Privatização
Cursos pagos ampliam privatização da ECA
Diretora da unidade alega que o curso de especialização coordenado por ela, que cobra R$ 19 mil por aluno, promove “democratização dos conhecimentos”
Há mais de uma década, a Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) convive com esquemas de cursos pagos oferecidos por grupos de docentes, com o beneplácito da direção e dos órgãos colegiados da unidade. Uma entidade denominada Associação de Apoio à Arte e Comunicação (ARCO) realiza a gestão financeira de receitas geradas por diversos cursos.
Conflito de interesses tem sido a tônica em tais atividades. Diretores, chefes de departamento e outros detentores de cargos administrativos, que deveriam ser os fiscais da aplicação da lei, estão eles próprios envolvidos com os cursos pagos. O endereço de criação da ARCO foi o apartamento residencial do professor Luiz Augusto Milanesi, então diretor da ECA.
O curso de especialização denominado “Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas” (GestCorp), organizado por docentes do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP), custará ao aluno que se inscrever em 2016 a quantia de R$ 19.000, a serem pagos “em 20 parcelas de R$ 950”.
Sua coordenadora e principal professora, Margarida Krohling Kunsch, é a atual diretora da ECA, estando portanto em nítida situação de conflito de interesses. O professor Mauro Wilton de Souza, ex-diretor da unidade, também figura entre os docentes participantes. As aulas do Gestcorp são ministradas em sala do próprio CRP.
Outro curso, “Gestão em Comunicação” (Gestcom), que se definia como de pós-graduação lato sensu, e que tinha preços semelhantes, foi desativado em 2011, dando lugar ao surgimento de um “Curso de Especialização em Educomunicação” (apresentado na página digital da unidade, às vezes, como “curso de pós-graduação lato sensu em Educomunicação”). Em 2014, o custo total para o aluno era de R$ 13.500, em 18 meses.
Consultoria
A página oficial do Departamento de Comunicações e Artes da ECA (CCA) sustenta que tal curso “é proveniente de cinco grandes movimentos pedagógicos” [sic] do CCA, entre os quais “o curso de Gestão da Comunicação que, entre 1993 e 2011, formou mais de 600 especialistas […] os cursos de aperfeiçoamento, extensão e especialização em Educomunicação, implementados pelo Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) […] os projetos de consultoria a governos (em nível municipal, estadual e federal) […]” e a implantação, na ECA, “de uma Licenciatura em Educomunicação”.
Mais recente ainda foi a criação de um desses esquemas privatizantes no Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), por meio do Centro Latinoamericano de Cultura Contemporânea (Celacc), que oferece três cursos de pós-graduação lato sensu: “Gestão de Projetos Culturais”, “Mídia, Informação e Cultura” e “Cultura, Educação e Relações Étnico-Raciais”. Cada um deles custa ao aluno R$ 7.200, a serem pagos em 18 parcelas de R$ 400.
O coordenador do Celacc, cuja página digital é abrigada pela USP, é o professor Dennis de Oliveira, que também é o atual chefe do CJE. O docente ministra duas disciplinas — Teorias da Cultura e Metodologia e Bens Simbólicos — nos cursos “Gestão de Projetos Culturais” e “Mídia, Informação e Cultura”, e outras três disciplinas — Metodologia da Pesquisa em Temáticas Étnico-Raciais, O Negro na Sociedade de Classe Brasileira e Trabalho de Conclusão de Curso — no curso “Cultura, Educação e Relações Étnico-Raciais”.
Desse modo, o professor, que atua em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), leciona mais disciplinas nos cursos pagos que coordena do que no curso regular de Jornalismo, onde responde apenas pela disciplina Laboratório de Iniciação em Jornalismo – Jornal Comunitário.
“Juízo capcioso”
O Informativo Adusp encaminhou à diretora da ECA, professora Margarida Kunsch, a seguinte pergunta: “A Sra. é a diretora da unidade e, ao mesmo tempo, coordenadora e professora de um curso pago que cobra 19 mil reais de cada aluno. Concorda que se trata de conflito de interesses?”
Ela discorda: “Em relação a esta sua pergunta, que considero ser um juízo de valor um tanto capcioso, é importante lembrar que existe uma legislação pertinente que normatiza a participação docente em atividades dessa natureza”. O artigo 12 da Resolução 3.533/89 prevê que os pedidos de participação em atividades externas sejam submetidos aos respectivos departamentos e em seguida ao Conselho Técnico-Administrativo (CTA), diz a professora, portanto “não dependem unicamente_de aprovação ou acompanhamento da direção da escola”. O encaminhamento da direção, aduz, é feito de acordo com essas aprovações.
“Considerando a legislação vigente e as competências citadas, e ainda por estar ocupando cargo diretivo, ressalto a constante preocupação com a aplicação das normas expedidas pela Reitoria”, acrescentou Margarida, “de forma que não se apresentou até o presente momento qualquer situação que tenha se configurado como conflito de interesses, sendo, quando necessário, solicitado ao vice-diretor fazer os encaminhamentos que envolvam a pessoa da diretora como proponente de atividades de extensão”.
Assinalou que “no âmbito das unidades, compete, precipuamente, ao chefe de departamento zelar, com a colaboração do respectivo Conselho de Departamento, pelo fiel cumprimento dos preceitos do RDIDP”.
A seu ver, o curso pago do CRP atende a “uma crescente demanda social, representada por profissionais que lidam com a comunicação nas organizações”, e tem permitido “promover uma maior democratização dos conhecimentos que vêm sendo gerados para um amplo contingente de estudantes e pesquisadores da comunicação e para a sociedade como um todo”.
Inversão
O Informativo Adusp encaminhou mensagem eletrônica, ainda, ao professor Dennis de Oliveira, na qual indaga ao chefe do CJE: “De acordo com o seu currículo Lattes, o Sr. é contratado em RDIDP, mas leciona cinco disciplinas nos cursos pagos que coordena, bem mais do que aquelas pelas quais responde no curso regular de Jornalismo. Isso não é uma total inversão dos princípios do RDIDP?” Até o fechamento desta edição o docente não havia se manifestado.
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