Diretor diz que verba pública não basta, daí o Endowment…

OPINIÃO DA DIRETORIA
Iniciativa é nebulosa e suscita incertezas
À primeira vista pode parecer positiva qualquer iniciativa de angariar mais recursos para a universidade pública brasileira, para a USP ou para qualquer de suas unidades. É assim que muitos receberam as notícias sobre o Endowment da Escola Politécnica (EEP). No entanto, em se tratando de uma instituição pública é sempre imprescindível verificar se a origem das fontes de financiamento, a forma da administração dos recursos e as finalidades às quais são destinados correspondem aos propósitos e regramentos da instituição. Afinal e infelizmente, não têm sido poucos os casos onde interesses mercantis travestidos de apoios às nossas universidades serviram para os mais ilegítimos propósitos e ilegalidades, cabalmente noticiados e documentados em publicações como o Dossiê Fundações disponível na página eletrônica da Adusp.

A priori nada obsta que recursos privados sejam destinados a uma universidade pública — e existem formas para isso. Nada impede que doações sejam feitas e que a administração central crie regras para a utilização de recursos deste tipo, que poderiam reverter em favor de unidades específicas ou não.

Situação bem diversa é pretender financiar uma instituição pública com recursos privados, como enseja o fundo da EP. Essa obrigação é do Estado e são os impostos cobrados ao setor privado que devem responder por eles. Os percentuais destinados para a educação é que precisam ser aumentados e não temos dúvida da importância do engajamento institucional nessa luta que tem sido sustentada por muitas entidades, entre elas a Adusp.

Alarde

O que preocupa no entanto, é que a parte realmente cara deste investimento — salários, infraestrutura para pesquisa científica e sua manutenção — não está ao alcance e ainda menos no escopo do setor privado. Em geral, o alarde em torno de recursos privados destinados diretamente para entes públicos busca legitimar iniciativas indevidas para atribuir a particulares poder de decisão sobre as finalidades das instituições supostamente apoiadas, para então colher benefícios de projetos específicos nelas desenvolvidos, o que tem se mostrado filão recompensador de ganhos privados a custos reduzidos, seja para empresas seja para servidores, das instituições envolvidas.

É justamente porque o ordenamento republicano estabelece que recursos públicos ou privados que ingressam nas instituições públicas são, e devem ser, geridos segundo as normas públicas, para o devido controle e transparência, que não raro surgem iniciativas “inovadoras” para permitir canais de financiamento privado sem a necessária transparência e sem a almejada clareza sobre a licitude de sua constituição, propósitos e operação.

São aspectos relacionados a estas questões que deveriam ter sido trazidos a público antes de sua implementação, no caso específico do Endowment da Poli, e que agora ainda mais precisam ser esclarecidos e analisados pela universidade. Os desencontros das manifestações dos protagonistas e a ausência de manifestação da Reitoria fazem crescer as incertezas quanto ao que, de fato, a iniciativa significa.

Coincidência ou não, após a publicação pelo Informativo Adusp 327 de matéria sobre o Endowment da Escola Politécnica (EEP) a mídia repercutiu o assunto. Os jornais Valor Econômico (“Poli cria primeiro fundo de universidade”, 17/6) e Folha de S. Paulo (“Poli-USP quer captar verbas para pesquisa nos moldes de Harvard”, 17/6) detalharam o funcionamento pensado para o EEP. Porém, não mencionaram que o Conselho Universitário da USP e a Congregação da Poli não foram consultados sobre sua criação.

Primeira mídia comercial a abordar o assunto, em 9/6, a TV Globo também ignorou a falta de institucionalização do Endowment e, ao contrário, transmitiu reportagem totalmente favorável ao fundo no Jornal Nacional (JN). “O Estado tem que investir em educação em várias áreas e não dá para pegar e jogar todo o dinheiro em cima das universidades públicas. Então se quisermos ser uma universidade de classe mundial nós vamos ter que buscar recursos externamente”, declarou ao JN o diretor da Poli e (surpresa!) diretor do EEP, professor José Roberto Cardoso.

Curiosamente, quando procurado pelo Informativo Adusp para comentar o Endowment, em 23/5, Cardoso se referiu ao EEP como “uma iniciativa de alunos e ex-alunos da EPUSP e não da Diretoria da EPUSP”. Atualmente, no entanto, a própria página eletrônica do fundo o anuncia como diretor, cargo que divide com Danielle Gazarini, presidente do Grêmio Politécnico.

Bradesco?

Uma das principais responsáveis pela formulação do EEP nada tem a ver com a Poli, e sua existência foi escamoteada por Cardoso e pelo advogado Felipe Sotto-Maior nas declarações que fizeram ao Informativo Adusp. A prestadora de serviços Endowments do Brasil, em parceria com a Bradesco Corretora, a BNY Mellon e a Aliança Empreendedora, é que projetou o fundo de captação como “ferramenta para preservar a autonomia e ampliar a capacidade de investimento” da Poli (segundo fundosocial.com.br).

Além disso, a indefinição do papel de Sotto-Maior permanece. Apontado por Cardoso ao Informativo Adusp como “um dos gestores” do EEP, mas autodenominando-se “colaborador”, Sotto-Maior foi apresentado pelo JN como “consultor”.

O Informativo Adusp procurou alguns docentes para que opinassem sobre o EEP. A maioria deles preferiu não comentar o assunto. A exceção foi o professor titular aposentado Eleutério Prado, da Faculdade de Economia e Administração da USP: “A Escola Politécnica mantém inevitavelmente relação com empresas já que produz tecnologias, o que, de alguma forma, as beneficia. Portanto, faz todo o sentido que ela receba dinheiro dessas empresas”, declarou. “Se é uma coisa intransparente, uma coisa gerida como se fosse uma empresa privada — aí sim está o problema. Tem que saber se a iniciativa é de caráter público ou de caráter privado, porque aí está o problema”, enfatizou.

Sem resposta

No dia 29/6, foram encaminhadas à Reitoria, por intermédio da assessoria de imprensa do reitor, perguntas sobre o EEP. Ficaram sem resposta até a data de fechamento desta edição as seguintes questões:

  1. A Reitoria apoia a iniciativa?
  2. O Conselho Universitário foi consultado sobre a criação do EEP?
  3. É legal a criação de um fundo de captação de recursos privados e públicos na USP por decisão exclusiva do diretor de uma unidade de ensino, à revelia dos colegiados?
  4. O diretor da EP, que é também diretor do Endowment, afirma que a unidade recebe recursos insuficientes para sua expansão. Levando-se em conta que a Escola Politécnica é uma das maiores unidades de ensino da USP e recebe expressivo montante de recursos orçamentários da universidade, que são recursos públicos, as outras unidades não se sentirão compelidas a criar seus próprios fundos de captação?
  5. O fato de o diretor da Escola Politécnica ocupar concomitantemente o cargo de diretor do EEP não fere os princípios da legalidade do serviço público?

 

Informativo n° 329

EXPRESSO ADUSP


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