Defesa da Universidade
Reestruturação plena do HU depende de contratações definitivas e projeto com participação da comunidade, defende Butantã na Luta
“O HU mudou para pior!”, diz o Coletivo em manifesto que refuta artigo publicado pelo superintendente do Hospital Universitário no Jornal da USP. Na avaliação do movimento social, o texto otimista de Paulo Margarido é “mera autopropaganda” sem sustentação nos dados da realidade: o total de leitos, por exemplo, caiu de 182 em 2018 para 150 atuais
O Hospital Universitário (HU) da USP precisa “virar a página” e avançar para “um novo projeto de recuperação plena”, capaz de fazer com que a instituição possa “desempenhar de forma efetiva seus papéis de ensino de qualidade, pesquisa, extensão e assistência aos moradores da região do Butantã”. A reivindicação está expressa no manifesto “O HU mudou para pior!”, divulgado pelo Coletivo Butantã na Luta (CBL).
No texto, o movimento defende que esse projeto seja realizado “com participação efetiva da comunidade USP e dos moradores usuários da região e que seja implementado por uma nova gestão do HU efetivamente comprometida com as mudanças”.
O documento foi elaborado em resposta ao artigo “O Hospital Universitário mudou?”, publicado no Jornal da USP no dia 31/3 e assinado pelo superintendente do HU, Paulo Ramos Margarido. Conforme demonstrou o Informativo Adusp, o artigo de Margarido pinta um cenário fantasioso e está marcado pela omissão em relação a uma série de temas cruciais para o hospital e a comunidade que se utiliza de seus serviços, especialmente nas circunstâncias de emergência causadas pela pandemia da Covid-19.
Na avaliação do CBL, a recuperação plena do HU só poderá ocorrer com contratações permanentes de profissionais (e não temporárias, como a Superintendência tem feito nos últimos anos), a efetiva integração ao sistema de atenção primária da região, a cooperação com o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP e a rediscussão da sua forma de inserção no sistema de referenciamento da rede pública de saúde.
Atendimentos caíram de 16 mil em 2013 para 6 mil
O artigo de Margarido, no entender do coletivo, procura “esconder a estagnação do Hospital Universitário” desde que o atual superintendente assumiu o cargo, em janeiro de 2019. Nesse período, “só não houve mais retrocessos no HU em relação à difícil situação criada desde 2014 em função da resistência cotidiana do Movimento Em Defesa do HU”. Esse movimento, capitaneado pelo CBL, permitiu a destinação ao hospital de R$ 108 milhões oriundos de emendas parlamentares na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
O ano de 2014 marca o início do processo de asfixia administrativo-financeira do hospital, levado a cabo pela gestão reitoral de M. A. Zago-V. Agopyan, que tentou até desvincular o HU da USP, medida que não avançou pela resistência de integrantes do Conselho Universitário (Co).
De acordo com o CBL, o nível de assistência do HU em serviços de saúde de média complexidade não aumentou, ao contrário do que sustenta Margarido. O hospital realizava no final de 2013 uma média de 16 mil atendimentos/mês, número reduzido para 4 mil no início de 2018 e 6 mil em dezembro de 2018, considerados todos os atendimentos de média complexidade: consultas, internações, cirurgias e partos.
“Este número não mudou nos 28 meses da gestão do professor Paulo Margarido, apesar de ele ter contado no ano de 2020 com um adicional de 179 funcionários temporários contratados e ainda com mais de 200 funcionários do HC, durante o período abril a setembro de 2020”, aponta o manifesto.
O total de leitos ativos foi reduzido dos 182 de 2018, segundo estudo do Programa de Estudos Avançados em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde (Proahsa) para os atuais 150, de acordo com o que a superintendência informou ao Conselho Deliberativo do HU (CD-HU).
“Difícil compreender como neste contexto é possível ter havido a ‘ampliação do número de horas de estágios dos estudantes de graduação, pós-graduação, residentes e de complementação em pediatria’, como menciona o artigo. Além de não se apresentar evidências desta afirmação, esta não é a percepção dos estudantes e residentes, como inclusive indica Nota Pública dos estudantes de Medicina, publicada em 14/4 e subscrita por um grande número de entidades”, prossegue o manifesto.
O CBL sustenta ainda que, ao contrário do que Margarido alega, não houve crescimento da assistência à comunidade da região do Butantã (o chamado Programa de Extensão de Serviços à Comunidade SUS-Butantã). “O que a população da região viu e sentiu nestes 28 meses foi a continuidade das restrições do acesso ao HU, agravada no ano de 2020 e início de 2021 pela suspensão das consultas e cirurgias eletivas em grande parte deste período. Não foram poucos os moradores que perderam seus exames pré-operatórios por adiamentos feitos pelo HU.”
Acordo com HC foi importante, mas provocou distorções
As restrições ao atendimento continuaram mesmo no período em que o HU foi designado pela Secretaria de Estado da Saúde para cumprir um papel de suporte no início da pandemia, prossegue o CBL. Por meio de um acordo de cooperação, cerca de 200 funcionários do HC trabalharam no HU no período de abril a setembro de 2020. O HU absorveu nesse período parte das demandas das áreas de obstetrícia, otorrinolaringologia, oftalmologia e neonatologia, direcionando para o HC os casos diagnosticados de Covid-19.
O acordo, na essência, foi correto e sensato, mas ocorreram duas distorções importantes, considera o CBL. “A primeira foi trabalhar tanto internamente quanto na comunidade externa a imagem de que o HU era um ‘hospital não-Covid-19’, passando para muitos a falsa ideia de que o fato de o HU não manter pacientes internados com Covid-19 o transformava em um hospital ‘livre’” da doença. Essa ideia “trouxe muitos problemas e conflitos, especialmente em relação às questões de uso de EPIs [equipamentos de proteção individual] e de critérios de afastamento e escala mínima de profissionais de grupos de risco”.
A segunda distorção foi generalizar o acordo temporário com o HC e transformar o HU em referência para toda a região Oeste. “Ou seja, o HU que desde 2014 deixou de atender grande parte das demandas da região do Butantã com 500 mil moradores passou a ser considerado como referência para 1,2 milhão de moradores da região Oeste, sem nenhuma deliberação do Conselho Deliberativo do HU”, afirma o manifesto.
O CBL avalia ainda que o HU “tem perdido em grande medida seu papel de referência regional em serviços de saúde de média complexidade e tem se tornado um hospital geral para auxiliar a cobrir as insuficiências de atendimento de toda a rede pública de hospitais municipais e estaduais, inclusive em alguns serviços de saúde de maior complexidade”. Lamentavelmente, ressalta o movimento, essa política “tem sido apoiada e respaldada pela Reitoria” da USP.
“No lugar do resgate de um HU autônomo como unidade de ensino e pesquisa da USP e importante hospital regional de assistência do SUS, o caminho percorrido pela atual gestão procurou manter o HU como um mero orbital da Secretaria do Estado e do HC. Ao invés do diálogo racional e acordos de cooperação construtivos que podem e devem pautar a relação entre entes públicos dotados de níveis de autonomia, tem prevalecido nesta gestão uma concepção de projeto de Hospital Universitário que é incapaz de resgatar a qualidade de ensino e os níveis de assistência que o HU tinha antes de 2014”, prossegue o CBL.
De acordo com o coletivo, “a população do Butantã perdeu quase todo o atendimento de Pronto-Socorro e também perdeu em grande medida o acesso a serviços de saúde de média complexidade, enquanto o HU manteve um limitado número de atendimentos, porém se abrindo agora para acolher demandas de toda a cidade e mesmo da região metropolitana”. Portanto, a afirmação de Margarido de que “o hospital organizou melhor os atendimentos ambulatoriais, tanto clínicos quanto cirúrgicos de diversas especialidades e ampliou a cobertura assistencial” não passa “de mera autopropaganda sem nenhum amparo nos dados do real atendimento do HU”.
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