Defesa da Universidade
Estado fez “concessão enorme de benefícios fiscais, que ultrapassa R$ 40 bi”, admite Mauro Costa
O secretário estadual de Projetos, Orçamento e Gestão, que nesta terça-feira (29/9) depôs sobre o PL 529/2020 na Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento da Alesp, prometeu aos deputados a “revisão de todos esses benefícios” e ainda afirmou, como se não fizesse parte de uma gestão do PSDB: “O governo tem uma dificuldade enorme de retirar benefícios fiscais e facilidade enorme de conceder”. Segundo Costa, o pacote de Doria dará R$ 400 milhões a mais para as universidades
O secretário de Projetos, Orçamento e Gestão do Estado, Mauro Ricardo Costa, defendeu que em 2021, mesmo com a dedução dos “superávits financeiros oriundos de recursos ordinários e apurados em balanços patrimoniais de 2019”, as universidades estaduais receberão mais recursos do que naquele ano, quando a economia não sofria os solavancos provocados pela pandemia.
A dedução está prevista no artigo 6 das Disposições Transitórias do substitutivo do projeto de lei 529/2020, que pode entrar em regime de deliberação e votação ainda na noite desta quarta-feira (30/9), quando novas sessões extraordinárias foram convocadas pelo presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Cauê Macris (PSDB).
“Um dos motivos da gente ter modificado o PL e ter concordado com as sugestões é exatamente evitar desperdício de recursos. Isso será feito apenas uma vez, em relação ao superávit do exercício de 2019, que não muda, já foi apurado em balanço patrimonial e será deduzido nas transferências em 2021, uma vez só”, reforçou Costa em reunião da Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento da Alesp nesta terça-feira (29/9).
O texto original do PL previa a inclusão das universidades estaduais e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) nos efeitos do artigo 14 do PL, que determina que o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial das autarquias e das fundações será transferido ao final de cada exercício à Conta Única do Tesouro Estadual para o pagamento de aposentadorias e pensões.
O deputado Barros Munhoz (PSB) criticou a proposta dizendo que, como é difícil diminuir a alíquota do ICMS destinada às universidades, então pega-se “a sobra – que não é sobra, é confisco”. “Acho que é um castigo aos bons administradores. Quem administrar bem está ferrado, porque o Executivo vai lá e confisca. Não tem lógica, não tem sustentação. Se há algo que não deveríamos estar fazendo neste momento é não enaltecer as nossas universidades. Na pandemia, elas mostraram por que existem e por que temos que defendê-las e incentivá-las”, concluiu.
O secretário respondeu que “nenhuma pesquisa” deixará de ser efetuada por conta da medida. Afirmou ainda que as universidades receberão mais recursos em 2021 do que receberam em 2019, “mesmo descontado esse superávit”. Seu cálculo se baseia no corte linear de 20% nas isenções de ICMS atualmente concedidas – conforme previsto no PL 529/2020 –, o que, de acordo com o governo, vai permitir o aumento da arrecadação do Estado.
Com isso, argumentou, haverá R$ 1 bilhão a mais em repasses para USP, Unesp e Unicamp no ano que vem – descontados os cerca de R$ 600 milhões do que o governo considera superávit, o saldo positivo ainda será de R$ 400 milhões em relação aos números de 2019. “As universidades serão sócias do incremento da receita como fruto da redução das renúncias fiscais”, ressaltou.
Ainda em relação ao tema, a deputada Professora Bebel (PT) afirmou que “qualquer ingerência que se faça ataca a autonomia universitária”. “Isso foi conquistado na Constituição Federal de 1988 e queremos esse princípio da autonomia garantido”, apontou.
Em 2007, Costa era secretário da Fazenda no governo de José Serra (PSDB) e foi um dos mentores dos decretos que atentavam contra a autonomia das universidades estaduais. Os decretos foram revogados após meses de mobilização das entidades de docentes, funcionários e estudantes.
“Governo tem dificuldade enorme de retirar benefícios fiscais e facilidade enorme de conceder”
Em sua apresentação inicial, Mauro Ricardo Costa afirmou que “a pandemia gerou queda com relação às receitas tributárias do Estado, prejudicando significativamente toda a nossa previsão de despesas de 2020 e 2021”. Em 2020, considera, medidas como o auxílio emergencial do governo federal e a postergação do pagamento das dívidas dos Estados com a União “amenizaram essa situação”, o que permitirá que as contas do ano terminem “relativamente equilibradas”. Porém, esse quadro não se repetirá no ano que vem, o que tornará o quadro bem mais grave. “Nosso problema é 2021”, afirmou.
A expectativa para o ano que vem é muito ruim, apontou, com aumento significativo do desemprego e da demanda dos serviços públicos, além de crescente migração da população de serviços privados para os públicos em áreas como saúde e educação.
De acordo com os cálculos do governo, haverá queda de receitas, que devem chegar a R$ 214 bilhões, e aumento nas despesas, ultrapassando R$ 225 bilhões, com um déficit previsto de R$ 10,4 bilhões. “Isso significa que vamos começar 2021 atrasando o pagamento de fornecedores e consequentemente o pagamento de pessoal ao longo do ano”, disse. Sem as medidas do PL, “os servidores com salários atrasados virão aqui para a entrada da Alesp”, previu.
O que o governo chama de “medidas de modernização administrativa”, no bojo do PL 529/2020, inclui três eixos: o “enxugamento da estrutura administrativa” – no qual se insere a extinção de dez fundações e autarquias “que já não têm sentido de existir porque as suas atividades poderiam ser absorvidas por outros órgãos ou ser objeto de concessão à iniciativa privada” –, a “realocação de recursos financeiros” e a “melhoria na administração tributária”.
Costa afirmou que ao longo dos anos o Estado fez uma “concessão enorme de benefícios fiscais, que ultrapassa a casa de R$ 40 bilhões”. “O Estado nunca olhou para trás para identificar o que eventualmente poderia ser retirado e o que faria sentido manter”, considera.
A proposta do governo é fazer uma “revisão de todos esses benefícios” em duas etapas. A primeira é a redução linear de 20% em todos as isenções de ICMS. Numa segunda etapa os benefícios concedidos serão analisados caso a caso para que se decida se serão mantidos ou não. “Há inclusive uma determinação por parte do Tribunal de Contas (TCE) para que o Estado faça essa revisão em todos os benefícios fiscais concedidos”, ressaltou. “O governo tem uma dificuldade enorme de retirar benefícios fiscais e facilidade enorme de conceder.”
Deputados cobram detalhes sobre quem vai assumir funções dos órgãos extintos
A sessão durou mais de três horas, com a transmissão pela internet sofrendo algumas interrupções por problemas técnicos da Rede Alesp. Ao longo de toda a sessão, era possível ouvir as manifestações dos servidores que realizavam um ato em frente à Alesp contra a aprovação do PL.
Os parlamentares insistiram que Costa detalhasse quais órgãos do Estado vão assumir as funções das instituições que o governo quer extinguir. Munhoz e Márcia Lia (PT), por exemplo, disseram que a Secretaria da Agricultura não tem condições de realizar o trabalho da Fundação Instituto de Terras do Estado (Itesp).
“Sua teoria estaria correta se o Estado estivesse como o senhor imagina. Com todo o respeito, o senhor não conhece a situação da Secretaria da Agricultura. É caótica, catastrófica, absolutamente impossível de funcionar”, acusou Munhoz. Já Márcia Lia considera que o fim do Itesp vai deixar sem assistência técnica a população rural que mais necessita desse trabalho.
Mauro Costa deixou claro que a preocupação do Estado na área da agricultura não são os pequenos produtores. Respondendo a uma questão do deputado Reinaldo Alguz (PV), afirmou que “o agronegócio do Estado é extremamente importante” e que é preciso “fortalecer os institutos de pesquisa na área de agricultura e de fomento de tal maneira que possamos ser parceiros da iniciativa privada no desenvolvimento do agronegócio no Estado”.
Janaina Paschoal (PSL) questionou o secretário sobre a extinção de serviços como a realização gratuita de milhares de exames de paternidade pelo Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc) e de todo o atendimento prestado pela Fundação Oncocentro, sobrecarregando ainda mais o Sistema Único de Saúde (SUS).
A deputada também mencionou o “exagero de atribuições” e a “ampliação de competências” das agências reguladoras de Saneamento e Energia (Arsesp) e de Transporte (Artesp) do Estado de São Paulo, que devem “absorver atividades de fiscalização”. “Quem cuida de tudo não cuida de nada”, afirmou. Janaina ressaltou ainda que é “favorável ao enxugamento da máquina pública”, mas que não pode “fechar os olhos para a extinção de serviços sem que o governo diga quem vai prestar esses serviços”.
Nas respostas, Costa repetiu várias vezes, como verdadeiros mantras, números e argumentos que já havia utilizado na apresentação inicial. Em relação à Fundação para o Remédio Popular (FURP), afirmou que o seu custo chega a R$ 90 milhões anuais, enquanto a entrega de seus medicamentos ao Estado corresponde a R$ 40 milhões – portanto, “sai mais barato para o Estado” adquirir os medicamentos de fornecedores privados.
Sobre a busca do governo do Estado por verbas para a construção de uma nova fábrica de vacinas no Instituto Butantan enquanto a unidade da FURP em Américo Brasiliense está paralisada, argumentou que um laboratório para essa produção é completamente diferente de outro voltado a medicamentos. Além disso, a empresa chinesa Sinovac, responsável pela vacina da Covid-19 que será produzida pelo Butantan, precisa aprovar a construção.
Em relação à Artesp e à Arsesp, Costa disse que a contratação de serviços será atribuição da administração direta e que as agências ficarão com funções reguladoras e fiscalizadoras – o que, do ponto de vista do governo, “fortalece o seu poder e a sua independência”.
Quanto ao aumento de alíquotas de contribuição dos servidores para o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe), o secretário repetiu várias vezes que a população já paga pelos serviços do SUS e não deve pagar pelo plano do funcionalismo. “O déficit tem que ser coberto pela receita oriunda dos próprios servidores”, considera.
Costa procurou “tranquilizar” os parlamentares dizendo que nenhuma extinção será realizada abruptamente. “Estamos falando de autorizações do Legislativo. O órgão só vai ser extinto quando houver segurança em relação à absorção das atividades”, garantiu.
Já o destino dos servidores das fundações e autarquias extintas é incerto. De acordo com o secretário, será preciso identificar os “imprescindíveis para as atividades absorvidas” por outros órgãos da administração pública. “Não serão todos”, deixou claro.
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