Defesa da Universidade
“Indústria” de cursos pagos nas unidades da USP multiplica lucros com a modalidade MBA a distância, na contramão de princípios da universidade pública
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária cadastra e oferece cerca de 40 cursos de especialização com cobrança de mensalidades, muitos dos quais vinculados à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). Entre eles está “MBA em Gestão de Projetos”, online, que abriu 2.250 vagas pagantes, com dois anos de duração, e pode ter receita final superior a R$ 19 milhões. Recursos arrecadados são de tal ordem que alteram relações de poder dentro da instituição
A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), unidade da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, está oferecendo dezenas de cursos pagos neste ano, como indica uma recente consulta à lista de cursos cadastrados pela unidade. O envolvimento da Esalq com a “indústria” de cursos pagos na USP chegou a tal ponto que se tornou o pivô de um projeto de reestruturação da unidade, conforme noticiado pelo Informativo Adusp. Nos últimos anos, a oferta de cursos do tipo MBA a distância tem permitido a arrecadação de cifras astronômicas, que sugerem um grave descompasso entre essas práticas e a universidade pública, gratuita e de qualidade que a USP deveria ser.
O Anuário Estatístico 2019 da USP revela forte expansão da oferta de cursos online na Esalq nos anos recentes. Segundo a tabela “Evolução dos Cursos de Extensão a distância ministrados pelas Unidades da USP” (p. 279), essa unidade ofereceu 22 cursos do tipo em 2015, 29 em 2016, 32 em 2017 e 34 em 2018. O crescimento do número de participantes — esta a terminologia adotada pela USP para designar os alunos desse tipo de curso — é vertiginoso, tendo decuplicado em apenas quatro anos: passou de 1.586 em 2015 para 6.319 em 2016 e 11.687 em 2017, chegando a 15.147 em 2018.
Os dados impressionam quando comparados por exemplo aos da Escola Politécnica (EP), uma das pioneiras no oferecimento massivo de cursos pagos, por meio do chamado “Programa de Educação Continuada em Engenharia” (PECE). Embora tenha quadruplicado o número de cursos a distância, que passaram de 8 para 32 em apenas três anos (2016 a 2018), o crescimento do respectivo número de alunos da EP foi bem mais modesto que o da Esalq: passou de 1.308 em 2016 para 1.863 em 2018. Só a Faculdade de Medicina (FM) teve mais alunos online que a Esalq: foram 10.797 em 2015 e espantosos 24.613 em 2016, mas ela deixou de oferecer essa modalidade nos anos seguintes, segundo o Anuário Estatístico.
“Pós-graduação lato sensu da USP”, proclama o título ao centro da página https://mbauspesalq.com, seguido da explicação “nas modalidades a distância ou presencial”. No alto à esquerda, um logotipo resume: “MBA USP ESALQ”. Trata-se do portifólio do “Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas” (Pecege), associado à Esalq. Na verdade, Pecege é o “nome fantasia” criado para agrupar os cursos oferecidos pelo Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq, conhecido pela sigla LES.
A página do Pecege apresenta dez cursos do tipo master of business administration ou MBAa distância, e outros quatro MBA presenciais (um deles oferecido em Cuiabá), todos com início previsto para abril ou maio de 2020, conforme constatou o Informativo Adusp em acesso realizado em 10/1/2019. Os custos online custarão aos interessados 18 parcelas de R$ 590, fora a taxa de inscrição de R$ 100 (total de R$ 10.720), ao passo que os presenciais saem por 18 mensalidades de R$ 800 (total de R$ 14.500, com a taxa de inscrição), exceto o de Cuiabá: 24 mensalidades de R$ 1.200 ou R$ 28.900 no total, com a taxa de inscrição.
As gestões reitorais da USP sempre foram complacentes, quando não coniventes com a indústria de cursos pagos. Porta-voz oficial da Reitoria, o Jornal da USP publicava, com alguma frequência, matérias de divulgação desses cursos, até mesmo quando oferecidos por fundações privadas, ditas “de apoio”. Os cursos do Pecege receberam simpáticas menções do Jornal da USP em 19/10/2017, em “USP em Piracicaba oferece MBA a distância em várias áreas”, e novamente em 24/1/2020: “USP em Piracicaba oferece cursos de MBA em áreas de negócios e marketing”.
A “mãozinha” da Reitoria é desnecessária, porque não faltam recursos ao Pecege. Vejamos. O curso de especialização a distância “MBA em Gestão de Projetos, EaD”, cadastrado na Esalq sob número 19.009, é “disponível em todo território nacional e internacional” e prevê nada menos do que 1.200 vagas, das quais serão isentas de pagamento 120 (10% do total). Portanto, a organização conta com 1.100 alunos pagantes. Caso realmente preenchidas essas 1.100 vagas pagantes, a receita final, após 18 meses (em janeiro de 2022), será de nada menos do que R$ 11,682 milhões —basta multiplicar R$ 10.620 por 1.100.
Impressionante? Pois vamos adiante. A página digital de cursos cadastrados da Esalq lista um segundo curso “MBA em Gestão de Projetos, EaD” (cadastro 19.010) em 2020, este com previsão de 2.500 alunos!Seu coordenador é o professor Roberto Arruda de Souza Lima, que também é o responsável pelo outro curso de mesmo nome. A Esalq indica como período de realização 31/8/2020 a 30/8/2022, mas na página da PRCEU estes dados são bem diferentes: 6/4/2020 a 30/1/2022 (conforme acesso a ambas em 10/3/2020). Digamos que se matriculem 2.000 alunos, dos quais 10% sejam beneficiados com a gratuidade, e teremos uma receita final, em dois anos, de R$ 19,116 milhões.
Assim, os cursos de EaD constituem uma nova “mina de ouro” para aqueles setores do corpo docente que decidiram lucrar com a oferta de atividades privadas amparadas na estrutura e no prestígio da USP. Os exemplos são muitos: o MBA em Gestão de Pessoas oferece 500 vagas, o MBA em Marketing 600, o MBA em Agronegócios 700. O MBA em Gestão Escolar, que como o de Marketing deveria suscitar questionamentos por sua temática um tanto distante do foco da Esalq, abriu 800 vagas. O MBA em Gestão de Negócios conta com 1.100 vagas.
Uma vez que o preço total pago por aluno é o mesmo, R$ 10.620, não é preciso fazer muitos cálculos para constatar que tais cursos vão gerar receitas que variam entre R$ 3 milhões e R$ 10 milhões para cada um, conforme o número de vagas preenchidas. Portanto, considerando-se o conjunto de cursos online e cursos presenciais, trata-se da captação de uma formidável massa de recursos financeiros, capaz de alterar o equilíbrio nas relações de poder internas à Esalq e de gerar distorções na dinâmica de uma instituição que ainda se mantém pública, mas está sendo sistematicamente usada para atender a propósitos privados.
É esse tipo de perspectiva que levou uma ala do Departamento de Economia, Administração e Sociologia a propor que ele se transforme em uma nova unidade, separando-se da Esalq. Alega, de modo nada sutil, que em maio de 2019 “havia em andamento 56 turmas de MBA com um total de 13.884 alunos matriculados”, e que os docentes do departamento “captaram recursos extraorçamentários de R$ 42 milhões em 2017, o equivalente a cerca de metade do total arrecadado na Esalq”.
Reitoria e Esalq “têm receita sem custo” graças a cursos pagos, diz chefe
O chefe do LES, professor Carlos Caetano Bacha, sustenta opinião contrária à apresentada até aqui. “Não é correto dizer que os cursos de MBA online se tornaram ‘enorme fonte de receitas para seus organizadores’”, rebateu ele em troca de mensagens com o Informativo Adusp. “Sobre esses cursos se cobram 25% de taxa sobre a receita, sendo 10% destinados à fundação que os gerencia (no nosso caso, a Fealq), 10% para a Reitoria da USP e 5% para a unidade de ensino proponente (no nosso caso, a Esalq, sendo que metade desses recursos fica à disposição da Diretoria e a outra metade dos 5% à disposição do Departamento proponente dos cursos). Esses quatro, sim, têm receita sem custo”.
Portanto, se entendemos bem, o chefe do LES alega que a Reitoria e a Esalq (Diretoria e departamentos) “têm receita sem custo” —os destaques são nossos —graças aos cursos pagos oferecidos com a marca da escola e da universidade. Ou seja: tais percentuais corresponderiam a recursos que entram generosamente na USP, livres de qualquer contrapartida. Ao passo que os proponentes dos cursos pagos, estes sim, no entendimento do professor Bacha, desdobram-se para cobrir as despesas: “Os organizadores dos cursos têm custos de remuneração de docentes, compra de material, apoio de infraestrutura e de organização. Há cursos em que o coordenador não recebe pela coordenação, mas sim pelas aulas que ministra”, acrescenta. No entanto, convidado a fornecer valores concretos, nominais, o professor não o fez.
“Quais os valores arrecadados pelos cursos de especialização oferecidos pelo LES (Pecege e outros, se houver) nos anos de 2018 e 2019 e quais os montantes respectivos destinados ao Fuppeceu e à Esalq (departamento, diretoria, Cocex)?”, indagou o Informativo Adusp. Fuppeceu é a sigla para o Fundo Único de Promoção à Pesquisa, à Educação, à Cultura e à Extensão Universitária, criado pela Reitoria em 2007 — voltaremos a falar dele mais adiante.
A resposta do chefe do LES: “Eu não disponho desses valores. Caso necessite desses valores, eles devem ser solicitados à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão [PRCEU], pois esses valores fazem partes dos relatórios de fechamento dos cursos e/ou você os pode pedir à Fealq”. Adicionalmente, reitera sua tese sobre a taxa cobrada pela USP conforme a Resolução 7.905/2019: “Ressalto, no entanto, que 10% desses valores (sem qualquer custo) destinam-se à Reitoria da USP e outros 5%, à Unidade de Ensino proponente do curso de MBA” (destaques nossos).
O professor minimiza os ganhos dos docentes do LES envolvidos com os MBA online: “As despesas com nossos docentes nesses cursos não chegam a representar, em alguns cursos, sequer 15% das receitas. Há um custo operacional imenso na execução dos cursos. Na transmissão de aulas há todo um imenso custo com áudio, gravação e de apoio ao estudante. Imagine as despesas com orientação de 15 mil estudantes?” (destaques nossos). Realmente será preciso imaginar as despesas, uma vez que o departamento recusa-se a fornecer as planilhas financeiras dos cursos e a PRCEU omite qualquer dado a respeito.
“A que o Sr. atribui essa expansão súbita dos cursos remunerados online a partir de 2015? Ela não compromete a condição da USP de universidade pública e gratuita, e, em especial, a extensão gratuita?”, perguntamos ao chefe do LES. Ele simplesmente não respondeu à segunda questão. Quanto à primeira, apresenta cinco explicações, que incluem o “crescimento do mundo digital, com as chamadas gerações X, Y e Z já se graduando e procurando especialização”, bem como o “excelente quadro de docentes que ministra nossos cursos de MBA”, que é por ele assim descrito: “As aulas são ministradas por docentes da Esalq, FEA-SP, FEA-RP, Poli, EACH, FAU, ECA, Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, Faculdade de Educação”.
A tais explicações, o professor Bacha agrega ainda o apoio “da excelente infraestrutura fora da USP [com] que contamos em Piracicaba e que é parte do convênio com a Fealq”, sem a qual “não seria possível oferecer os cursos online”; o “custo mais acessível de nossos cursos”, que seriam “de 30% a 50% mais baratos do que os oferecidos por outras instituições de primeira linha ministrando cursos similares”; e as bolsas obrigatórias oferecidas a funcionários da USP e alunos de pós-graduação, os quais “são, também, agentes que divulgam nossos cursos”.
O chefe do LES tem atuação direta e expressiva na oferta de cursos presenciais e online do Pecege. Ele é o coordenador de pelo menos três cursos com início previsto em 2020: “MBA em Agronegócios” presencial, “MBA em Agronegócios-Cuiabá”, “MBA em Finanças e Controladoria” online. Também é o vice-coordenador dos “MBA em Gestão de Projetos” nas versões presencial, online de 1.200 vagas e online de 2.500 vagas.
“Chefia do LES pauta-se por total transparência dos projetos”
Uma vez que na versão inicial do projeto de reestruturação da Esalq “é enfatizado o fato de o LES haver arrecadado R$ 42 milhões com seus cursos pagos, em 2017, como um dos argumentos favoráveis à sua separação da Esalq e transformação em nova unidade (‘Escola de Economia, Administração e Sociologia Luiz de Queiroz’)”, o Informativo Adusp indagou ao chefe do departamento: “Na avaliação do Sr., existe relação entre captação de recursos externos e desenho institucional? O fato de arrecadar mais confere maior poder ao LES frente aos outros departamentos?”
O professor Bacha corrigiu, preliminarmente, a afirmativa de que o LES arrecadou R$ 42 milhões com cursos pagos em 2017: “Este valor é a arrecadação total do LES com projetos, assessorias e cursos junto à nossa fundação, Fealq. Desse valor há taxas pagas à Reitoria da USP, à Esalq e à Fealq”. Feito o reparo, prosseguiu: “A Chefia do LES pauta-se por total transparência dos projetos que nossos docentes realizam e que são registrados nos órgãos competentes da USP. Por isso, você teve acesso a este valor”, respondeu ele, por e-mail, ao repórter do Informativo Adusp. “Por acaso, você tem acesso a quanto os docentes de outros departamentos da USP arrecadam de valores e pagam de taxas aos órgãos competentes da USP?”
Talvez seja uma pergunta retórica. Mas não custa responder. Como visto acima neste texto, a transparência proclamada não contempla dados fundamentais, uma vez que o chefe do LES esquiva-se de apresentar os valores arrecadados pelos cursos pagos do departamento nos anos de 2018 e 2019 e os montantes respectivos destinados ao Fuppeceu e ao próprio LES, à Diretoria da Esalq e à Comissão de Cultura e Extensão da unidade. Mais ainda: se a citada receita de R$ 42 milhões inclui, além de cursos pagos, verbas arrecadadas com a venda de projetos e assessorias, por que estes valores não foram discriminados por ele?
Por outro lado, o Informativo Adusp somente teve acesso à cifra de R$ 42 milhões porque esse dado consta do projeto de reestruturação da Esalq. Isso se deu não por apego de seus autores à livre circulação de informações na USP, mas por ser um dos eixos do discurso separatista do LES. Por fim, o fato de docentes de outras unidades manterem em sigilo os valores por eles arrecadados não é meritório, antes é condenável, não devendo ser utilizado como justificativa para que o LES proceda de maneira idêntica.
Retornemos às perguntas sobre a relação entre a “indústria” de cursos pagos e o projeto de reestruturação da Esalq: “existe relação entre captação de recursos externos e desenho institucional?”, “arrecadar mais confere maior poder ao LES frente aos outros departamentos?”. A ambas, o professor Bacha respondeu indiretamente.
“O projeto de criação da nova unidade no campus Luiz de Queiroz alicerça-se em três pilares: acadêmico, administrativo e baixo custo financeiro à USP”, diz o chefe do LES. “Busca-se o melhor gerenciamento acadêmico de nossas atividades e consequentemente a definição de um horizonte para crescimento. O LES responde por 40% das disciplinas obrigatórias de graduação da Esalq e pela totalidade das disciplinas ministradas nos cursos de Ciências Econômicas, Administração e Licenciatura, além de 40% das disciplinas de Gestão Ambiental. No entanto, o LES não é considerado na distribuição de cargos docentes na mesma proporção que atende o ensino dentro da Esalq”.
Ainda segundo ele, “as áreas de atuação do LES não são contempladas dentro das ciências agrárias e isto traz deseconomias de funcionamento, pois tentam-se adotar critérios de avaliação científicas-acadêmicas adequadas às ciências agrárias para avaliar as ciências sociais aplicadas”. Isto não condiz, continua, com o que se adota na Capes e no CNPq.
“Por duas gestões, a Esalq adota o Índice de Performance Acadêmica (IPA) para avaliar seus docentes, o que tem colocado o LES em uma das últimas posições entre os 12 departamentos, pois este IPA não contempla as peculiaridades da área de ciências sociais aplicadas. No entanto, comparando nossos docentes com os das FEA-SP e FEA-RP observam-se muitas similaridades de desempenho acadêmico e científico. Não devemos, portanto, ser comparados com os comparáveis?” (destaques no original).
O professor Bacha sustenta que há “deseconomias de tamanho” no gerenciamento da Esalq que seriam, em grande parte, eliminadas com a reestruturação. “Por exemplo, como chefe do LES já tive que esperar três semanas para conseguir audiência com o diretor para tratar de questões administrativas, pois não havia agenda disponível com o diretor da Esalq. Temos um diretor que praticamente administra uma Universidade. Estamos esperando há mais de um ano a compra de computadores com dinheiro que o próprio Departamento gerou através dos cursos de MBAs. Livros didáticos que solicitamos há mais de um ano não foram adquiridos, apesar a compra onerar recursos de receita do Departamento”.
No seu entender, a criação de uma nova unidade da USP em Piracicaba não vai onerar a Reitoria: “Os recursos gerados pelo LES, todos os quais via Fealq, mostram que pagamos de taxas à USP (incluindo Reitoria e Esalq) um múltiplo de 10 em relação aos recursos para manutenção que recebemos”, diz. “Prova de nossa independência financeira em relação a recursos orçamentários (fora pagamento de salários) é que estamos concluindo a construção de um prédio de 1.800 metros quadrados, com nova biblioteca, quatro salas de aulas (das quais duas com 126 lugares), quinze salas de docentes, sala de estudo para 100 estudantes e um LPD com 56 computadores sem qualquer uso de recursos orçamentários da USP” (destaques nossos).
MEC concedeu credenciamento “guarda-chuva” para a USP?
É possível consultar, na própria página digital, os documentos que supostamente credenciam esses cursos no Ministério da Educação (MEC). No entanto, o que se constata é que teria havido um credenciamento “guarda-chuva” para todos os cursos a distância da USP, ao invés de credenciamentos específicos. É o que se depreende da leitura do Parecer 533/2011 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), relativo ao e-MEC 200908493, que tem como interessado o “Governo do Estado de São Paulo” e foi aprovado em 8/12/2011: “Assunto: Credenciamento da Universidade de São Paulo (USP) […] para a oferta de cursos superiores na modalidade a distância”.
Mesmo assim, o credenciamento estaria vencido desde dezembro de 2016, pois o voto favorável do relator, aprovado por unanimidade pela Câmara de Educação Básica, estipulava: “observados tanto o prazo máximo de 5 (cinco) anos, conforme o artigo 13, §4o, do Decreto 5.773/2006, como a exigência avaliativa prevista no artigo 10, §7o, do mesmo Decreto, com a redação dada pelo Decreto 6.303/2007, com abrangência de atuação em sua sede, e nos seguintes polos de apoio presencial: Polo Luiz de Queiroz – Avenida Pádua Dias, 11, bairro Agronomia, Piracicaba/SP, CEP 13418-900; Polo Ribeirão Preto – Avenida dos Bandeirantes, 3.900, bairro Monte Alegre, Ribeirão Preto/SP, CEP 14040-901; Polo São Carlos – Av. Trabalhador São-carlense, 400, bairro Centro, São Carlos/SP, CEP 13566-590; Polo Campus da Capital – Rua da Reitoria, 109, bairro Butantã, São Paulo/SP, CEP 05508-900, a partir da oferta do curso de Ciências, licenciatura”.
Portanto, talvez os cursos do Pecege estejam pegando uma “carona” indevida no parecer 533/2011 do CNE. Os endereços dos campi da USP no interior, nos quais se inclui a Esalq, são citados no parecer como “polos de apoio presencial” do curso de Licenciatura em Ciências da USP, oferecido conjuntamente com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Seria a expressão “a partir da oferta do curso de Ciências, licenciatura” (destaques nossos) uma brecha arquitetada para abrigar, nesse credenciamento, toda sorte de cursos pagos?
Entre as diversas portarias do MEC indicadas pela página do Pecege, todas as quais credenciam indistintamente cursos de ensino a distância da USP, a mais recente é a Portaria 48, datada de 22/1/2013 e que portanto, a julgar pelo prazo legal de cinco anos, já não é mais válida. Porém, o chefe do LES declarou ao Informativo Adusp que os cursos de MBA “pagos e oferecidos pelas universidades públicas” são autorizados por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 26/4/2017 “e são regulamentados pela USP, sendo a mais recente regulamentação a Resolução CoCex/USP 7.897 de 02/12/2019” (leia aqui a íntegra das declarações do chefe do LES).
Presenciais em variados formatos, inclusive delivery em outros Estados
Os cursos pagos presenciais continuam a ser oferecidos, em variados formatos. Quem fizer o curso de apenas um dia (15/2/2020) “Ambiência na Bovinocultura Leiteira” pagará R$ 400. Não parece um valor alto, mas se preenchidas as 50 vagas a receita terá chegado a R$ 20 mil. A gestão financeira do curso cabe à Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq), dita “de apoio institucional” à Esalq. Trata-se de uma atividade bastante rentável, porque o docente responsável deverá auferir, ao final da jornada, R$ 16 mil, se cumpridas as atuais normas da USP, que recolhe 10% dessa “remuneração adicional”, e se pagos outros 10% à Fealq.
Outra modalidade “industrial” que faz sucesso na Esalq são os cursos pagos oferecidos por docentes dessa unidade, presencialmente, em outros Estados. Ampla reportagem do Informativo Adusp publicada em agosto de 2018 revelou a alta rentabilidade dos cursos presenciais oferecidos pelo controverso Solloagro, um “programa de educação continuada” do Departamento de Ciência do Solo, em cidades como Rondonópolis (MT), São Gotardo (MG) e Maracaju (MS), por exemplo. São os presenciais delivery.
O coordenador do Solloagro e o chefe do departamento alegaram, quando questionados a respeito, que esses cursos não prejudicam o exercício da docência e da pesquisa na Esalq porque são realizados nos finais de semana, e que os docentes envolvidos foram devidamente autorizados pelo conselho departamental e pela Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT). A CERT confirmou a autorização. Draconiana no trato com os docentes dedicados à extensão gratuita, genuína, por outro lado a CERT é generosa com aqueles que se envolvem com atividades externas remuneradas.
Igualmente delivery, mas ligado ao Departamento de Zootecnia, há o “Curso de Especialização em Produção de Ruminantes”, que será realizado em Goiânia (GO) entre maio de 2020 e dezembro de 2021, com duas aulas semanais (às sextas e sábados) e carga horária total de 400 horas. A gestão financeira do curso cabe à Fealq. Cada interessado pagará R$ 100 de inscrição e 20 parcelas mensais de R$ 950, o que totaliza R$ 19.100. Portanto, se preenchidas as 80 vagas, a receita ao final será de R$ 1,528 milhão. Entre os docentes listados consta o nome do professor Luiz Gustavo Nussio, que foi diretor da Esalq até 2019 e que responde pela Coordenadoria de Administração Geral (Codage) desde janeiro de 2018.
Outro exemplo nos mesmos moldes é o citado MBA em Agronegócios do Pecege que será oferecido em Cuiabá (MT) entre maio de 2020 e maio de 2022, com duas aulas por mês e carga horária total de 400 horas. Caso as 100 vagas sejam preenchidas, ao final dos dois anos de duração a receita será de R$ 2,89 milhões.
Cursos pagos tornaram-se uma das atividades centrais da PRCEU
A PRCEU assumiu como faceta relevante das suas atividades o que chama de “gerenciamento” dos cursos ditos de extensão, os quais são apresentados como sendo a primeira das “Ações de relacionamento da Universidade de São Paulo com a sociedade”, numa lista que inclui também os Centros de Cultura, “programas de integração com a comunidade”e “eventos especiais”.
Ocorre que a grande maioria desses cursos (81%) exige o pagamento de inscrição, matrícula e mensalidades, na contramão do que deveria ser a universidade pública. Consultada em 29/1/2020, a página digital da PRCEU oferecia um cadastro oficial de 41 cursos de especialização, todos pagos; 10 cursos de aperfeiçoamento, dos quais seis pagos; e 14 cursos de atualização, dos quais seis pagos.
A PRCEU conta com três câmaras, uma das quais é a Câmara de Cursos de Extensão. Dos seus seis membros docentes, pelo menos três estão fortemente envolvidos com o oferecimento de cursos pagos nas suas unidades. A começar pelo coordenador da câmara, que é o professor Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni, responsável por um dos principais programas de cursos pagos da Esalq, o Solloagro. Os outros dois são os professores Carlos Eduardo Cugnasca (EP), do Programa de Educação Continuada em Engenharia (PECE), e Dirceu Tornavoi de Carvalho, da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEARP), coordenador geral do MBA Marketing oferecido pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace), entidade privada, dita “de apoio”.
Parece ser mais uma das situações de conflito de interesses tão típicas da USP. Afinal de contas, a Câmara de Cursos de Extensão, criada há vinte anos por resolução do Conselho de Cultura e Extensão Universitária (CoCEx), tem as seguintes funções, relacionadas à proposição de diretrizes políticas de extensão acadêmica àquele colegiado: “homologação, nos casos previstos pelo Conselho, dos cursos de extensão, acompanhando-os e avaliando-os; deliberação sobre matérias delegadas pelo CoCEx; e atendimento das demais funções que lhe forem conferidas pelas instâncias superiores” (os destaques são nossos). Metade da Câmara decide casos nos quais tem interesse direto ou indireto (defesa dos cursos pagos em geral).
Em resposta a perguntas que lhe foram encaminhadas pelo Informativo Adusp, o professor Dirceu Tornavoi de Carvalho explicou que é membro da Câmara de Cursos de Extensão há um ano e que “por ela passam tanto projetos de cursos quanto prestações de contas de cursos terminados, tanto pagos quanto gratuitos”, cabendo a ela “examinar se os cursos propostos e encerrados atendem aos requisitos formais previstos nas normas aprovadas pelo CoCEx”. Na sua avaliação, ele não está incorrendo em conflito de interesses.
“Sim, também sou coordenador de cursos da PRCEU na FEARP, cursos esses que têm convênio formal com a Fundace para a gestão administrativa e financeira. Obviamente não sou eu quem avalio meus próprios cursos. A Câmara de Cursos de Extensão tem seis membros, fazemos reuniões mensais, e cada membro avalia um certo número de processos tanto de criação de cursos quanto de prestação de contas dos encerrados. A distribuição dos processos é feita pelos servidores técnicos administrativos da PRCEU que apoiam a Câmara e a observação de possíveis conflitos de interesse é critério básico nessa tarefa”, disse Carvalho. “Então não!! Não há qualquer conflito de interesse entre essas atividades que desempenho para a USP” (leia aqui a íntegra das respostas do professor).
O Informativo Adusp também encaminhou perguntas, no dia 29/1/2020, aos professores Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni (Esalq), coordenador da Câmara de Cursos de Extensão, e Carlos Eduardo Cugnasca (EP), mas eles não responderam até o fechamento desta edição.
Dados do Fuppeceu não estão disponíveis para consulta
Também foi procurada pelo Informativo Adusp para comentar as questões levantadas nesta reportagem a pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP, professora Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado. No dia 5/2/2020 foi enviado e-mail à professora, com cinco perguntas. Também foram realizados contatos telefônicos com o gabinete da PRCEU, para saber se a pró-reitora responderia às questões que lhe foram encaminhadas. Foi dito que ela atenderia ao pedido, no entanto isso não ocorreu até o fechamento da matéria, em 23/3/2020.
Duas das indagações feitas à professora Maria Aparecida dizem respeito ao Fundo Único de Promoção à Pesquisa, à Educação, à Cultura e à Extensão Universitária, ou Fuppeceu. Perguntamos quais são os valores recolhidos a esse fundo em decorrência do estipulado pelo artigo 3oda Resolução 7.290/2016 [depois parcialmente alterado pela Resolução 7.905/2019: “Sobre os cursos de extensão, regularmente oferecidos, nos termos de normativa própria, a taxa será calculada à razão mínima de 10% (dez por cento) sobre a receita bruta arrecadada no curso”], nos anos de 2015 a 2019, e ainda: “Por que os dados referentes ao Fuppeceu não estão disponíveis nas páginas digitais da USP e não são mencionados no Anuário Estatístico?”
Não é possível encontrar em lugar algum os dados relacionados ao Fuppeceu, criado pela Resolução 5.427/2007, depois alterada pela citada Resolução 7.290/2016. Consultada a respeito, por e-mail e por telefone, a Assessoria de Comunicação da Reitoria não soube dizer onde obter tais informações.
O coordenador da Codage, professor Luiz Gustavo Nussio, foi outro dirigente da USP procurado pela reportagem para que informe os valores arrecadados por esse fundo, que certamente são contabilizados e manejados por algum setor da repartição que dirige. No entanto, o e-mail enviado a Nussio em 4/2 com algumas perguntas não foi respondido até a data de fechamento deste texto. Contatos telefônicos realizados com a Codage também foram infrutíferos.
O Informativo Adusp publicará as respostas que venham a chegar posteriormente. Enquanto isso não ocorrer, a Reitoria continuará devendo explicações sobre o Fuppeceu e seu misterioso desaparecimento das contas da universidade.
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