Defesa da Universidade
Na “reunião de dirigentes” de 14/4, ufanismo prevalece e pró-reitorias prestam contas de olhos voltados para suposta “cultura digital”
Enquanto São Paulo entra no pico da epidemia Covid-19, reitor comemora que “estamos conseguindo fazer tudo continuar funcionando”, inclusive ensino e extensão, e pró-reitor de Graduação estima que “90% das disciplinas ministradas no primeiro semestre estão sendo oferecidas online”
Na última terça-feira (14/4), ocorreu mais uma “reunião de dirigentes”, instância que não existe no Estatuto da USP, mas onde o grupo que controla a instituição discute em primeira mão as políticas da Reitoria para a instituição, à revelia do Conselho Universitário. Virtual, a reunião contou com a participação de “cerca de 100 diretores” de unidades de ensino, museus e órgãos da universidade. Em matéria postada na noite de 15/4, o Jornal da USP, órgão oficial da Reitoria, mostrou que o reitor Vahan Agopyan, ao abrir a reunião, persistiu no seu tom ufanista: “A USP está se mostrando para [a] sociedade como instrumento importante para enfrentar a crise decorrente da pandemia da Covid-19 em todos os sentidos: no ensino, na pesquisa e na extensão. Do ponto de vista da gestão, estamos conseguindo fazer tudo continuar funcionando” (destaques nossos).
Ainda de acordo com o relato oficial, o pró-reitor de Graduação, Edmund Baracat, na mesma linha de “fazer tudo continuar funcionando” adotada por Vahan, “ressaltou que 90% das disciplinas ministradas pelos cursos no primeiro semestre do ano estão sendo oferecidas de forma on-line, com a utilização das plataformas e-Aulas e e-Disciplinas”. Esse índice é totalmente questionável, como atestam levantamentos recém publicados pelo Informativo Adusp.
O que mais impressiona, como já ressaltado pelo presidente da Adusp, professor Rodrigo Ricupero, é a absoluta falta de sensibilidade dos dirigentes da USP frente às dificuldades óbvias enfrentadas no dia a dia tanto por docentes como por estudantes, para lecionar ou estudar online em pleno período de pico da epidemia. Enquanto, conforme apontou a Diretoria da Adusp, os esforços de pesquisa são plenamente justificáveis e devem ser encorajados, por sua importância no combate à Covid-19, a tentativa de “salvar o semestre escolar” a todo custo, por meio da conversão de aulas presenciais em aulas online, poderá trazer implicações graves e ainda desconhecidas.
A propósito, o Jornal da USP informa o número de kits de Internet (“um chip para celular ou um modem portátil com interface USB, habilitados para 20GB e mínimo de 100 horas aulas por mês”) distribuídos pelas pró-reitorias de Graduação (PRG) e Pós-Graduação (PRPG): respectivamente 260 para os graduandos moradores do Conjunto Residencial (Crusp) e 331 para os pós-graduandos moradores do Crusp, usuários do refeitório da capital, e outros dos demais campi. Ou seja: PRG e PRPG juntas distribuíram 591 kits, quantidade muito aquém das necessidades de milhares de aluno(a)s da USP cujo acesso à Internet é precário.
O principal objetivo da “reunião de dirigentes” de 14/4, segundo o reitor, foi “compartilhar informações para que todos tenham conhecimento das atividades que estão sendo realizadas”. O Informativo Adusp teve acesso às apresentações preparadas com essa finalidade por três das pró-reitorias. Elas contêm algumas informações importantes, principalmente sobre as pesquisas relacionadas à Covid-19 que vêm sendo conduzidas por diferentes unidades da USP.
A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) divulgou dados relevantes sobre as pesquisas relacionadas à Covid-19. São quase 200 projetos de diversas unidades da USP que estão desenvolvendo pesquisas em variados aspectos do combate à epidemia. Por exemplo: há oito grupos de pesquisadores da universidade trabalhando no desenvolvimento e na manutenção ou compartilhamento de respiradores (ventiladores pulmonares mecânicos), item essencial à sobrevivência de pacientes graves da Covid-19. Cinco dos projetos pertencem à Escola Politécnica (EP), um à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), um à Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e um ao Instituto de Física de São Carlos (IFSC). Na apresentação a PRP não explica se providenciou alguma forma de diálogo ou coordenação entre os diferentes projetos, que têm em comum a busca pela produção de respiradores de baixo custo.
Outras linhas de pesquisa envolvem a pesquisa de vacinas, de medicamentos, de testes diagnósticos, de avaliação de materiais de proteção para pacientes e profissionais de saúde e até “sobre as novas condições pessoais durante a pandemia (trabalho, escola, interações sociais, ambiente, deslocamentos etc.)”.
Programa de doações “USP Vida” será gerido pela FUSP
A PRP também chama a atenção para o programa institucional de doações para financiamento das pesquisas sobre Covid-19 denominado “USP Vida”, voltado para pessoas físicas e jurídicas. Como mencionado pelo próprio reitor Vahan Agopyan em e-mail encaminhado em 14/4 aos “diplomados” da instituição, o(a) doador(a) decide se apoia todas as iniciativas da Universidade ou um projeto de pesquisa específico, de uma relação preparada pela PRP, a quem cabe coordenar o programa.
Também é possível dirigir a doação para o Hospital Universitário (HU). Não deixa de ser paradoxal que, depois de promover o sucateamento do HU nas duas últimas gestões, a Reitoria agora se disponha a pedir doações financeiras para ele.
Assim, a Reitoria parece continuar apostando no veio do voluntariado e da filantropia, embora as iniciativas relativas aos fundos do tipo endowment não tenham obtido grande sucesso de arrecadação até o momento. No presente caso, como é possível doar pequenos valores — por exemplo R$ 20 ou R$ 50 — pela Internet, por transferência bancária e outras transações eletrônicas, é possível que conquiste algum êxito.
Um detalhe interessante é que a Reitoria confiou a gestão financeira do programa à Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), como se constata no link divulgado pelo próprio Jornal da USP. Entidade privada “de apoio”, a FUSP protagonizou um escândalo em 2015, depois de reveladora reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. O então reitor M.A. Zago prometeu investigar o caso e divulgar seus achados, com “transparência”. A promessa jamais foi cumprida.
No e-mail sobre o programa “USP Vida”, Vahan exagera: “Assim que se anteviu a possível pandemia, ainda nos primeiros dias deste ano, quase 150 grupos de pesquisadores, de diversas áreas do conhecimento, começaram ou direcionaram suas pesquisas para temas relacionados à Covid-19. Pela larga experiência dessas equipes, os resultados têm sido imediatos”. Até onde se sabe, contudo, os resultados “imediatos” se restringem, por ora, a alguns projetos muito promissores, caso de um respirador desenvolvido por pesquisadores da EP que, no entanto, ainda depende de testes.
“Muito importante ter informações sobre os pós-doutores contratados”
Outro destaque da apresentação da PRP, assinada pelo pró-reitor Sylvio Canuto, diz respeito ao Programa de Atração e Retenção de Talentos (PART). O texto deixa clara a preocupação de manter o controle sobre essa força de trabalho precarizada, procurando engajá-la na política improvisada de ensino a distância (EaD), embora o discurso seja de “valorização” dos pós-doutores.
“É muito importante termos informações sobre os pós doutores contratados que estão efetivamente dando aulas. Foi solicitado a todas as unidades (Comissão de Graduação) informações sobre as atividades docentes dos pós docs contratados em suas unidades. Algumas poucas unidades ainda não informaram e algumas outras deram informações incompletas”. E conclui: “Estas informações são importantes para uma efetiva avaliação do programa. Temos informação de 174 docentes ministrando”.
A apresentação da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) também procura mostrar serviço no tocante a EaD, fazendo referência a uma certa “cultura digital”. Diz o texto: “Com a interrupção das atividades presenciais das universidades, diversas atividades do semestre serão prejudicadas caso a utilização de ferramentas de tecnologias digitais não sejam consideradas. Existe um conjunto grande de tecnologias e é possível aproveitar o momento para criar a cultura digital no nosso corpo docente em relação a diversas atividades que estes desempenham. A PRCEU já oferece o curso Aprendizagem em Ambientes Virtuais. Em uma atividade em conjunto da PRCEU e PRG foi criado o programa Cultura Digital – Ferramentas digitais para sala de aula para apoiar os docentes na aplicação de ferramentas aplicadas à educação mediada por tecnologias tendo em vista enfrentarmos no curto prazo o plano de contingenciamento imposto pela pandemia global do Covid-19. Todas as apresentações foram gravadas e disponibilizadas através do ambiente virtual de aprendizagem criado para isso”.
A PRPG, por sua vez, informa o estado da arte da conversão de disciplinas presenciais em virtuais: “Até o momento [são] 931 credenciadas para forma não presencial” e remete para o elo http://www.prpg.usp.br/index.php/pt-br/noticias/6398- disciplinas-de-pos-graduacao-que-estao-oferecidas-namodalidade-ead. Na matéria do Jornal da USP, porém, o pró-reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior cita outro número: 945 disciplinas.
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