Em inquérito aberto pela PGR a pedido do ministro Kassio Nunes (STF), Polícia Federal intima professor Conrado Hübner

Nesta segunda-feira (18/10), a Polícia Federal intimou o professor Conrado Hübner Mendes, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FD-USP), a prestar depoimento numa investigação sobre artigo que publicou em sua coluna de opinião no jornal Folha de S. Paulo. A investigação foi aberta pelo procurador-geral Augusto Aras, a pedido do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em ofício encaminhado em junho à Procuradoria-Geral da República (PGR), Kassio protestou contra “afirmações falsas e/ou lesivas” à sua honra que entende terem sido proferidas pelo professor da FD no artigo — e requereu que fosse investigados supostos crimes de calúnia, injúria e difamação.

Fellipe Sampaio/STF

Ministro Kassio Nunes

Agência Senado

Procurador-geral Augusto Aras

No artigo, intitulado “O STF come o pão que o STF amassou”, Conrado critica a decisão do ministro do STF de liberar cultos e missas em plena pandemia de Covid-19. “O diabo não tem nada a ver com isso. Apenas agradeceu ao STF e comemorou os templos cheios de gente nos cultos virulentos do domingo de Páscoa. O desprezo aos protocolos sanitários foi a requintada homenagem anticristã ao tribunal”, ironizou o docente, que leciona Direito Constitucional.

“O episódio não se resume a juiz mal-intencionado e chicaneiro que, num gesto calculado para consumar efeitos irreversíveis, driblou o plenário e encomendou milhares de mortes”, prosseguiu Conrado. “Optou por resolver, sozinho, na véspera da missa [na noite de sábado], com base na cínica alegação de ‘urgência’ e ‘perigo da demora’, caso dormente em sua mesa havia cinco meses”.

A tentativa do ministro Kassio de criminalizar as críticas do professor não é a primeira. O próprio Aras, titular da PGR, já buscou enquadrar por duas vezes o professor da FD, em resposta a considerações feitas por Conrado na Folha de S. Paulo sobre a conduta omissa do procurador-geral frente aos desmandos do presidente Bolsonaro. Assim, alegando ter sido ofendido, Aras representou ao reitor da USP para que Conrado fosse submetido à Comissão de Ética da universidade. Paralelamente, ajuizou uma queixa-crime contra ele. Em ambos os casos, viu frustradas as suas pretensões punitivas.

A Comissão de Ética da USP decidiu, em 30/8, indeferir a representação de Aras e arquivá-la. “Em primeiro lugar, nunca é demais lembrar que toda figura pública está sujeita a escrutínio e críticas em função de suas posições e atividades”, declarou a Comissão em seu parecer, lembrando ainda que não lhe compete julgar crimes de calúnia, injúria e difamação, “nem aqueles relativos à ofensa da honra, expressamente mencionados na representação”.

Ainda segundo o parecer, “a atuação de Conrado Hubner Mendes no debate público se coaduna às suas competências como pesquisador, especialista no âmbito do Direito Constitucional, das Teorias da Democracia e da Justiça, que incluem a análise e averiguação das decisões do Ministério Público contra o interesse público”. Ademais, repreende indiretamente o titular da PGR por sua iniciativa: “A Comissão de Ética, por oportuno, alerta o conjunto da comunidade universitária para o risco de que altas autoridades da República busquem valer-se das instâncias universitárias para contemplar interesses e demandas estranhos a estas, especialmente o de coibir críticas fundamentadas e legítimas que constituem tanto dever quanto direito de todo e qualquer cidadão, em especial de um professor universitário”.

Duas semanas depois, Aras sofreu outro revés, desta vez em âmbito judicial, quando a juíza substituta Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, rejeitou sua denúncia contra o professor da FD. “Da análise das declarações do querelado não é possível extrair-se a existência de dolo específico voltado à ofensa da honra do querelante bem como de potencialidade lesiva das expressões tidas por ofensivas”, avaliou a magistrada.  

“Em que pese o eventual dissabor sofrido pelo querelante [Aras], não vislumbro conduta apta a fazer incidir a tutela criminal na medida em que as expressões proferidas pelo querelado [Conrado], mesmo que inadequadas, não se revestem de potencialidade lesiva real de menoscabo à honra do querelante. Isso porque estão situadas no âmbito da mera expressão de opinião e não do aviltamento ou insulto”, sentenciou. “Mister ressaltar que a liberdade de expressão e a imprensa livre são pilares de uma sociedade democrática, aberta e plural, estando quem exerce função pública exposto a publicações que citem seu nome, seja positiva ou negativamente”.

Ao final da sentença, uma nova lição para o procurador-geral da República: “O direito de liberdade de expressão dos pensamentos e ideias consiste em amparo àquele que emite críticas, ainda que inconvenientes e injustas. Em uma democracia, todo indivíduo deve ter assegurado o direito de emitir suas opiniões sem receios ou medos, sobretudo aquelas causadoras de desconforto ao criticado”.

EXPRESSO ADUSP


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