para o caso de acidentes com nossos biólogos. Em alguns casos, como acidentes por Najas (o Instituto possui cerca de 30 delas), o pronto atendimento médico é fundamental para se evitar o óbito”.
O documento também dá ênfase a uma questão óbvia de logística: os riscos à vida dos pacientes provocados pelo deslocamento até o novo local de atendimento e pela interposição de instâncias intermediárias de triagem. “Existe uma grande procura espontânea dos pacientes pelo Instituto Butantan (cujo nome é indissociável de acidentes por animais peçonhentos), onde são acolhidos pelo braço assistencial deste, o Hospital Vital Brazil. Os pacientes picados continuarão a procurar o Instituto Butantan, e a nossa transferência [da equipe médica] para o Emílio Ribas acarretaria transtornos e riscos de agravamento pelo tempo adicional de deslocamento dos picados”.
Outro ponto fundamental para o tratamento, explica a carta, é uma correta identificação do animal. “Todo procedimento de atendimento é apoiado pelo grupo de biólogos de várias especialidades que auxiliam os médicos dentro do Instituto Butantan e não teria como existir fora deste. Note-se que muitos pacientes levam o animal vivo, o que poderia colocar em risco os profissionais do Instituto Emílio Ribas, que não conta com profissionais habilitados no manejo destes animais”.
O corpo clínico destacou ainda o papel desempenhado pelo Hospital Vital Brazil na formação de profissionais: “Pelo nosso hospital passam alunos de faculdades brasileiras e do exterior, residentes de faculdades como a de Medicina da USP e da Universidade Federal de São Paulo, bem como bolsistas do Programa de Aperfeiçoamento Profissional da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. As aulas abrangem desde o atendimento no hospital até visitas guiadas pelos biólogos aos laboratórios de herpetologia e artrópodes, que estariam extremamente prejudicadas em qualquer outro hospital fora do campus do Instituto Butantan”.
“O hospital sempre funcionou muito bem”, diz médica
“A gente ficou surpresa [com o anúncio de fechamento]. O hospital sempre funcionou muito bem. Sempre foi muito bem avaliado pelos próprios pacientes. E é tão pequeno que seus gastos são irrisórios dentro do sistema estadual de saúde”, disse ao Informativo Adusp uma médica que trabalha há mais de dez anos no Hospital Vital Brazil e preferiu não se identificar.
Ela deu como exemplo os gastos anuais com farmácia, que são de apenas R$ 30 mil. A maior parte da equipe médica trabalha há muitos anos no hospital, e como não houve contratações para substituir os aposentados, os profissionais revezam-se nos finais de semana, na base do sacrifício. “Temos um envolvimento muito grande com o hospital”, comenta a médica.
“O fechamento foi apresentado pela direção do Instituto Butantan como um fato consumado, sem qualquer justificativa”, deplorou ela. “Talvez haja alguma coisa por trás que a gente não consegue enxergar. Ficamos bem surpresos e chateados”.
As afirmações da carta do corpo clínico quanto à formação de estudantes de medicina foram confirmadas pelo infectologista Marcelo Litvoc, coordenador do Programa de Residência Médica do Hospital das Clínicas (HC-FM). “Gostaria de reafirmar o papel fundamental do estágio no Hospital Vital Brazil na formação acadêmica dos nossos residentes”, declarou Litvoc ao Informativo Adusp. “É um estágio de um mês, no qual eles recebem excelente assistência dos médicos do hospital, especialistas nos cuidados ministrados às vítimas de acidentes com animais peçonhentos”.
“O hospital dentro do Instituto Butantan possibilita maior vivência no cuidado desses pacientes. Recebemos muitos intercambistas, médicos e estudantes de outras instituições e do exterior, principalmente dos Estados Unidos e também de países da Europa”. A integração entre o hospital e o instituto é considerada por Litvoc fundamental para a formação de estagiários e intercambistas, em razão do seu fácil acesso aos laboratórios de extração de toxinas e de produção de soros.
“Meu receio como coordenador é que haja um prejuízo na formação dos residentes, se o atendimento aos pacientes for diluído no Hospital Emílio Ribas. É muito importante para os residentes o contato com os biólogos, a identificação dos animais peçonhentos”, exemplificou. Depois de formados, vários dos residentes passam a trabalhar no Hospital Vital Brazil, ao passo que outros desenvolvem pesquisas de mestrado e doutorado sobre animais peçonhentos, acrescentou o médico do HC.
No portal digital do Instituto Butantan, um singelo banner sem data, intitulado “Informativo!”, continua no ar, com o seguinte teor: “O Instituto Butantan informa que o Hospital Vital Brazil (HVB), localizado dentro da instituição, não será fechado. A unidade está funcionando normalmente, com atendimento 24 horas a acidentes com animais peçonhentos e o atendimento à população e os estudos clínicos, que são realizados na unidade, não serão interrompidos”. Isso embora a direção já tenha anunciado, no dia 3/6, a transferência dos atendimentos para o Hospital Emílio Ribas.
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